Noticia
CANAVIEIROS & MORTE POR EXAUSTÃO
É sabido que o trabalho dos
canavieiros é uma das atividades mais penosas, levando muitos trabalhadores à
morte por exaustão, mormente pelo esquema adotado pelas empresas de obriga-los
a essa exaustão pela forma de remuneração de seu trabalho, por produção, com
garantia, apenas, do salário mínimo, sendo forçados a chegar a completa exaustão para que
consigam, no final do mês, obter uma remuneração que varia entre 600
(seiscentos) e 900 (novecentos) reais.
Leia a íntegra do Acórdão
ACÓRDÃO Nº
RECURSO ORDINÁRIO
TRT 15ª REGIÃO - 6ª TURMA – 11ª CÂMARA
PROCESSO Nº0001117-52.2011.5.15.0081
RECORRENTE: USINA SANTA FÉ S.A
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PRT/15ª REGIÃO
ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE MATÃO
JUIZ SENTENCIANTE: RENATO DA FONSECA JANON
EMENTA: “AÇÃO COLETIVA. INTERESSE INDIVIDUAL
HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CORTADOR DE
CANA. PAGAMENTO POR PRODUÇÃO. PROIBIÇÃO. SINGULARIDADE DA ATIVIDADE.
POSSIBILIDADE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AO VALOR SOCIAL DO
TRABALHO. 1. O Ministério Público do
Trabalho, como é cediço, possui legitimidade para tutelar interesses
individuais homogêneos, além, obviamente, dos difusos e dos coletivos. 2. In
casu, não há de se falar em interesse individual heterogêneo, tal como
pretende a reclamada. O fato de todos os trabalhadores serem cortadores de cana
e receberem por produção configura, indubitavelmente, a origem comum apta a
ensejar a aplicação do art. 81, §único, inc. III, do Código de Defesa do
Consumidor. O que se pretende, na verdade, é conferir nova nomenclatura a
instituto já definido pelo referido dispositivo legal. 3. A proibição do pagamento por produção, no caso específico dos
cortadores de cana, é medida impeditiva de retrocesso social. Como é sabido,
nesse caso existe um estímulo financeiro capaz de levar o trabalhador aos seus
limites físicos e mentais para que, mesmo assim, aufira salário mensal
aviltante e incapaz de suprir as necessidades básicas próprias e as de sua
família. 4. Não se deve concluir pela
proibição do pagamento por produção para todas as profissões, mas tão somente
para aquelas cujas peculiaridades as tornem penosas, degradantes e
degenerativas do ser humano. É o caso dos cortadores de cana, embora não
exclusivamente. 5. Deve-se entender,
de uma vez por todas, que o cortador de cana remunerado por produção não
trabalha a mais porque assim deseja. Muito pelo contrário: ele trabalha a mais,
chegando a morrer nos canaviais, unicamente porque precisa. Sua liberdade de
escolha, aqui, é flagrantemente tolhida pela sua necessidade de sobreviver e
prover sua família. 6. A dignidade
da pessoa humana e o valor social do trabalho, Fundamentos da República
Federativa do Brasil, devem impedir a manutenção de uma situação que remonta
aos abusos cometidos durante a 1ª Revolução Industrial, de modo que a
coisificação do ser humano que trabalha nos canaviais é realidade que não se
admite há muito tempo.”
Inconformada com a r. sentença de fls. 1418/1529, recorre a
reclamada (fls.1538/1551).
Em suas
razões de recurso ordinário, alega, preliminarmente, que o feito deve ser
extinto sem resolução de mérito, haja vista eventual ilegitimidade ativa do
órgão ministerial para tutelar suposto direito individual heterogêneo. No
mérito, sustenta que o pagamento por produção é autorizado pela lei, de modo
que o Poder Judiciário equivocou-se ao proferir sentença proibindo a reclamada
de remunerar seus empregados por unidade produzida. Por derradeiro, alega que a
imposição de multa em caso de desobedecimento da obrigação de não fazer imposta
judicialmente não encontra amparo legal e, se mantida, acarretará
enriquecimento ilícito do recorrido.
O Ministério
Público do Trabalho, por intermédio de seu digno representante, Dr. Rafael de
Araújo Gomes, contrapôs-se aos argumentos apresentados, concluindo pela
necessidade de manutenção da r. sentença proferida (fls. 1559/1564).
É o
relatório.
ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso interposto porque presentes os
requisitos de admissibilidade.
DAS PRELIMINARES ARGUIDAS PELA RECLAMADA
Em suas razões de recurso ordinário, a reclamada
esforçou-se por demonstrar, por intermédio de preliminares e prejudiciais, que
o mérito da questão não deve ser julgado. Basta, para tanto, notar o quão
extensa foi sua argumentação no que toca à tentativa de convencer este E. TRT a
acatar alguma das inúmeras preliminares arguidas.
De maneira
geral, alegou que o tema envolvendo o pagamento por unidade de produção,
especificamente no caso dos cortadores de cana-de-açúcar, diz respeito a típico
interesse individual heterogêneo, o que afasta a legitimidade de atuação do
órgão ministerial. Aliado a isso, sustentou que a Ação Civil Pública julgada
procedente pelo magistrado de 1ª Instância carece de objeto, haja vista a tomada
de compromisso de ajustamento de conduta às previsões legais perante o
Ministério Público do Trabalho. Por fim, construiu fundamentação no sentido de
demonstrar que o pagamento por produção é permitido pela legislação em vigor,
de modo que a r. sentença feriu o princípio da legalidade.
Em síntese,
esses foram os argumentos apresentados pela reclamada, muito embora estejam
eles apresentados em diversos tópicos que, de uma maneira ou de outra,
repetem-se sucessivamente.
A despeito de
a r. sentença proferida ter enfrentado todos os óbices de mérito apresentados,
utilizando-se de persuasão racional refinada e precisa – com a qual concordo
plenamente, a importância jurídica e social da causa, e também o dever,
impulsiona a análise, ainda que breve, dos pontos obstativos apresentados pela
reclamada.
Eis, então, os fundamentos.
DA
PERDA DE OBJETO DA AÇÃO
Como primeiro ponto, a reclamada alega que a ação que
ensejou a presente discussão perdeu o objeto, sendo inaplicáveis os fundamentos
da sentença. Afirma, a fim de justificar sua defesa, que os trabalhadores
possuem condições dignas de trabalho, mormente com a assinatura, sem
resistência, do TAC proposto pelo Ministério Público do Trabalho.
Prima facie, afasto a preliminar
apresentada, de modo que não assiste razão à reclamada.
Da
ata de audiência realizada na sede da PTM Araraquara, f. 720, constou
expressamente, item 3, que a ação prosseguiria com relação ao pedido referido
no item 8, letra “e”, para julgamento de mérito, não sendo abrangido por
conciliação ou desistência. Portanto, beira à má-fé a alegação da ré.
Ora, se a
Ação Civil Pública que originou a presente discussão tivesse perdido seu
objeto, a reclamada não se esforçaria para demonstrar que o pagamento por unidade
de produção é legal. Isso porque o único e exclusivo objeto da ação ajuizada
pelo Ministério Público do Trabalho foi impedir o pagamento por produção dos
cortadores de cana que laboram para a reclamada.
Os
fundamentos apresentados pela reclamada, nesse tópico especificamente
considerado, apresentam inegável deficiência técnico-processual, pois afirmar
que a Ação Civil Pública perdeu o objeto seria exatamente o mesmo que
reconhecer a procedência do pedido formulado pelo órgão ministerial. Isso tudo
em termos práticos, obviamente.
Nessa
cadência, a perda do objeto ocorreria se a reclamada afirmasse não mais
remunerar seus empregados em razão da quantidade produzida. Evidentemente que a
pretensão resistida, apta a justificar a atuação ministerial, ainda perdura.
Não fosse
assim e a reclamada teria aderido, de maneira integral, ao termo de compromisso
de ajustamento de conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho, o qual
combatia a famigerada prática de pagamento por produção aos cortadores de cana.
Já que não
aquiesceu, em âmbito extrajudicial, em se abster de remunerar seus empregados
em razão da produção aferida, a ação coletiva foi ajuizada como única maneira
de pacificar o ponto conflitivo restante.
Sendo assim,
por óbvio, não há que se falar em perda do objeto da ação civil pública que
ensejou o atingimento do presente momento processual, de modo que afasto a primeira preliminar.
DA
ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Em segundo lugar, a reclamada afirma que o interesse
envolvido no presente caso é evidentemente heterogêneo, cuja consequência
processual é o afastamento da legitimidade de atuação do Ministério Público do
Trabalho. Argui, assim, que não existe origem comum que una os trabalhadores,
pois a situação de cada um deles deve ser analisada individualmente.
Primeiramente, consigne-se que, na
hipótese vertente, o Ministério Público do Trabalho pediu e obteve, em face da
recorrente, a condenação para se
abster de remunerar seus empregados, envolvidos na atividade de corte manual de
cana-de-açúcar, por unidade de produção, sob pena de multa de R$ 1.500,00 (mil
e quinhentos reais) por trabalhador atingido, a cada mês em que se verificar o
descumprimento.
Assim,
luzidio que se trata de tutela de interesses difusos, não havendo a
determinação dos sujeitos atingidos, pois os atuais e futuros empregados serão
beneficiados com a proteção do bem maior que é a saúde e a vida.
Efetivamente,
não se pretendeu e não se obteve, em face da recorrente, nesta Ação Civil
Pública o pagamento de
reparações pecuniárias individuais, para satisfazer determinados empregados,
mas o cumprimento da obrigação de não fazer, a fim de sanar de forma coletiva e
indivisível, a prática funesta do pagamento por produção.
Tratando-se
da defesa de interesses coletivos e difusos, adequado se mostra o uso da AÇÃO
CIVIL PÚBLICA, nos termos da Lei n. 7.347/85, art. 1º, IV, c.c. com art. 129,
III, da Constituição Federal e art. 83, III, da Lei Complementar 75/93.
Ainda que não se tratasse de direitos difusos,
mas sim de individuais homogêneos, é patente a legitimidade do Ministério
Público do Trabalho.
A tutela
coletiva dos direitos na Justiça representa, conforme afirma Ada Pellegrini
Grinover, uma verdadeira revolução, cujo escopo maior é a garantia da
universalidade da jurisdição: [1]
A maior revolução talvez se tenha dado
exatamente no campo do processo: de um processo individualista a um modelo
social, de esquemas abstratos a esquemas concretos, do plano estático ao plano
dinâmico, o processo transformou-se de individual em coletivo, ora
inspirando-se no sistema das class actions da common Law, ora estruturando
novas técnicas, mais aderentes à realidade social e política subjacente. Tudo
isso alterou o quadro do acesso à Justiça, facilitado por intermédio dos
portadores, em juízo, dos interesses transindividuais, que se substituem aos
litigantes a título individual, fracos do ponto de vista econômico e
organizacional, e que simplesmente não levavam suas pretensões ao Poder
Judiciário. E com isso também se desenhou uma nova realidade para o princípio
da universalidade da jurisdição, a qual se abriu a novas causas e a novos
titulares de conflitos.
Sob tal
prisma, busca-se atualmente a permissão para que o maior número de lesões,
ainda que individualmente de pequena repercussão, seja coletivamente sanado
pela Justiça ou no âmbito extrajudicial, de forma a se obter a necessária
pacificação social. Nesse sentido, a pretensão da recorrente de obrigar, com o
provimento de seu apelo, cada trabalhador
individualmente lesado a buscar o seu direito fora da tutela coletiva é, antes
de mais nada, um enorme retrocesso, sob o aspecto processual, social e
doutrinário. É a efetiva negação do direito.
Efetivamente,
é difícil acreditar que a reclamada defenda uma tese tão reacionária em matéria
de tutela coletiva dos direitos fundamentais, que já foi ultrapassada pelos
avanços da ciência processual contemporânea.
É bem
verdade que até pouco tempo ainda se viam decisões que pretendiam restringir à
legitimidade do Ministério Público do Trabalho, retirando-lhe a possibilidade
de tutela dos direitos e interesses individuais homogêneos.
Todavia, essas decisões, invariavelmente, foram
reformadas pelas Cortes superiores, pois esse entendimento ofendia a Constituição
Federal e a Lei Complementar n. 75/93, artigo 6º, inciso VII, alínea “d”,
desconsiderava uma das razões de ser das ações coletivas: eliminar as lesões de
massa, julgando-as em uma só ação (tutela coletiva de direitos).
Bem por
isso, a restrição que se encontrava à defesa dos direitos individuais
homogêneos pelo Ministério Público do Trabalho, foi reformada pelo e. Supremo
Tribunal Federal, que assim decidiu no caso:
O Ministério Público do Trabalho interpôs RE
(fls. 471/494) para que fosse reconhecida sua legitimidade processual para
defesa de interesses individuais homogêneos, com fundamento em precedentes do
STF. O RE foi admitido (fls. 533/534). A PGR opinou favoravelmente à pretensão
do Recorrente (fls. 541/545). Destaco do parecer: “... O E. Supremo Tribunal
Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 213.015-0, Relator
Ministro NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 24.05.2002, fixou o entendimento de que,
independentemente da própria lei fixar o conceito interesse coletivo, ele é
conceito de direito constitucional, “na medida em que a Carta Política dele faz
uso para especificar as espécies de interesses que compete ao Ministério
Público defender (CF, art. 129, III)”. Reportando-se ao RE 163.231-3/SP, o E.
Ministro NÉRI DA SILVEIRA recordou que, naquele julgado, a Corte havia fixado o
entendimento de que são direitos “... coletivos aqueles pertencentes a grupos,
categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base” e que os “Direitos ou interesses
homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078,
de 11 de setembro de 1990) constituindo-se uma subespécie de direitos
coletivos.” (fls. 543). O acórdão recorrido está em confronto. Dou provimento
ao RE. Publique-se. Brasília, 17 de dezembro de 2003. Ministro NELSON JOBIM
Relator (RE 393229, publicado em 02/02/2004)
Percebe-se,
assim, que a Suprema Corte já firmou jurisprudência no sentido de que os
interesses individuais homogêneos, para os fins da tutela coletiva, são
subespécie de direitos coletivos. Então, a disposição no art. 83, inciso III,
que afirma que cabe ao Ministério Público do Trabalho o ajuizamento de ações
civis públicas para a tutela de direitos coletivos dos trabalhadores abrange
tanto os direitos difusos, coletivos stricto
sensu e individuais homogêneos.
Assim, analisando-se o
recurso da ré, percebe-se que estamos diante de um pleonasmo, ou seja, inventou-se
um novo nome para a mesma a tese, antiga, já rejeitada pela Corte Suprema.
Requentou-se a tese, agora sob o pomposo nome de tutela dos “interesses heterogêneos”, contudo, trata-se da mesma tese retrógrada, processual e social,
que pretende que cada trabalhador prejudicado procure a tutela judicial de
forma individual. É um grande retrocesso na ciência do direito e um
flagrante desprestígio aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal!
Como se sabe, a tendência
moderna é a “molecularização” das demandas, e não sua “atomização”, segundo
ensina Kazuo Watanabe, para quem todo o sistema de tutela coletiva foi
construído com o escopo de “tratar molecularmente os conflitos de
interesses coletivos, em contraposição à técnica tradicional de solução
atomizada, para com isso conferir peso político maior às demandas coletivas,
solucionar mais adequadamente os conflitos coletivos, evitar decisões
conflitantes e aliviar a sobrecarga do Poder Judiciário, atulhado de demandas
fragmentárias” (“Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado
pelos autores do projeto”. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 631).
Nesse sentido, confira-se o seguinte acórdão:
1.MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – LEGITIMIDADE
PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA: O Ministério Público do Trabalho tem
legitimidade para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho, ação civil
pública para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos
sociais constitucionalmente garantidos. Inteligência dos artigos 127 e 129 da
Constituição Federal e artigo 83 da Lei Complementar nº 75/93. 2. MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO - DEFESA DE INTERESSES RELEVANTES E INDISPONÍVEIS: A tendência mundial do Direito moderno,
inaugurada no Encontro de Florença, presidido por Mauro Cappelletti, em 1975, é
a de coletivizar as soluções decorrentes dos conflitos entre pessoas. A ação
civil pública é um remédio eficaz e abrangente para a solução de tais
conflitos, nada impedindo que seja proposta para pretensões condenatórias e de
obrigações de fazer e não fazer. Há longa data que se pacificou o entendimento
de que a ação civil pública é cabível na Justiça do Trabalho, com
certas adaptações procedimentais, eis que compatível com princípios
informadores do processo obreiro. É veículo rápido de solução dos conflitos e,
por ser abrangente, deve ser prestigiado. Segurança que se denega. (TRT 2ª
Região - Processo: SDI - 00741/2000-2. Espécie: MANDADO DE SEGURANÇA - Acórdão:
2000017094) (negrejamos)
É sempre
bom deixar claro que a defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores por
meio da ação coletiva traz inúmeras vantagens, dentre as quais se destacam: 1)
evita a proliferação de demandas repetitivas sobre os mesmos fatos; 2) a
despersonalização do polo ativo da demanda, impedindo que os lesados sofram as
agruras de uma demanda judicial. Isso é salutar na Justiça do Trabalho –
leia-se Justiça de desempregados –, haja vista que, na inexistência de
estabilidade no emprego, raramente os trabalhadores se sentem em condições de
demandar em face do seu empregador, mesmo porque apresentam significativo temor
em relação ao desemprego, ainda mais quando estão em situação de vínculo
empregatício com a sociedade empresária; 3) a democratização do acesso ao
Judiciário; 4) a ocupação do pólo ativo por uma pessoa com melhores condições
de litigar em face dos grandes conglomerados, causadores de lesões de massa, já
que o cidadão sozinho não teria condições de fazê-lo, o que asseguraria a
igualdade processual nos polo da demanda e daria maior paridade de armas aos
lesados, pois o homem comum não tem condições financeiras para custear uma
demanda e tampouco possui condições psicológicas para aguardar por longo tempo;
5) evita a proliferação de decisões contraditórias sobre a mesma questão fática
que tanto desprestígio traz ao Poder Judiciário. O cidadão comum não consegue
entender porque a sua demanda não foi acolhida, ao contrário do que ocorreu com
seu colega de trabalho; 6) dá concretude aos princípios da celeridade e
economia processuais artigo 5º – incisos XXXV e LXXVIII – CF/88.
A tese reacionária de se
criar os interesses ou direitos “individuais heterogêneos”, a par das três
categorias previstas na Lei 8.078/90, é nítida tentativa de escapar da
jurisprudência uniforme da Corte Constitucional acerca da ampla legitimidade do
Ministério Público do Trabalho na defesa dos direitos fundamentais dos
trabalhadores.
Já passou a fase da
ilegitimidade do MPT para a tutela dos interesses difusos, a respeito dos quais
se dizia, no início da década de 1990, que nem sequer existiam na seara
laboral! Já passou a fase da negatividade da legitimidade para a tutela dos
interesses coletivos. Já passou a fase da ilegitimidade do MPT para os
individuais homogêneos, expressamente afastada pela mais alta corte judiciária
do Brasil. Diante disso, é de pensar-se: até onde vai a sanha dos que não
querem a coletivização do processo do trabalho? A universalidade da Justiça
para a pacificação social? A reparação das lesões de maneira rápida e eficaz?
Francamente, a quem serve a restrição da atuação do Ministério Público na
tutela coletiva dos direitos indisponíveis, sociais, dos trabalhadores? A quem serve a fragmentação das ações? Certamente não serve para a efetivação dos
direitos fundamentais dos trabalhadores e para a construção de uma sociedade
mais igualitária.
De outra ponta, alguém
duvida de que os trabalhadores devem ter direito a um ambiente de trabalho
seguro e sadio, a uma forma de remuneração que não leve o trabalhador ao seu
esgotamento físico e mental? É patente, com certeza, a legitimidade do
Ministério Público do Trabalho nesta ação civil pública.
Ao
afirmar que a ação civil pública descreve situação de “direitos heterogêneos”,
a recorrente pretende, efetivamente, a não existência de direitos difusos e
coletivos, bem como de individuais homogêneos. Isto porque todo ato que resulta em direitos coletivos em sentido amplo pode também
gerar lesão a direitos individuais. Sob
esse argumento não existiriam direitos coletivos ou difusos no âmbito
trabalhista, pois todas as lesões acabam sendo “experimentadas” individualmente
por cada um dos trabalhadores da ré.
Vê-se,
logo, o equívoco do apelo apresentado. Toda experiência coletiva trabalhista é
composta também de experiências individuais. Toda lesão, seja ao meio ambiente
do trabalho, seja de fraude trabalhista, ou mesmo de discriminação ou ataque a
direito fundamental, atinge individualmente algum ou alguns trabalhadores. Ao
contrário, grande parte das lesões individuais trabalhistas tende a atingir
também uma dimensão coletiva, pela própria natureza de massa das relações de
trabalho. Essa a opinião de Barbagelata,[2]
quando fala justamente do particularismo do Direito do Trabalho:
“A
dimensão coletiva se projeta no conflito individual e nas relações dessa
natureza, não só pela eventualidade de que todo conflito individual se
transforme em coletivo, mas também pela própria integração do problema do
trabalhador, individualmente considerado, no mundo do trabalho. Em princípio, a
dita integração tem como conseqüência que todo ato com relação a um conflito
individual adquire projeção coletiva.”
Demais disso, ainda que não se considere a existência de
interesses difusos, salta aos olhos a origem comum apta a unir os interesses
individuais dos cortadores de cana expostos ao pagamento por produção, o que
evidencia sua homogeneidade.[3]
Ora, são todos cortadores de cana remunerados por produção.
Não considerar esse contexto fático como origem comum suficiente para
configurar o interesse individual homogêneo previsto pelo art. 81, parágrafo
único, inc. III do CDC, seria o mesmo que negar vigência a dispositivo de lei
plenamente em consonância com o art. 127 da Constituição Federal.
Peço vênia, assim, para transcrever trecho da r. sentença. In verbis:
“Em casos similares, o Eg. Regional da 15a.
Região assim se pronunciou: PROC. TRT/15ª REGIÃO Nº 00860-2001-079-15-00-9 RO
(21.718/2003- RO-2)AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DEFESA
DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS OU INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE. Ao
Ministério Público compete, nos termos da Constituição Federal vigente,
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos (art. 129, III). Nesse sentido, assegura-lhe a Lei Complementar nº
75, de 20 de maio de 1993, como instrumento de atuação, a capacidade de
promover o inquérito civil e a ação civil pública para (...) interesses
individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (art. 6º,
VII, “d”), especialmente quando decorrentes dos direitos sociais dos
trabalhadores (art. 84, II). No mesmo trilhar, aliás, está o art. 5º da Lei
7.347, de 24 de julho de 1985. Assim, detém legitimidade o Ministério Público
do Trabalho para, mediante ação civil pública, pleitear a tutela não só de
interesses difusos ou coletivos como também individuais homogêneos, entendidos
como decorrentes de uma origem comum, fixa no tempo, correspondente a ato
concreto lesivo ao ordenamento jurídico, que permite a determinação imediata de
quais membros da coletividade foram atingidos. RELATOR LUÍS CARLOS CÂNDIDO
MARTINS SOTERO DA SILVA PROCESSO TRT/15ª REGIÃO N. 01322-2005-091-15-00-9
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Quando
o objeto da lide se refere a interesses que advêm de origem comum, e ostentam
natureza homogênea, está justificada a legitimidade do Ministério Público para
figurar no pólo ativo da ação civil pública, o que vem conferir celeridade na
solução dos casos de macro-lesão e garantir maior segurança jurídica, evitando
decisões conflitantes.
RELATORA TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI
PROCESSO TRT/15a.REGIÃO No.2028/2000-MS-9 “Os interesses individuais
homogêneos, segundo o Código de Defesa do Consumidor, são aqueles de grupo,
categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem
prejuízos divisíveis, de origem comum, ou seja, oriundos das mesmas
circunstâncias de fato, embora em sentido lato os interesses individuais
homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos. Ora, a ação civil
pública presta-se basicamente à defesa dos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos, sendo inquestionável que o Ministério Público detém
legitimidade, decorrente de legitimação extraordinária. Isto porque a Lei
Complementar nº 75/93, que regulamentou as atribuições do Ministério Público da
União, no capítulo que trata das atribuições do Ministério Público do Trabalho,
estabelece, expressamente, no artigo 83, inciso III, a legitimidade do Órgão
Ministerial para propor ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho
para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos. E, embora tal preceito seja omisso quanto aos
interesses individuais homogêneos, haja vista que refere-se apenas a interesses
coletivos, os quais, em princípio, abrangeriam somente os difusos e coletivos
“stricto sensu”, esta omissão é sanada pelo artigo 84, da mesma Lei
Complementar nº 75/93, o qual afirma expressamente que ao Ministério Público do
Trabalho incumbe exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I,
II, III, IV, do
Título I, sendo certo que no Capítulo II, do
Título I, no seu artigo 6º, inciso VII, alínea “d”, é expressamente outorgado
ao Ministério Público da União legitimidade para promover a ação civil pública
para a defesa de “outros interesses individuais indisponíveis homogêneos,
sociais, difusos e coletivos”, atraindo a conclusão lógica de que o Ministério
Público do Trabalho detém igual legitimidade
no âmbito das suas atribuições. E essa legitimidade é ressaltada, de forma
inequívoca, quando, como no caso, os interesses individuais homogêneos, espécie
da qual é gênero o interesse coletivo, adquirem tal volume e importância que
acarretam transtornos sociais em desobediência à ordem jurídica. De resto, é do
órgão judicial de primeira instância a competência para a prestação de tutela
em matéria de interesses metaindividuais no campo das relações de trabalho, nos
termos do artigo 651 do diploma consolidado...”. RELATOR SAMUEL CORREA LEITE
Em decisão oriunda do Plenário do Supremo Tribunal Federal,
em voto da lavra do eminente Ministro Maurício Corrêa, assim se decidiu sobre
os interesses coletivos:
“4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma
origem comum, constituindo-se subespécies de direitos coletivos. 4.1. Quer se
afirme na espécie interesses coletivos ou particularmente interesses
homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica,
sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos,
categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas
isoladamente não se classificam como direitos individuais para o fim de ser
vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística
destina-se à proteção desses grupos, categoria ou classe de pessoas” (RE
163.231-3/ SP, in DJU 29.06.2001).
O C.Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do
processo TST-RR-738.714/2001.0, mediante acórdão da lavra do Ministro Barros
Levenhagen, também decidiu:
“os interesses coletivos podem ser tanto os
transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele,
decorrentes de origem comum no tocante aos fatos geradores de tais direitos,
origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo. Assim, a
indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a
determinação é a daqueles interesses que envolvem os coletivos”.”
Na
realidade, frise-se, o que se evidencia é uma tentativa de criar nomenclatura
diferenciada para instituto jurídico já existente. O Código de Defesa do
Consumidor é extremamente claro ao dispor sobre os interesses individuais
homogêneos, de modo que a transmutação dessa categoria de interesses para os
supostamente “interesses individuais heterogêneos” beira a má-fé.
Se não
bastasse esse argumento, é imperioso relembrar que a Constituição Federal de
1988, em seu art. 127, caput,
determina a legitimidade do Ministério Público para tutelar interesses
individuais indisponíveis, ainda que puramente individuais.
Desnecessário
ressaltar que estamos diante de situação que envolve tutela da vida e da saúde
dos trabalhadores, de modo que a questão do pagamento por produção é apenas a
causa que desencadeia o contexto trágico que a realidade nos tem demonstrado.
Por todo o
exposto, demonstrado que se trata de interesse difuso, o Ministério Público do
Trabalho possui legitimidade para tutelá-lo, e mesmo que se tratasse de
interesses individuais homogêneos, a solução seria a mesma, assim, afasto
a segunda preliminar trazida pela reclamada.
DA
FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – POSTULAÇÃO CONTRÁRIA À LEI
Nesse ponto particular, a reclamada afirma que o Ministério
Público do Trabalho ajuizou ação com objeto contrário à lei, de modo que o
feito deve ser extinto sem resolução de mérito, nos moldes do preconizado pelo
art. 267, inc. VI, do CPC. Salienta, ademais, que a litigância de má-fé deve
ser reconhecida, haja vista a postulação afrontosa a texto expresso de lei.
Há, aqui e
mais uma vez, espantosa confusão entre a preliminar arguida e o próprio mérito
a ser oportunamente apreciado. Desse modo, não assiste razão à reclamada.
O interesse
processual, como é cediço, resume-se no binômio necessidade e adequação, cuja
verificação deve ser concomitante. Uma análise bastante perfunctória dos autos
demonstra que o interesse processual é evidente e decorre do fato de que a
reclamada não aquiesceu com todas as cláusulas do termo de compromisso de
ajustamento de conduta proposto pelo órgão ministerial. De fato, necessária a
provocação do Judiciário para ver sua pretensão apreciada. Por fim, indubitável
a adequação do meio eleito pelo Ministério Público do Trabalho.
O fato de a
reclamada defender que o pagamento por produção decorre diretamente da
legislação infraconstitucional em vigor resume, na realidade, verdadeira
análise de mérito.
Justamente
porque sua análise de mérito baseia-se em premissa juridicamente distinta da
apresentada na inicial é que o interesse processual se sobreleva e se torna
irrefragável. Entendesse o órgão ministerial da mesma forma que a reclamada e,
aí sim, não haveria pretensão resistida justificadora da necessidade e da
adequação, respectivamente, da provocação judicial e do meio eleito.
Felizmente, essa coincidência de entendimentos não se verifica na prática.
Por todo o
exposto, afasto a terceira
preliminar apresentada pela reclamada.
DA
CARÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – CONDIÇÃO OBJETO DE NEGOCIAÇÃO SINDICAL
Como quarta preliminar de mérito, a reclamada afirma que as
condições de trabalho referentes ao pagamento por produção foram negociadas, de
forma coletiva, entre os legítimos representantes das partes envolvidas. Assim,
mais uma vez pugna pela não existência de interesse processual apto a ensejar a
atuação do Ministério Público do Trabalho.
Pois bem. Não
assiste, novamente, razão à reclamada.
Cristalino o
fato de que a atuação do órgão ministerial tem como finalidade precípua a
tutela da vida e da saúde dos cortadores de cana que laboram para a reclamada.
Sendo assim, a pretensão ministerial tem fundamento constitucional direto e
irretorquível. Portanto, seria antijuridico negar interesse processual ao órgão
ministerial porque existentes cláusulas negociadas que versam sobre o esquema
de pagamento ora esgrimado.
Ademais, não
pode o negociado prevalecer sobre normas constitucionais que visam proteger a
vida e a saúde dos trabalhadores.
Nesse
sentido, transcrevo, mais uma vez, a correta argumentação apresentada pelo
magistrado de 1ª Instância, in verbis:
“Da mesma forma, não há que se falar em carência de
interesse processual por versar o pedido sobre “condição objeto de negociação
sindical”, pois o disposto no artigo 7º, inciso.XXVI, da Carta Magna” reconhece
o direito à celebração das normas coletivas como um “direito social do
trabalhador”, de modo que estas normas podem ampliar os direitos trabalhistas,
mas não reduzi-los ou erradicá-los, sendo que, nos termos do art. 620 da CLT,
havendo conflito, prevalecem somente as condições que forem mais benéficas aos
empregados. Além disso, a mesma Constituição que reconhece o direito à
negociação coletiva também prevê, de forma expressa e antecedente, que todo o
ordenamento jurídico deverá ser interpretado à luz do princípio da dignidade da
pessoa humana, nos termos do art. 1º, III, da Carta Magna. Significa dizer: não
se admite norma coletiva que coloque em risco à saúde e a vida dos
trabalhadores. Também não havia
necessidade alguma de o autor mencionar as normas coletivas ou de fazer
qualquer pedido a esse respeito, uma vez que não se trata de ação anulatória de
cláusula convencional ou de acordo coletivo, não sendo a pretensão dirigida a
toda categoria nem, tampouco, à entidade sindical, mas sim à empregadora.”
Interessante, aqui, transcrever a argumentação apresentada
pela reclamada a fim de justificar a imperatividade e prevalência daquilo que
foi negociado, in verbis:
“25. Note-se que o
estabelecimento de salário por produção, ao contrário do disposto na r. sentença,
não tem o condão de erradicar ou reduzir qualquer direito trabalhista; ao
reverso, se trata apenas e tão somente da aplicação de um direito regularmente
previsto na CLT e que, obviamente, está em plena consonância com a Constituição
vigente, pois visa a melhoria das condições sociais dos trabalhadores,
como prescreve o art. 7º, caput, da
CF.” (grifo nosso) (fl. 1543 - verso)
Causa espécie a afirmação de que o pagamento por produção,
para aqueles que devem sustentar suas famílias com a garantia de um salário
mínimo, é medida que visa a melhoria das condições sociais dos trabalhadores.
Contudo, porque aqui haverá apreciação do mérito, reservo-me a afirmar,
somente, que nessa conclusão da reclamada há necessária inversão dos valores
consagrados, com muito sangue e suor, pela Constituição Federal
Por conseguinte, afasto
a quarta preliminar de mérito apresentada pela reclamada.
DO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Como quinta preliminar de mérito, a reclamada afirma que os
sindicatos profissionais rurais, a Federação da Agricultura do Estado de São
Paulo e os sindicatos profissionais de Nova Europa, Ibitinga e Tabatinga
deveriam ter figurado como litisconsortes necessários desde o início do
processo.
Alega,
portanto, que a pretensão de ver afastada cláusula de negociação coletiva que
prevê o pagamento por produção deveria ser acompanhada da participação
processual obrigatória daqueles que a entabularam. Assim, como a pretendida
integração aos polos ativo e passivo não ocorreu, a reclamada pugna, mais uma
vez, pela extinção do processo sem resolução do mérito.
Não há que se
falar, in casu, em litisconsórcio
necessário, de modo que não merecem guarida as razões de inconformismo
apresentadas pela reclamada.
Trata-se,
como bem delimitada pela r. sentença, de ação ajuizada pelo Ministério Público
do Trabalho com o objetivo único de coibir a reclamada de estabelecer
remuneração por produção aos seus empregados cortadores de cana.
Evidente,
assim, que a decisão proferida, delimitada pelo pedido elaborado na inicial,
volta-se somente contra a reclamada, motivo pelo qual seria desnecessário e
processualmente impossível chamar ao processo os referidos litisconsortes,
mormente na condição de necessários.
O art. 47 do
CPC, cuja aplicação é bastante duvidosa no processo do trabalho (seja ele
individual ou coletivo), assim dispõe:
“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por
disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir
a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da
sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
Parágrafo único. O juiz ordenará
ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro
do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.”
Não
existe, nos autos, o contexto que justifica a aplicação do referido dispositivo
legal. Isso porque, em primeiro lugar, não existem partes, mas tão somente uma
parte no polo passivo, que é a reclamada. Em segundo lugar, não existe
imposição legal ou natureza da relação jurídica que imponha a integração
necessária dos referidos sindicatos aos polos da presente demanda.
É sempre
bom lembrar que não é conveniente o livre acesso de litisconsortes e de
assistentes na ação civil pública, pois a experiência demonstra que isso leva a
situações de difícil solução, atrasando a entrega da tutela jurisdicional.
Não
obstante, o cidadão não pode ingressar espontaneamente como litisconsorte em
ações coletivas e nem obrigatoriamente pode ser chamado a atuar no feito, pois
haveria o indesejado litisconsórcio multitudinário,
com número excessivo de pessoas no polo passivo, o que certamente acarreta
tumulto procedimental e processual, impedindo o regular desenvolvimento da
função jurisdicional.
O TST já
decidiu que nos casos de direitos difusos, transindividuais e de natureza
indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas, não existe campo
propício à aplicação de normas processuais eminentemente concebidas para a
citação em demandas de natureza individual, sob pena mesmo de se inviabilizarem
as ações coletivas. As regras desenvolvidas para a disciplina das lides
individuais são insuficientes para atender às peculiaridades das lides
coletivas.[4]
De fato,
tomemos como exemplo as ações que combatem as contratações sem concurso público
– ofensa ao disposto no artigo 37 CF/88.
Na
Justiça Comum, especificamente nas ações civis públicas para combater
irregularidades nas contratações sem concurso público, é comum a determinação
de citação de todos os empregados contratados irregularmente, bem como de todos
os inscritos no certame público, já que estes eventualmente teriam interesse no
feito. As demandas tramitam por anos e sem previsão de julgamento do mérito.
Caso fosse adotado o posicionamento da Justiça do Trabalho[5],
os feitos seriam resolvidos de forma célere e menos onerosa aos cofres
públicos.[6]
A
obrigatoriedade de se incluir no polo passivo da ação coletiva todos os
indivíduos que foram contratados sem concurso público poderia inviabilizar a
entrega da tutela jurisdicional, atrapalhar o andamento do Poder Judiciário e
causar o seu descrédito perante a sociedade.[7]
Some-se a isso que a citação de todos os trabalhadores contratados
irregularmente – ou dos milhares de inscritos ao certame público – causaria
enorme tumulto processual e inviabilizaria a ação coletiva. A medida é
equivocada, haja vista que, quando se trata de interesses difusos e coletivos,
os titulares são indeterminados e o objeto é indivisível.
Nos
casos de interesses metaindividuais, o dogma processual dos limites objetivos
da coisa julgada deve ceder à realidade diante da impossibilidade de tais
interesses serem cindidos e, portanto, desdobrados em dois ou mais direitos
subjetivos. Disso advém a necessidade de se ampliar os limites subjetivos da
coisa julgada, que passam a atingir até mesmo quem não foi parte na relação
jurídica material.[9]
Assim,
nesse ponto, a Justiça do Trabalho ocupa uma significativa posição de
vanguarda.[10]
Além dos argumentos já expendidos com relação ao
litisconsórcio, acresça-se que, como será asseverado adiante sobre o princípio
da vedação ao retrocesso social, é nessa condição que se rechaça a alegação da
ré, pois, conforme asseverado pelo MPT (fl. 103 e fls. 1.563/1.564), há uma
política institucional desse órgão para combater a remuneração por produção,
que causa adoecimento, mutilação e mortes, não só no Estado de São Paulo, mas
em todo o país.
Aliás, essa mesma política foi adotada quando do
combate à terceirização no campo, às falsas cooperativas de mão-de-obra rurais,
às falsas parcerias agrícolas no tomate, aos falsos estagiários, aos antigos
“guardinhas”, para a observância da NR31, das normas de meio ambiente pela
indústria cerâmica; em todas essas demandas sempre se ouvia a mesma alegação
empresarial da quebra do princípio de livre concorrência, que sempre foi
rechaçada pelo Judiciário porque a livre concorrência deve ser analisada na
plenitude da disposição contida no art. 170, CF/88, especialmente a valorização
do trabalho humano e de que a livre iniciativa tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
princípios da função social da propriedade, da defesa do meio ambiente, aí
incluído o do trabalho, e a redução das desigualdades regionais e sociais.
Ademais, a livre concorrência não
se sobrepõe aos direitos fundamentais dos trabalhadores e à dignidade da pessoa
humana. Diante desse caso concreto, o sopesamento necessário de princípios
constitucionais faz com que a dignidade da pessoa humana e a valorização social
do trabalho se sobreponham – não excluam, obviamente – à livre iniciativa.
Destarte,
afasto a quinta preliminar de mérito aduzida pela reclamada, de
modo que não se deve falar, aqui, em litisconsórcio necessário.
DA
CARÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – EXISTÊNCIA DE TAC
Por derradeiro, a reclamada insiste em defender suposta ausência
de interesse processual por parte do Ministério Público do Trabalho. Desta vez,
por outro lado, argumenta que existe termo de compromisso de ajustamento de
conduta tomado pelo órgão ministerial e em cumprimento pela reclamada.
Também nesse
ponto não assiste razão à reclamada.
Volto a
repetir, da ata de audiência realizada na sede da PTM Araraquara, fl. 720,
constou expressamente, item 3, que a ação prosseguiria com relação ao pedido
referido no item 8, letra “e”, para julgamento de mérito, não sendo abrangido
por conciliação ou desistência. Portanto, beira a ma-fé a alegação da ré.
Assim, esse
ponto comporta refutação bastante simples e direta, qual seja: a reclamada não
aquiesceu com a cláusula do mencionado TAC no que toca à proibição de pagamento
por produção. Ora, evidente, então, que o objeto da Ação Civil Pública ajuizada
e julgada procedente em 1ª Instância é remanescente, ou seja, não foi
contemplado no acordo assinado pela reclamada perante o Ministério Público do
Trabalho.
Ainda que
assim não fosse, o MPT ou outro legitimado poderia, a qualquer tempo,
convencendo-se da ilegalidade do pagamento por produção, poderia propor a ação
civil pública.
Sendo assim, afasto a sexta e última preliminar
arguida pela reclamada, deixando bastante claro que o objeto da Ação Civil
Pública julgada procedente pelo magistrado a
quo não foi contemplado pelo TAC assinado perante o Ministério Público do
Trabalho.
Por todo o
exposto, decido afastar todas as
preliminares de mérito suscitadas pela reclamada, haja vista os argumentos
apresentados nos itens acima detalhados.
MÉRITO
ALEGAÇÃO
DA LEGALIDADE DO SALÁRIO POR PRODUÇÃO
“No que diz respeito aos bens naturais e exteriores,
primeiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à
desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma descrição, tanto
das pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto
trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e
enfraquecer o corpo.” (Item 25 da Carta
Encíclica Rerum Novarum)
DO CONTEXTO FÁTICO NO QUAL SE INSERE
O CORTADOR DE
CANA
A reclamada aduz, como razão principal de seu
inconformismo, que o pagamento de salário por produção, garantido o mínimo, é
condizente com a legislação vigente. Especificamente, salienta que a r.
sentença contraria o disposto nos arts. 78 e 457, §1ºda CLT, além do teor da OJ
235 da SDI – I e Súmula n. 340, ambos do C. TST.
Inicialmente,
consigne-se a complexidade dos cálculos para a aferição da remuneração do
trabalhador, conforme relatado na petição inicial, f. 58/62, especialmente f.
61, já seria suficiente para uma reprimenda por parte do Poder Judiciário.
Esclareça-se que não houve impugnação na contestação, f. 681 e seguintes,
portanto, trata-se de fato incontroverso.
Percebe-se
que o empregado faz o seu trabalho, corta a cana, após isso, todo o cálculo da
remuneração fica a cargo da ré, apesar de estarmos em pleno século XXI, na
sociedade da informação, da internet, da comunicação instantânea, ainda assim,
o sistema e os meios de realização dos cálculos remontam ao século XVIII.
O
trabalhador não tem a menor condição de efetivamente aferir quantas toneladas
de cana foram cortadas, pois o cálculo é feito por uma média da cana cortada,
porém conjuga-se metros cortados x toneladas. Transparência, definitivamente,
não há.
O
sistema é digno de uma tese de doutorado em matemática, todavia, para os
cortadores, representa miséria, adoecimento e morte.Os números apresentados à
fl. 75 bem o demonstram.
Assim, não
assiste razão à reclamada, de modo que adoto as razões de decidir apresentadas
pelo magistrado de 1ª Instância e acrescento os argumentos a seguir
desenvolvidos.
“Por que
morrem os cortadores de cana?”
Difícil de
acreditar que essa pergunta tenha cabimento quase dois séculos e meio depois da
1ª Revolução Industrial, quase cento e cinquenta anos após a abolição da
escravatura no Brasil, vinte e cinco anos após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, entre tantos outros parâmetros temporais que poderiam ser
citados.
Contudo, ela
não apenas tem cabimento como apresenta resposta certeira: morrem porque não
suportam o esquema adotado pelas empresas para, entre outros pontos, remunerar
seu trabalho. Trata-se de trabalhadores forçados e conduzidos à exaustão.
Aviltados em
sua dignidade desde a contratação, pois trabalham numa das profissões mais
penosas do mundo contemporâneo com garantia, apenas, do salário mínimo, são
forçados a chegar a completa exaustão para que consigam, no final do mês, obter
uma remuneração que varia entre 600 (seiscentos) e 900 (novecentos) reais.
É muito provável
que alguns empresários gastem esse valor a cada jantar, a cada almoço, a cada
camisa comprada, a cada viagem de helicóptero (só com o combustível,
obviamente) etc. Ora, esse é o valor aproximado que os componentes da classe
média alta gastam para comprar um terno de qualidade moderada. Esse é o valor,
por exemplo, correspondente à metade daquele cobrado pelo próximo console de
videogame que compram para os seus filhos no natal. Esse é o valor, ainda, que
gastam na revisão mecânica de seus carros. Esse é o valor da compra que fazem
no supermercado e que, certamente, suprirá as necessidades de suas famílias por
3 ou 4 dias. Esse é o valor da mensalidade escolar de seus filhos. Esse é o
valor da prestação que se paga, a curto e médio prazo, pela vida de um ser
humano.
Trata-se de
um valor que muitos gastam com compromissos rotineiros. Compromissos que, sem
sombra de dúvidas, estão muito distantes da realidade dos cortadores de cana. A
verdade é que essa média salarial mensal é conquistada com um esforço muito
além daquele que podemos imaginar, mesmo que tenhamos a sensibilidade de nos
colocar em seus lugares – o que é raro.
Fala-se, hoje
em dia, na crescente porcentagem de afastamento dos membros da magistratura e
do Ministério Público por questões relacionadas à depressão ou estresse
decorrente da grande quantidade de trabalho. Imagina, então, qual a situação
daquele trabalhador que se insere no seguinte contexto:
“A partir da
década de 90 houve um grande aumento da produtividade do trabalho. Os
trabalhadores para manterem seus empregos na cana necessitam hoje cortar no
mínimo 10 toneladas de cana por dia, para se manterem empregados; a média
cortada expandiu-se para 12 toneladas de cana por dia. Portanto a produtividade
média cresceu em 100%, saiu de 6 toneladas/homem/dia, na década de 80, e chegou
a 12 toneladas de cana por dia, na presente década. O fato dos trabalhadores
hoje terem uma produtividade duas vezes superior a da década de 80 se deve a um
conjunto de fatores:
v O aumento da
quantidade de trabalhadores disponíveis para o corte de cana e esta maior
disponibilidade se devem a três fatores:
1. aumento da
mecanização do corte de cana;
2. o aumento do
desemprego geral da economia, provocada por duas décadas de baixo crescimento
econômico e
3. expansão da
fronteira agrícola para as regiões do cerrado, atingindo o sul do Piauí e a
região da pré-amazônia maranhense, destruindo as formas de reprodução da
pequena propriedade agrícola familiar, predominante nestes estados.
v Possibilidade
de seleção mais apurada pelos departamentos de recursos humanos das usinas.
Esta seleção mais apurada de trabalhadores leva a: seleção de trabalhadores
mais jovens, redução da contratação de mulheres e a possibilidade de
contratação de trabalhadores oriundos de regiões mais distantes de São Paulo
(Norte de Minas, Sul da Bahia, Maranhão e Piauí).
v · A seleção
mais apurada permite que as usinas implementem a contratação por período de
experiência, onde os trabalhadores que não conseguem atingir a nova média de
produção, 10 toneladas de cana por dia, são demitidos antes de completarem três
meses de contrato.
v Um trabalhador
que corta hoje 12 toneladas de cana em média por dia de trabalho realiza as
seguintes atividades no dia:
v · Caminha 8.800
metros;
v · Despende 366.300
golpes de podão;
v · Carrega 12
toneladas de cana em montes de 15 k em média cada um, portanto,ele faz 800
trajetos levando 15 K nos braços por uma distância de 1,5 a 3 metros;
v · Faz
aproximadamente 36.630 flexões de perna para golpear a cana;
v · Perde, em
média 8 litros de água por dia, por realizar toda esta atividade sob sol forte
do interior de São Paulo, sob os efeitos da poeira, da fuligem expelida pela
cana queimada, trajando uma indumentária que o protege, da cana, mas aumenta a
temperatura corporal.
Com todo este
detalhamento pormenorizado da atividade do corte de cana, fica fácil
entendermos porque morrem os trabalhadores rurais cortadores de cana em São
Paulo. A solução para este problema, ao meu ver, não se dará através mudanças
que não vão ao cerne da questão. O que vai ao centro da questão, que são as
mortes dos trabalhadores cortadores de cana pelo excesso de trabalho é
o pagamento por produção. Enquanto o setor sucro-alcooleiro permanecer com esta dicotomia interna: de um lado, utiliza o que há de mais moderno em termos tecnológicos e organizacionais; uma tecnologia típica do século XXI (tratores e máquinas agrícolas de última geração, agricultura de precisão, controlada por geo-processamento via satélite etc.);mas manterem, de outro lado, relações de trabalho, já combatidas e banidas do mundo desde o século XVIII, trabalhadores continuarão morrendo. Isto porque os 10 que morreram nas duas últimas décadas são uma amostra insignificante do total que deve morrer todas as safras clandestinamente. Ao longo dos últimos 20 anos que me dedico à análise das condições de vida e trabalho dos trabalhadores rurais, colhi vários depoimentos de trabalhadores que relatavam mortes como as agora tornadas públicas através do excelente trabalho da Pastoral do Migrante de Guariba.”[11] (grifo nosso).
o pagamento por produção. Enquanto o setor sucro-alcooleiro permanecer com esta dicotomia interna: de um lado, utiliza o que há de mais moderno em termos tecnológicos e organizacionais; uma tecnologia típica do século XXI (tratores e máquinas agrícolas de última geração, agricultura de precisão, controlada por geo-processamento via satélite etc.);mas manterem, de outro lado, relações de trabalho, já combatidas e banidas do mundo desde o século XVIII, trabalhadores continuarão morrendo. Isto porque os 10 que morreram nas duas últimas décadas são uma amostra insignificante do total que deve morrer todas as safras clandestinamente. Ao longo dos últimos 20 anos que me dedico à análise das condições de vida e trabalho dos trabalhadores rurais, colhi vários depoimentos de trabalhadores que relatavam mortes como as agora tornadas públicas através do excelente trabalho da Pastoral do Migrante de Guariba.”[11] (grifo nosso).
Não existe
atleta profissional que tenha um desgaste físico e mental diário tal como o
apresentado nas linhas transcritas acima. Não se deve olvidar, por oportuno,
que a alimentação desses trabalhadores não se compara a de um atleta
profissional.
Conforme
demonstrar-se-á adiante, o esforço físico diário dos cortadores de cana
equivale ao desgaste de um corredor que disputa uma maratona, contudo, enquanto
este é um atleta de alto nível, com roupa e alimentação adequada, o trabalhador
não tem a alimentação adequada e deve usar os EPIs que aumentam em muito o
esforço realizado.
A ciência já comprovou que o
excesso de trabalho leva à fadiga do trabalhador.
Não é por outra razão que a
legislação obreira vem sendo aperfeiçoada ao longo de sua história, sempre no
sentido de reduzir a jornada de trabalho, garantir um tempo mínimo de descanso
intra e entre jornadas e na semana, além do direito de férias. Todo esse
aparato legislativo tem por escopo possibilitar ao obreiro a recuperação do
desgaste sofrido no trabalho, preservando sua saúde[12],
segurança e capacidade produtiva. Quando isso não é respeitado, surgem os
problemas, dentre eles, o principal é a fadiga.
Fadiga, para Itiro Iida[13]:
“é o efeito de um trabalho continuado, que
provoca uma redução reversível da capacidade do organismo e uma degradação
qualitativa desse trabalho”.
(negrejamos)
O autor
explica que, dentre os vários fatores - todos de efeitos cumulativos -
causadores da fadiga encontram-se, em primeiro lugar, os fisiológicos,
relacionados com a intensidade e duração do trabalho físico e intelectual.
Prossegue o escritor:
“uma pessoa fatigada tende a aceitar menores
padrões de precisão e segurança. Ela começa a fazer uma simplificação de sua
tarefa, eliminando tudo o que não for essencial. Os índices de erro começam a crescer. Um motorista fatigado,
por exemplo, olha menos para os instrumentos de controle e reduz a freqüência
das mudanças de marcha. Observa-se que os pilotos de avião fatigados apresentam
uma tendência irresistível de relaxar quando se aproximam do aeroporto, e isso
produz um repentino aumento de erros, que podem
resultar em acidentes. Mesmo que a pessoa pense que esteja fazendo o
melhor possível, o seu padrão de desempenho vai piorando”.[14]
Estudando os efeitos da duração de
trabalho sobre o organismo humano, Ingborg Sell leciona que: “é necessário um equilíbrio entre fadiga
acumulada e repouso, num ciclo de 24 horas, para garantir a saúde e a capacidade
de rendimento da pessoa. Se não houver a recuperação, o repouso na medida
certa, ocorrerá um acúmulo de fadiga e esta pode tornar-se crônica.”
Em seguida, a autora lista os
seguintes sintomas advindos da fadiga:
“sensação subjetiva de cansaço, sonolência,
falta de vontade para trabalhar; perturbações no raciocínio, dificuldades;
redução do nível de atenção; redução da velocidade de captação de estímulos;
diminuição da capacidade física e motora”[15]
E conclui:
“Com a fadiga aumenta a tendência a atos
inseguros, erros; aumenta o tempo de reação de uma pessoa, o que aumenta o
risco de acidentes.”[16]
(grifamos)
Itiro Iida
acrescenta que: “a fadiga fisiológica,
desde que não ultrapasse certos limites, é reversível e o corpo se recupera com
pausas concedidas durante o trabalho ou com o repouso diário”. E
acrescenta:
“Entretanto,
existe um outro tipo de fadiga, chamada de crônica que não é aliviada por
pausas ou sonos e tem efeito cumulativo. (...) Com o tempo, pode causar doenças
como úlceras, doenças mentais e cardíacas. Nessa situação, o descanso já não é
suficiente para se recuperar, devendo se recorrer ao tratamento médico. (Op. cit., p. 285)”
Destarte, é inegável que não se
pode admitir uma forma de remuneração que possibilita o trabalho até a
exaustão, até a fadiga, que causa acidentes, adoecimentos e mortes.
O que se
pretende demonstrar, com efeito, é que não estamos diante de possibilidades ou
eventualidades. Não se trata de eventos incertos. Muito pelo contrário. A
nefasta condição de exposição da saúde dos cortadores de cana é triste
realidade cientificamente comprovada! Não há presunção, indução ou dedução de
raciocínio: há constatação objetiva.
Nesse
contexto, exsurge relevante e imprescindível o cruzamento técnico e matemático
de dados realizado pela Administração Pública Federal para constatar o nexo
técnico epidemiológico (NTEP) que incide nas atividades realizadas pelos
cortadores de cana.
Imperioso
salientar, e isso demonstra que a gravidade do caso faz com que empregadores e
empregados se unam pela mesma causa, que o próprio portal eletrônico do SESI
(Serviço Social da Indústria), por iniciativa da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), disponibiliza ferramenta de busca correlacionada a cada setor
de atividade econômica que tem por objetivo apresentar os estudos relativos à
situação dos trabalhadores envolvidos.
No caso dos
cortadores de cana, mencionado portal apresenta cinco estudos científicos cujo
único escopo é demonstrar a penosidade da atividade relacionado ao corte de
cana[17].
Apenas para
ilustrar, o artigo intitulado “Desgaste fisiológica dos cortadores de cana de
açúcar e a contribuição da ergonomia na saúde do trabalhador”, da autoria de
Erivelto Fontana de Laat e Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela[18],
traz a seguinte informação:
“O sistema de pagamento por produção, associado à precarização
dos alojamentos, meios de transporte, alimentação insuficiente e condições
trabalho nocivas, sem pausas para descanso, podem agravar os riscos de
acidentes e o desgaste prematuro destes trabalhadores. Desde o período de 2004-2005,
o Ministério Público do Trabalho de Campinas vem suspeitando da relação das
ocorrências de 13 mortes às condições de trabalho que teriam levado os
trabalhadores à exaustão (BOLETIM INFORMATIVO DA PROCURADORIA REGIONAL DO
TRABALHO DA 15ª REGIÃO, 2005).
Cabe ressaltar que a Norma
Brasileira de Ergonomia (NR-17 da Portaria 3214/78 - Ministério do Trabalho e
Emprego) não admite o pagamento por produção quando existem riscos à saúde dos
trabalhadores, uma vez que este tipo de pagamento induz o trabalhador a
ultrapassar os limites fisiológicos em busca de um rendimento financeiro extra.”
(grifo nosso)
Em outro
estudo, agora de autoria solitária, o prof. Erivelton Fontana de Laat[19]
afirma que o ciclo médio do corte de cana é de 5,677 segundos. Com efeito,
nesse curtíssimo período de tempo, o trabalhador abraça, carrega, corta, joga,
reposiciona e segura a cana cortada. Ora, partindo-se do pressuposto, em nenhum
momento contrariado pela reclamada, de que qualquer ciclo de atividade menor
que 30 segundos é extremamente repetitivo[20],
não há dúvida de que a atividade realizada pelo cortador de cana é muito mais
extenuante do que aquelas tratadas pela NR – 36.
No mesmo
sentido, para que não se levante qualquer suspeita sobre as referências
utilizadas até o momento, são as conclusões de Sonia Cortina Hess no bojo do
Parecer Técnico n. 01/2008[21], cujo
trecho a seguir transcrito resume bem a questão:
“Estudo conclusivo do
Pesquisador Britânico, Dr. Phoolchund (1991) dá conta de que “os trabalhadores
das plantações de cana-de-açúcar apresentam elevados níveis de acidentes
ocupacionais e estão expostos à alta toxicidade dos pesticidas. Eles também
podem apresentar um risco elevado de adoecerem por câncer de pulmão
(mesotelioma), e isto pode estar relacionado à prática da queima da palha, na
época da colheita da cana.” Estudos recentes têm referendado as suspeitas
daquele pesquisador (ZAMPERLINI et al, 1997; GODOI et al, 2004).”
E continua:
Estudo
conclusivo do Pesquisador Britânico, Dr. Phoolchund (1991) dá conta de que “os
trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar apresentam elevados níveis de
acidentes ocupacionais e estão expostos à alta toxicidade dos pesticidas. Eles
também podem apresentar um risco elevado de adoecerem por câncer de pulmão (mesotelioma),
e isto pode estar relacionado à prática da queima da palha, na época da
colheita da cana.” Estudos recentes têm referendado as suspeitas daquele
pesquisador (ZAMPERLINI et al, 1997; GODOI et al, 2004).
Ora, pois. As
conclusões, embora óbvias e já expostas anteriormente, devem, sobretudo, ser
exaltadas diante da circunstância de apresentarem credibilidade científica
indubitável. São estudos internacionais publicados em periódicos de circulação
mundial.
O contexto é exatamente o de seres humanos que vivem para
trabalhar. Remunerados por produção, como é o caso retratado nos autos, jamais
trabalharão para viver. A bem da
verdade, pode-se afirmar que o sistema remuneratório por produção é o mais
cruel, nefasto e luctífero existente. Seu efeito, principalmente no caso dos
cortadores de cana, é absolutamente contrário ao pretendido. Nessa hipótese, o
trabalhador não se submete à exaustão para ser dignamente recompensado.
Submete-se à exaustão porque somente assim atingirá remuneração capaz de suprir
suas necessidades animais.
Repita-se:
capaz de suprir suas necessidades animais, não de ser humano amparado pela
dignidade e pela valorização social de seu trabalho. Os cortadores de cana,
como é público e notório, têm rotina diária muito parecida com a de um animal
selvagem: trabalham (caçam) para poder comer, dormem (para recuperar as
energias), acordam, trabalham (caçam) para poder comer etc. E esse quadro
funesto apenas existe por conta da maneira como são remunerados.
Interessante
notar, por oportuno, que a reclamada apresentou argumentação no sentido de que
o pagamento por produção tem o efeito de evitar “corpo mole” por parte dos
trabalhadores.
Causa
espécie e indignação esse tipo de defesa. Ora, a CLT prevê expressamente a
possibilidade de dispensa por justa causa em caso de desídia ou “corpo mole”
(art. 482, alínea 'e'). Ademais, mesmo se não houvesse essa previsão legal,
coisificar um ser humano não é a melhor forma de incentivar sua produção e,
sobre esse ponto, mentes prudentes devem concordar.
Sua atividade
é tão penosa, desgastante e exaustiva que o C. TST, em diversas oportunidades,
a reconheceu como sendo de risco. Como exemplo, pode-se citar as duas ementas
seguintes:
"INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DO TRABALHO DURANTE LABOR EM CORTE DE
CANA-DE-AÇÚCAR. ATIVIDADE DE RISCO. TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. No caso dos autos, o Regional constatou que a reclamante
exercia atividade de corte de cana de açúcar e consignou a existência do dano
sofrido pela trabalhadora em razão de acidente no ambiente de trabalho -
conquanto utilizasse luvas de proteção para as mãos, considerado inadequado
pelo laudo pericial, posto que -apresentava deficiências na sua proteção- -,
que lhe ocasionou um corte no punho esquerdo, deixando sequelas, dentre elas,
atrofia muscular acentuada do polegar esquerdo e outros problemas neurológicos
e funcionais, bem como, por óbvio, o nexo causal com as atividades por ela
desempenhadas, não havendo como afastar a responsabilidade da reclamada pelo
evento danoso. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, c/c o
parágrafo único do artigo 8º da CLT, autoriza a aplicação, no âmbito do Direito
do Trabalho, da teoria da responsabilidade objetiva do empregador, nos casos de
acidente de trabalho, quando as atividades exercidas pelo empregado são de
risco, conforme comprovadamente é o caso em análise. E, especificamente, no
tocante ao risco da atividade desenvolvida no corte de cana-de-açúcar, esta
Corte tem entendido que a responsabilidade do empregador, nesses casos, é
objetiva. Recurso de revista não conhecido.(...) RR-2501-54.2007.5.09.0567 Data
de Julgamento: 18/12/2012, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 15/02/2013).
“INDENIZAÇÃO
DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO DURANTE LABOR EM CORTE DE CANA DE AÇÚCAR.
ATIVIDADE DE RISCO. TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. No caso dos autos, incontroverso que o reclamante exercia
atividade de corte de cana de açúcar, tendo sofrido acidente no ambiente de
trabalho, não obstante utilizasse equipamento de proteção. O acidente de
trabalho lhe ocasionou deformidade anatômica e funcional das extremidades do 2º
e 3º dedos da mão esquerda, deixando sequelas irreversíveis, dentre elas,
"uma atrofia músculo ligamentar, principalmente no 3º dedo da mão
esquerda, que pelo tempo e evolução e ao exame clínico se mostra
irreversível." Por óbvio, inarredável o nexo causal com as atividades por
ele desempenhadas, não havendo como afastar a responsabilidade da reclamada
pelo evento danoso. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, c/c
o parágrafo único do artigo 8º da CLT, autoriza a aplicação, no âmbito do
Direito do Trabalho, da teoria da responsabilidade objetiva do empregador, nos
casos de acidente de trabalho, quando as atividades exercidas pelo empregado
são de risco, conforme comprovadamente é o caso em análise. E, especificamente,
no tocante ao risco da atividade desenvolvida no corte de cana de açúcar, esta
Corte tem entendido que a responsabilidade do empregador, nesses casos, é
objetiva, prescindindo da comprovação de dolo ou culpa do empregador.”
(Processo RR 28540-90.2006.5.15.0071. Data do julgamento: 13.03.2013. Relator:
Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma. Data da publicação: DEJT 26.03.2013)
Sobre
as atividades exercidas pelos cortadores de cana, assim se manifestou o Ilustre
Desembargador João Batista Martins Cesar, relator nos autos do processo n.
0223700-21.2008.5.15.0156, in verbis:
“Infelizmente, os cortadores de cana têm sido 'coisificados', de modo
que, caso adoeçam ou morram, são tratados como simples ferramentas de trabalho
e, por isso, podem ser prontamente substituídos por 'modelos' mais jovens e
fortes, invariavelmente advindos de longínquas regiões do sertão brasileiro e,
por conta disso, mais resistentes e facilmente explorados.
A esse respeito, interessa
transcrever os seguintes dados sobre as condições de trabalho da categoria,
citados por Francisco José Alves, professor do departamento de engenharia de
produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Estado de São Paulo:
“A
expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas por dia é de 10 a
12 anos, menor que a expectativa de um trabalhador escravo do fim do século
XIX, que era de 12 a 15 anos. Mais do que dez
safras cortando cana, o trabalhador está incapacitado para o trabalho: está com
lordose e uma série de doenças decorrentes do trabalho. A única expectativa que
ele tem é pedir aposentadoria.” (Pesquisador prega extinção do trabalho por
produção, Repórter Brasil, 2007. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1139)
(negrejou-se)
Destarte,
é inconteste, público e notório que as atividades nas lavouras de cana de
açúcar são extremamente repetitivas, tornando-se estafante e degradante da
saúde do obreiro.
Por derradeiro, sobre a atividade dos cortadores de cana,
peço vênia para transcrever trecho do voto de relatoria do Excelentíssimo
Desembargador deste E. TRT, Dr. Flávio Nunes Campos, nos autos do processo n. 0001473-23.2012.5.15.0110, ipsis literis:
“Tenho ciência, como dito anteriormente e até
pela minha atuação como Membro do Ministério Público e Magistrado desta
E.Corte, que a função de cortador de cana é uma das mais desumanas existentes -
se não a mais - onde o trabalhador é exposto a vários agentes de risco e
assombrados, diariamente, pelos empregadores na busca de uma produtividade e
lucratividade cada vez maior, ainda mais atualmente, onde o etanol virou figura
de destaque no campo internacional. Nesse sentido, chama a atenção vários
editoriais lançados na mídia, mas, especialmente, aquele da lavra de Luiz Paulo
Juttel, intitulado “Desgaste físico
diário do cortador de cana é igual ao de maratonista”, onde afirma: “Pesquisadores da Unimep divulgaram dados
prévios de um estudo sobre o corte manual da cana no interior paulista. Pela
primeira vez se conduziu um estudo empírico sobre a ergonomia no trabalho do
cortador. Em apenas 10 minutos esse
trabalhador corta 400 Kg de cana, realiza 131 golpes de facão e flexiona o
tronco 138 vezes. A extenuante jornada não conta com repouso e tenta
garantir a sobrevivência das famílias dos cortadores. “A conclusão que chegamos é que a condição física de um cortador de
cana se assemelha a de um maratonista. Seus músculos são franzinos, mas
sua resistência é elevada”, afirma Erivelton Fontana de Laat, coordenador da
pesquisa. O estudo também aponta que muitos dos problemas de saúde que acometem
esses trabalhadores são os mesmos a que estão sujeitos atletas de alto
desempenho. Mas sob quais condições? O principal fator de risco no corte da
cana, de acordo com dados do estudo piloto realizado em maio, é a sobrecarga na
atividade cardiorrespiratória do trabalhador. Através do uso de uma metodologia
que levou em consideração aspectos como a freqüência cardíaca (em repouso,
média e máxima), idade e produção diária em toneladas, Laat descobriu que seis dos dez trabalhadores analisados
ultrapassaram o limite cardiorrespiratório tolerável à saúde. Alguns chegaram a
picos de mais de 180 batimentos cardíacos por minuto. “O que acontece nos
canaviais é semelhante a um atleta que ultrapassa o seu limite de treino. Ao
invés de correr cinco quilômetros, ele tenta percorrer a distância de uma
maratona todos os dias”, diz Laat. Os resultados foram apresentados a
procuradores do Ministério Público e do Ministério do Trabalho no seminário
“Condições de trabalho no plantio e corte de cana”, que ocorreu no final de
abril, em Campinas. Temperatura e risco de lesões por repetição. Com o auxílio
de um software francês, os pesquisadores analisaram a rotina de trabalho de um
cortador que ao fim do dia havia cortado 11,54 toneladas de cana. Quando se
amplia os dados obtidos em 10 minutos
para um dia inteiro de trabalho chega-se a 3792 golpes de facão e 3994 flexões
de coluna, o que representa um sério risco à coluna e articulações, segundo
informa Laat. (JPG). Cortador amola o facão utilizado 3792 vezes por dia.
Fonte: Grupo Móvel 15a PRT. O estudo da Unimep também tratou sobre o ciclo de
atividades repetitivas do cortador. Em média ele precisa de 5,6 segundos para
abraçar um feixe com cinco a dez varas de cana, puxar ou balançar, flexionar a
coluna, cortar o feixe rente ao solo, jogar a cana em montes e progredir.
“Estudos ergonômicos mostram que qualquer atividade laboral com ciclo de
repetição inferior a 30 segundos possui grande risco de surgimento lesões”,
afirma o pesquisador. O sol é outro fator preocupante. Na medição feita em maio
- que é um mês de temperatura agradável - o termômetro marcou a temperatura
máxima de 27,40 graus Celsius no canavial. A média ficou em 26 graus. De acordo
com a Norma Regulamentadora (NR) 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, toda
atividade laboral pesada realizada em lugares com temperatura ambiente entre 26
e 28 graus Celsius precisam de pausas de 30 minutos para cada 30 minutos de
trabalho. Essa NR não é cumprida nos canaviais paulistas. Laat comenta que, em
sua pesquisa de campo, percebeu que a empresa contratante até indicava alguns
momentos de pausa no trabalho através do som da buzina de um ônibus. No
entanto, como não havia fiscalização sobre o cumprimento desta pausa,
praticamente nenhum cortador largava seu facão para descansar, já que a pausa
pode significar perda de produção e, portanto, de dinheiro. Para a maioria dos
procuradores presentes ao seminário de Campinas esse é o motivo dos
trabalhadores suportarem tão duras condições de trabalho. O piso salarial da
categoria é de aproximadamente 500 reais. Entretanto, como o pagamento varia de
acordo com a produção individual, um bom cortador - um campeão como é chamado
na lavoura - pode chegar a rendimentos mensais de 1200 a 1500 reais. Para a
grande maioria da massa trabalhadora do setor, formada principalmente por
migrantes do Nordeste e Norte, tal valor é muito mais do que ganhariam em suas
regiões natais. A extenuante jornada de trabalho é tolerada por homens que
querem, a todo custo, garantir a sobrevivência de suas famílias. “Tem a questão
emblemática também. Por exemplo, um cortador migrante que compra uma moto ao
fim da safra de cana é visto como herói pelos mais jovens da sua região”,
completa Laat. Morte no trabalho. Entretanto, a luta frenética pela
subsistência faz com que os cortadores não levem em consideração fatos como a
morte de companheiros. Segundo a Pastoral do Migrante de Guariba, 20
trabalhadores rurais do setor sucroalcooleiro morreram de 2004 até agora. Os
poucos que possuem o motivo da morte registrado no atestado de óbito apontam,
principalmente, morte por parada cardiorrespiratória. Vários estudiosos e
sindicalistas do setor dizem não haver dúvidas que essas mortes sofrem forte
influência da rotina de trabalho mensurada agora pela equipe da Unimep. O
resultado final deste trabalho final será apresentado em 2009 e abordará outras
questões como a poeira da queima da cana inalada pelos cortadores, a massa
corpórea ganha ou perdida no decorrer da safra e a comida ingerida por esses
trabalhadores. Os pesquisadores querem traçar um paralelo entre os dados
quantitativos coletados e a qualidade de vida dos trabalhadores. Atualmente, um
cortador de cana consegue trabalhar, em média, até os 35 anos, afirma Laat. Um
dos objetivos dessa pesquisa, de acordo com os seus idealizadores, é fornecer
ao judiciário material científico crível que contribua com o julgamento de
ações trabalhistas ou civis públicas referentes ao tema. Dessa maneira, eles
acreditam que se pode caminhar na direção de um futuro laboral mais humano para
aqueles que ajudam a garantir a energia do país” (Com Ciência Notícias]
3/6/2008 - http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=3icia=459)
(negritamos). Daí chegarmos à mesma conclusão do advogado português José
Augusto Ferreira da Silva, que salienta que “quando Bill Clinton proferiu a
frase muito celebrada pelos cultores do neoliberalismo: “Qualquer trabalho é
melhor do que nenhum” estava longe do ideário das nossas Constituições
democráticas e progressivas” (in TRABALHO DIGNO - Um direito fundamental dos
povos livres
-http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/241006m.pdf).”
DA CERTEZA
CIENTÍFICA ACERCA DOS RISCOS À VIDA E À SAÚDE DO CORTADOR DE CANA E DO
PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL
Pois bem. A
intenção, até esse ponto da argumentação, foi a de demonstrar o triste contexto
fático no qual o cortador de cana está inserido.
Nem se argumente que o trabalho degradante dos cortadores
de cana seja apenas conjectura, não é. Do simples confronto do CNAE da empresa
(0113 – cultivo de cana-de-açúcar) com Decreto 6.042/2007, constata-se que
esses trabalhadores estão sujeitos às seguintes molésticas:
* F10
– F19 – transtornos mentais e comportamentos devidos ao uso de substâncias
psicoativa
* F20
– F29 – esquizofrenia, transtornos esquizotópicos e transtornos delirantes
* G40
– G47 – transtornos episódicos e paroxísticos
* H53
– H54 – transtornos visuais e cegueira
* I10
– I15 – doenças hipertensivas
* I30
– I52 – outras formas de doença do coração
* J40
– J47 – doenças crônicas das vias aéreas inferiores
* K20
– K31 – doenças do esôfago, do estômago e do duodeno
* K35
– K38 – doenças do apêndice
* K40
– K46 - hérnias
* M00
– M25 - artropatias
* M40
– M54 – dorsopatias
* S00
– S09 – traumatismos da cabeça
* S20
– S29 – traumatismos do tórax
* S30
– S39 – traumatismos do abdome, do dorso, da coluna lombar e da pelve
* S40
– S49 – traumatismos do ombro e do braço
* S60
– S69 – traumatismos do punho e da mão
* T90
– T98 – seqüelas de traumatismos, de intoxicações e de outras consequências
Assim, não é conjectura, mas fato reconhecido pelo
ordenamento jurídico.
A partir
desse momento, a argumentação desenvolvida será eminentemente jurídica, tal
como pretende a reclamada.
No artigo 1º – incisos III e IV – da Constituição Federal
brasileira de 1988 estão consagrados como fundamentos da República a dignidade
da pessoa humana, bem como os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa. Nos incisos I, III e IV do
artigo 3º estão colocados entre os objetivos fundamentais da República
Brasileira uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza, marginalização
e desigualdades, assim como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O
artigo 4º preceitua que o Brasil deverá nortear as suas relações internacionais
com base no princípio da prevalência dos direitos humanos (inciso II).
Dessa
forma, o constituinte deixou claro que esses
valores configuram a base do Estado Democrático de Direito e devem servir de
referência para qualquer interpretação do texto constitucional.
A ampla previsão dos direitos laborais – artigo 7º e
seguintes – representa a consagração de lutas históricas dos trabalhadores,
galgando o Brasil ao patamar dos Estados ditos de “Primeiro Mundo”.[22]
Ainda em relação à Norma em comento, seu artigo 170
ressalta que: “A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observada a função social da propriedade (III).
Por seu
turno, o artigo 193 prevê que a ordem social terá como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
Dessa forma, embora o mesmo texto constitucional garanta o
valor da livre iniciativa, ela está adstrita à valorização do trabalho humano e
à função social da propriedade, conforme se apreende de seu artigo 5º (XXIII) e
dos artigo 170, 173, 184, 186[23],
sempre visando o bem-estar e a justiça sociais.
Mencione-se
que a saúde é um direito fundamental de todos os cidadãos (artigo 6º, CR/88),
por isso é uma obrigação primária do Estado. A saúde é básica, porque é, no
fundo, tudo, condição primeira para a existência de qualquer outro direito. Daí
o fato de a Constituição Brasileira estabelecer que SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER
DO ESTADO.
Nesse
sentido, vejam-se as disposições constantes dos artigos 196 e 197, CR/88, in verbis:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
“Art. 197. São de relevância pública as ações e
serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre
sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de
direito privado.”
Assim, a saúde é direito de todos, garantido por meio de
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença.
Pois bem. Beatriz Montanhana afirma que:
“a partir da inserção dos direitos sociais no bojo do texto
constitucional, sob o título ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’, passam
esses direitos a merecer do Estado total garantia de sua eficácia, na mesma
intensidade que estão garantidos os direitos civis e políticos.”[24]
Portanto, no confronto entre a livre iniciativa e os direitos
fundamentais dos trabalhadores, deve o Estado tomar partido e garantir estes
últimos, pois os mesmos propiciam o equilíbrio social indispensável para a
existência do Estado Democrático de Direito.
A implementação e a manutenção dos direitos fundamentais
dos trabalhadores não podem ser obstadas pelo exercício irresponsável do poder
econômico. É fato que a globalização não tem limitações territoriais,
ultrapassando fronteiras e provocando feridas sociais por todo o globo
terrestre. Além disso, os Estados são manipulados ao sabor dos capitais
especulativos, o que precariza direitos em nome da competitividade global e vai
ao encontro de um círculo vicioso que só poderá ser rompido com o esforço de
todos os atores sociais.
É preciso ter em mente que todos devem envidar esforços
para a implementação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, de modo a que
estes tenham condições de vida dignas. Este deve ser o fundamento de todas as
ações humanas, inclusive para a aplicação e hermenêutica das normas constitucionais.
Não se
pode duvidar do magistério de Mieczyslaw Manole quando o autor explica que as
normas, em sua totalidade, devem ser interpretadas de modo a que “os direitos
humanos e democráticos não sejam violados, mas, pelo contrário, preservados e
expandidos. A velha máxima romana in
dúbio pro reo deveria ser modificada: in
dúbio pro iuribus hominis (em caso de dúvida, decida em favor dos direitos
humanos)”[25]
E assim deve ser porque é a partir do trabalho que o homem
consegue interagir socialmente, bem como manter a si próprio e sua família. É
através do processo laboral que a maioria esmagadora dos cidadãos alcança uma
vida digna e exerce plenamente a cidadania. Portanto, não só o trabalho deve
ser garantido, mas também sua realização em condições dignas. É isso que
manterá a estrutura social e a paz, bem maior de toda a humanidade.[26]
Não foi por outra razão a preocupação do constituinte com
a dignidade do trabalhador, garantindo-se a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária; o desenvolvimento nacional; e a erradicação da pobreza e da
marginalização, reduzindo-se as desigualdades sociais e regionais, provendo-se
o bem de todos sem qualquer distinção, conforme se apreende no artigo 3º da
Constituição Federal de 1988.
É revelador o constante no artigo 193 da Norma ora em comento, quando apregoa que a ordem social tem como
base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social.
Some-se a isso que os direitos humanos estão alicerçados
em toda a história da humanidade e em constante ascensão. Portanto, cabe a todos os atores sociais
lutar por seu desenvolvimento e efetiva implementação.
Sobre o assunto, Hannah Arendt ensina com maestria que “o
debate a respeito do que são os direitos humanos e como devem ser definidos é
parte e parcela de nossa história, de nosso passado e de nosso presente.”[27]
Acrescente-se que esse debate definirá o futuro no que tange à construção de
uma sociedade pluralista que ofereça um patamar civilizatório a todos – ou de
uma sociedade excludente –, onde poucos terão acesso ao mínimo necessário para
sobreviver com dignidade e à beira do caos social.
Na visão de Ignacy Sachs:
“Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a
ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às
vezes com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio
do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em
estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos.”[28]
Destaque-se, ainda, a necessidade de se passar às futuras
gerações um mundo melhor, liberto do egoísmo e da apatia humana, já que tais
déficits sociais conduziram a várias guerras e pode levar a novos conflitos
armados, dos quais as baixas humanas podem ser exorbitantes no sentido
demográfico.[29]
Cabe a todo e qualquer agente social persistir na evolução
da sociedade de forma a que uma maioria não seja lesada frente à ambição
desenfreada de uma minoria privilegiada. A igualdade social não está restrita
na paridade dos direitos e dos deveres de seus membros; ela vai além, pois
implica na ajuda aos mais fracos, visando que estes também logrem melhoria em
suas condições social.
É fato que o trabalho humano constitui a base de toda a
sociedade, assim como é fato que sem ele haveria uma legião de famintos e a
atual sociedade de consumo – ou consumista – não existiria. Assim, os direitos
fundamentais devem chegar a todos os trabalhadores na condição de medida de
direito e de justiça social.
O direito do trabalho contemporâneo foi conquistado à
custa de lutas e mortes, conforme se apreende historicamente com a data
comemorativa do “Dia do Trabalho”. A sociedade deve ser suficientemente
evoluída para que não sejam necessárias novas barricadas para se fazer valer os
direitos fundamentais.
É preciso reafirmar que em todo o mundo já se difunde a
consciência de uma sociedade pós-industrial harmônica, na qual a cultura, a
indústria e as atividades terciárias operam conjuntamente, reduzindo o trabalho
e preparando um novo sistema social baseado no tempo livre e no ócio criativo.[30]
Assim, os seres humanos são responsáveis pela preparação
desse novo sistema social que venha a valorizar o processo laboral e garantir
ao trabalhador a retribuição justa, propiciando-se, dessa forma, a sobrevivência
em condições justas e adequadas.
Apesar de estarmos diante de uma questão jurídica, ela é
indissociável do questionamento sob o ponto de vista humano. Os cortadores não
são máquinas, são pessoas, e esta dimensão não se pode perder de vista.
Lamentavelmente,
a birola (câimbra seguida de tontura, dor de cabeça e vômitos - termo utilizado
pelos cortadores) é frequente no campo, assim como é frequente a morte por
excesso de trabalho. Atualmente, não se vê os chicotes e as correntes, contudo,
quem tem os olhos da justiça social os vêem. Continuam lá, embora invisíveis -
mas sensíveis, pois essa nova escravidão leva à morte pelo esforço do trabalho
estafante.[31]
Não há duvidas de que se está diante de trabalho
degradante. Sobre essa questão, Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade,
Procuradora do Trabalho, assevera:
“como definir trabalho em condições degradantes?
Degradante, adjetivo do verbo degradar, no dizer de Aurélio Buarque de Holanda,
significa privar de dignidades ou encargos, estragar, deteriorar; rebaixar.
Trabalho degradante é, pois, aquele que priva o trabalhador de dignidade, que o
rebaixa e o prejudica, a ponto, inclusive, de estragar, deteriorar sua saúde.
Observe-se que mais uma vez o princípio da dignidade serve como marco
diferencial de situações fáticas. Um trabalho penoso que implique certo sacrifício,
por exemplo, não será considerado degradante se os direitos trabalhistas de
quem o prestar estiverem preservados e as condições adversas, devidamente
mitigadas/compensadas com equipamentos de proteção/pagamento de adicionais
devidos. Por outro lado, será degradante aquele que tiver péssimas condições de
trabalho e remuneração incompatível, falta de garantias mínimas de saúde e
segurança; limitação na alimentação e moradia. Enfim, aquele que explora a
necessidade e a miséria do trabalhador. Aquele que o faz submeter-se a
condições indignas. É o respeito à pessoa humana e à sua dignidade que, se não
observados, caracterizam trabalho em condições degradantes. Daqui já se pode
tecer uma comparação entre o trabalho forçado, conforme previsto na Convenção
29 da OIT e o trabalho degradante. O primeiro é aquele obrigatório e sujeito à
pena, mas que até sua supressão total terá de respeitar a dignidade daquele de
quem é exigido. O segundo pode ter causa justificadora e não ser forçado, mas
sua ilegitimidade advém das condições de prestação em desrespeito à dignidade
de quem o executa. Trabalho forçado é, pois, uma categoria ampla, que envolve
diversas modalidades de trabalho involuntário, inclusive o escravo” (A LEI N.
10.803/2003 E A NOVA DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO - DIFERENÇAS ENTRE TRABALHO
ESCRAVO, FORÇADO E DEGRADANTE - Revista do Ministério Público do Trabalho n.
29, março/2005. São Paulo: LTr, 2005, p. 81/82).
Luzidia, destarte, a violação ao disposto no
inciso III, artigo 5º, da Lei Maior, que, depois de afirmar que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, veda o tratamento
desumano ou degradante.
Se o Direito
é fato, valor e norma, certo é que a admissão da remuneração do cortador de
cana pelo esquema da produção encontra óbice na Lei Maior, haja vista a
violação dos artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 170, 173, 184, 186 e 193,
da Constituição Federal.
O pagamento
por produção também implica desrespeito aos artigos 196 e 197, que impõem
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença. E doença
e morte é o que se vê com essa forma de remuneração.
Não há dúvida de que as normas constitucionais aqui
mencionadas têm como ponto em comum o impedimento de retrocessos sociais.
Realmente, diante do caráter indissolúvel dos direitos
econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, ganha relevo a cláusula de
proibição do retrocesso social, decorrente da aplicação progressiva dos
direitos humanos.
Os direitos fundamentais representam, na história da
humanidade, um caminhar à frente, ou seja, uma construção social em permanente
evolução e progressiva ampliação, vedando-se o retrocesso social.[32]
Apesar de as atividades dos cortadores serem desempenhadas sob
calor excessivo, (veja-se quadro de fl. 32 da inicial) o PCMSO da ré faz o
reconhecimento da necessidade de conforto térmico, como medida de prevenção à
fadiga, apenas em favor dos trabalhadores que realizam atividades intelectuais (fl. 4 da inicial), fato não
contestado, portanto, incontroverso. Constata-se, assim, a ausência de cuidados
mínimos com a saúde dos cortadores.
O princípio da proibição do retrocesso social – ou
aplicação progressiva dos direitos sociais – consiste na proibição da redução
desses direitos, garantindo-se ao cidadão o acúmulo do patrimônio jurídico
adquirido no decorrer do processo histórico. Está alicerçado
constitucionalmente no princípio da dignidade da pessoa humana – artigo 1º; no
princípio da segurança jurídica – artigo 5º, inciso XXXVI – artigo 7º, caput (além de outros que visem a
melhoria de sua condição social) CF/88; e no princípio da máxima eficácia e
efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais – artigo 5º, § 1º.[33]
Dessa forma, os direitos sociais[34]
já realizados estão constitucionalmente assegurados, passando a configurar uma
garantia institucional e um direito subjetivo, sendo inconstitucionais
quaisquer medidas legislativas que impliquem em sua anulação, revogação ou
aniquilação.[35]
Esse princípio – da proibição do
retrocesso social – possui conteúdo positivo, ou seja, de dever do Poder
Legislativo na manutenção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais,
assegurando-se, dessa forma, o avanço social. O conteúdo negativo diz respeito
à proibição de elaboração de normas que não respeitem os direitos já
conquistados; é a vedação do retrocesso social.[36]
Pelo princípio da vedação ao retrocesso, o Estado não pode
invocar norma interna para deixar de cumprir um pacto internacional, devendo assumir uma posição pró-ativa na
defesa dos direitos humanos.
O
princípio de vedação ou proibição do retrocesso social, da progressividade dos
direitos humanos, está em consonância com os artigos 2º, 11, 16, 18, 21 e 22 do
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC (NY),
aprovado em 16.12.1966 - XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas –
Resolução nº 2.200-A –, integrado ao ordenamento jurídico brasileiro em 24 de
abril de 1992 por meio do Decreto-lei nº 226, de 12 de dezembro de 1991
(aprovação), e do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992 (promulgação).[37]
Os Estados assumiram a obrigação de tornar efetivos os direitos econômicos,
sociais e culturais.
Igualmente
converge com o Protocolo Adicional – Pacto de San Salvador – 17.11.1988 –
Artigos 1º, 17 e 19, bem como com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), de 22.11.1969, artigo 26.
Nesse
sentido, oportuno observar o estudo realizado por Guilherme Bassi de Melo no
que toca à natureza das disposições contidas no artigo 1º da Constituição
Federal. In verbis:
“Nesse passo, é possível
conceber a democracia, que caracteriza o Estado de Direito brasileiro, como a
possibilidade de participação popular, diretamente ou por representação, na
tomada de rumos e definição de finalidades da nação. Essa participação,
salienta-se, ocorre de modo que cada indivíduo será considerado de maneira
igual, sem que um cidadão, por sua condição social ou econômica, seja
privilegiado em detrimento de outro.
Evidente, no que toca à
democracia, a existência da primeira cláusula de repúdio às barbáries ocorridas
nos últimos dois séculos, em que o povo se submetia aos desígnios de uma
diminuta parcela da população, haja vista a consideração diferenciada e
detrimentosa de sua consideração como agrupamento social em que todos os
indivíduos devem ser tratados de maneira igual.
(...)
A dignidade da pessoa humana,
como quarta cláusula de repúdio, possui papel diferenciado na ordem jurídica
brasileira, embora sua análise seja objeto de item específico, pode-se afirmar
que seu conceito diz respeito à garantia de o indivíduo ser aquilo que é e
aquilo que ele deve ser. Isso significa que o indivíduo, sendo aquilo que ele
é, deve ser tratado e considerado como um ser humano único e singular, com
peculiaridades que devem ser respeitas e reconhecidas pelos seus semelhantes.
Por outro lado, e de maneira integrativa, ser aquilo que ele deve ser diz
respeito ao fato de que o indivíduo deve se autodeterminar da maneira que
melhor lhe aprouver, desde que respeitada a dignidade de seus pares. É evidente
que essa cláusula de repúdio dirige-se, indubitavelmente – e
exemplificativamente -, ao confronto da situação de extermínio verificada
contra os judeus e os homossexuais durante a Segunda Guerra Mundial. Por conta
de orientações religiosas e sexuais diferenciadas, um número muito além daquele
previsto em estatísticas oficiais da época foi eliminado, da forma mais
repulsiva, do âmbito de existência humana. Seguindo essa linha de raciocínio, o
art. 1º, inc. IV, da Constituição Federal, afirma a valorização social do
trabalho e da livre iniciativa. Não existe dúvida de que, se realizado de
maneira digna, o trabalho possui irrefragável valor social, sendo um dos
mais importantes direitos decorrentes da cidadania. Desta forma, atribuindo
conteúdo ao valor social do trabalho, a Constituição Federal, em seu art. 7º,
atribui aos trabalhadores um extenso rol de direitos fundamentais.
Reconhece-se, com isso, que ao trabalho se atribui importância ímpar na
sociedade, de modo que, por intermédio dele, pode-se alcançar uma sociedade
livre, justa e solidária, entre outros objetivos. Mas não é só. O
legislador constituinte entendeu por bem atribuir valor social também à livre
iniciativa, colocando-se no mesmo dispositivo constitucional que o trabalho.
Isso não ocorreu de forma despropositada. Existe, aqui, uma necessidade de
se harmonizar os eternos interesses conflitantes existentes entre capital e
trabalho. Isso para que a supervalorização do trabalho não inviabilização a
exploração de atividades econômicas e, concomitantemente, a selvageria do
capital não suprima a dignidade do trabalho. Essa quinta cláusula de
repúdio, por assim dizer, volta-se contra a exploração descomedida do ser
humano durante as duas primeiras revoluções industriais e, por que não, dos
judeus expurgados para os campos de concentração. (…).”[38]
Dar provimento total ao recurso da
empresa significaria chancelar o retrocesso social, admitir-se o trabalho
degradante.
Esclareça-se, por oportuno, que
acolher a pretensão do MPT, pondo fim ao pagamento por produção no caso dos
cortadores de cana, não representa um “ativismo” judicial desenfreado. Pelo
contrário, põe-se freio no capitalismo selvagem, que causa sofrimento,
adoecimento e mortes.
O E. STF reconhece que o Poder
Judiciário pode intervir em políticas públicas para assegurar direitos
fundamentais.
O Poder Judiciário pode e deve
perscrutar a legalidade do ato administrativo quando o ente político descumpre
os encargos político-jurídicos que sobre ele incidem, comprometendo a eficácia
e a integridade de direitos sociais assegurados pela Lei Maior.
Dessa forma, ainda que a competência primária para formular e executar políticas públicas caiba aos Poderes Legislativo e Executivo, é possível, de forma excepcional, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, que o Poder Judiciário determine a sua implementação, quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos fundamentais previstos na Constituição.
Nesse
sentido, os seguintes precedentes do E. STF: AI nº 646.079/SP, Relator o
Ministro Marco Aurélio, DJ de 28/11/08, AI nº 725.891/SC, Relator o Ministro
Celso de Mello, DJ de 10/10/08, AI 474.444-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE
410.715-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 436.996-AgR/SP, Rel. . CELSO DE
MELLO, AI 455.802/SP, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO – AI 475.571/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 401.673/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO –RE
411.518-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO. RE
431.773/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, AI
813590/MG – Rel. Min. DIAS TOFFOLI, AI 598212/PR, Rel. Min. Celso de Mello;
ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004).[39]
LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, na obra “Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, São Paulo, Max Limonad, 2000), sobre a limitação da discricionariedade do administrador público na concretização das políticas constitucionais, assevera que:
“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
(...)
Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.
(...)
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
(...)
As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.”
Assevere-se que a “teoria do financeiramente possível” tem
sido constantemente afastada pelo Poder Judiciário, que obriga o Poder Público
a desempenhar o papel que lhe conferiu a Constituição Federal. A atual
jurisprudência do STF, acima mencionada, tem exigido, além da alegação de
inexistência de recursos, a efetiva comprovação dessa inexistência, o que o
Ministro Eros Grau chamou de exaustão orçamentária.
Assim,
se o Poder Judiciário pode intervir e determinar a execução de políticas
públicas voltadas a concretizar os princípios de bem-estar e justiça social,
por muito mais razão pode limitar a vontade dos particulares, de forma a
restringir o pagamento por produção, que provoca sofrimentos, adoecimentos e
mortes em flagrante desrespeito aos preceitos constitucionais garantidores da
vida, saúde, dignidade do ser humano e da função social da propriedade.
Assim,
consideradas como cláusulas impeditivas de retrocessos sociais, as previsões do
art. 1º, especialmente os incisos III e IV, da Constituição Federal, devem
servir de respaldo à pretensão aduzida pelo órgão ministerial em sua inicial.
DO PAGAMENTO POR PRODUÇÃO NO CASO DAS
ATIVIDADES PENOSAS E INSALUBRES. DA
INTERPRETAÇÃO DA CLT CONFORME A CONSTITUIÇÃO.
Por
conseguinte, pode-se dizer que a manutenção do esquema de remuneração por
produção, para o cortador de cana, é situação odiosa que revela retrocesso
social inquestionável, haja vista a indução camuflada no sentido de valorizar o
trabalhador que produz mais. E, aqui, fala-se em toneladas a mais para que, no
final do mês, todos estejam estafados e, mesmo assim, mal remunerados.
Deve-se
entender, de uma vez por todas, que o cortador de cana submetido à modalidade
de pagamento por produção não trabalha mais porque quer. Muito pelo contrário:
ele trabalha mais porque precisa, porque é sub-remunerado e, para que não se
sinta ainda mais aviltado em sua dignidade, possa prover as necessidades básicas
e vitais de sua família. Sua liberdade de escolha, aqui, é flagrantemente
tolhida pela sua necessidade de sobreviver e prover sua família.
Nesse
sentido, ademais, há muito tempo decide o este E.TRT, como a ementa a seguir
transcrita revela, in verbis:
“Não há dúvida de que remuneração por unidade de
produção estimule o trabalhador a produzir, mas é interpretação avessa à lógica
econômica e ao direito que o excesso de jornada só atende aos interesses do
empregado. Não se pode esquecer que quanto mais elevada a média de produção
diária, haverá uma tendência de menor preço por unidade de produção. Com isto,
frustra a expectativa de se obter maior ganho diário. Este sistema de
remuneração acaba por pressionar o trabalhador a obter maior produção diária,
sem considerar o esforço exigido, muitas vezes além dos limites de sua
capacidade física, que fica exaurida no final da jornada. O trabalho em excesso
de jornada diária ou semanal será sempre desrespeito aos limites
constitucionais (art.7º, XIII CF/88) e legais (art.58 da CLT), seja para o
trabalhador remunerado por unidade de tempo (hora, dia ou mês) seja para aquele
remunerado por unidade de produção ou tarefa. Estabelecendo a Constituição um
adicional mínimo de 50% por hora de trabalho extraordinário, sem fazer
distinção. não pode o intérprete fazer distinguir a pretexto de forma de
remuneração. (TRT/SP, 15a.Região, Ac. 47.568/98. Proc.11.372/97. DOE
26.1.99.pág.27.Rel. José Antônio Pancotti, 2a T.)
A conclusão a
que se chega, então, é a de que o pagamento por produção não deve ser proibido
de forma genérica e abstrata, de modo a abranger todos os tipos de
trabalhadores. A proibição, por
óbvio, deve ser específica e correlacionada às peculiaridades concernentes aos
cortadores de cana, não excluídos outros profissionais que apresentem um quadro
inerente de degradação de sua saúde (tal como os responsáveis pela
desossa de coxas de frango nos frigoríficos).
Isso, como é
cediço, em razão da situação ofensiva à dignidade humana e ao valor social do
trabalho que é criada quando o cortador de cana é estimulado a produzir mais e
mais para que consiga garantir o mínimo imprescindível à sua sobrevivência.
Imperioso observar, nessa cadência, que mesmo antes de a OJ
n. 173 da SDI – I ser alterada em 14.09.2012, o próprio TST vinha reconhecendo
a incidência do adicional de insalubridade por conta da exposição a calor
excessivo a que se submetem os cortadores de cana.
Assim,
interessante citar as seguintes ementas, salientando que todas foram utilizadas
como precedente para impulsionar a adição do item II à OJ n. 173 da SDI – I do
C.TST, in verbis:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA (...)
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CORTADOR DE CANA-DE-ACÚCAR. EXPOSIÇÃO AO CALOR. Na
hipótese, a condição insalubre a que estava submetido o empregado - excesso de
calor - encontra-se devidamente prevista nas normas regulamentadoras do
Ministério do Trabalho (NR 15 Anexo 3). Assim, não procede a alegação de
contrariedade ao entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial n.º
173 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho, visto que o adicional de insalubridade
foi deferido com base no excessivo calor, e não em face da exposição a raios
solares. Frise-se que a conclusão do laudo pericial, no sentido de que -o IBUTG
medido no local de trabalho chegou a 31,2°C, sendo que o máximo permitido é
25°C-, respalda o entendimento sufragado pela Corte de origem. Incólumes,
portanto, os dispositivos invocados. De outro lado, não se prestam à
demonstração de dissenso jurisprudencial, nos termos do artigo 896, a, da
Consolidação das Leis do Trabalho, arestos provenientes de Turmas deste
Tribunal Superior. De igual modo, resultam inservíveis arestos inespecíficos,
consoante disposto na Súmula n.º 296, I, do Tribunal Superior do Trabalho.
Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-123300-59.2008.5.09.0093, 1ª Turma,
Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, D.J. de 2/9/2011)
(...) ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. TRABALHO EM LAVOURA
DE CANA-DE-AÇÚCAR. EXPOSIÇÃO AO CALOR E À UMIDADE. PREVISÃO NOS ANEXOS N°S 3 E
10 DA NR N° 15 DA PORTARIA Nº 3.214/78 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. O Regional
destacou o laudo pericial, segundo o qual a reclamante prestava serviços no
corte de cana-de-açúcar, exposta ao calor e à umidade, que se encontram
previstas como insalubres nos Anexos 3 e 10 da NR 15 da Portaria nº 3.214178 do
Ministério do Trabalho, conforme consignado no laudo pericial. O Tribunal a quo
também transcreveu trecho do laudo pericial, em que consta que o uso de EPIs
não reduzem a incidência dos agentes agressivos no organismo do trabalhador, em
relação às condições de insalubridade de grau médio no ambiente com a presença
de Calor - Anexo N° 3, e com a presença de Umidade - Anexo N° 10, todos da
NR-15, a níveis dentro dos limites de tolerância. Não se trata, portanto, de
simples exposição do trabalhador a raios solares ou a variações climáticas,
havendo previsão na Norma Regulamentadora nº 15, Anexo nº 3, da Portaria nº
3.214/78, quanto à insalubridade pelo trabalho exposto ao calor, quando
ultrapassado o limite de tolerância, como ocorreu na hipótese dos autos. Isso
sem falar na exposição à umidade prevista no Anexo 10 da citada portaria.
Assim, havendo previsão legal para o deferimento do adicional de insalubridade,
não há falar em contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 173 da SBDI-1 do
TST. Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-151800-91.2005.5.09.0562, 2ª
Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, D.J. de 7/10/2011)
RECURSO DE REVISTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.
TRABALHADOR RURAL EM LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. EXPOSIÇÃO A CALOR EXCESSIVO. O
empregado que se expõe ao calor excessivo em razão da atividade desempenhada a
céu aberto na lavoura de cana-de-açúcar faz jus ao adicional de insalubridade
em grau médio, sendo inaplicável, no caso, o disposto na Orientação
Jurisprudencial 173 da SBDI-1 do TST, porque não se trata de simples exposição
a raios solares, mas sim de exposição a agente mais penoso, qual seja, o calor
excessivo. Recurso de Revista não conhecido. (RR-93400-66.2005.5.15.0029, 8ª
Turma, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, D.J. de 30/9/2011)
RECURSO DE REVISTA. (...) 3. ADICIONAL DE
INSALUBRIDADE. EXPOSIÇÃO A CALOR EXCESSIVO. LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. ANEXO 3
DA NR 15 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Dos fundamentos expostos pela
Corte a quo, não há como entender violados os arts. 5º, II, da CF e 190 e 195
da CLT, tendo em vista que o perito constatou que a atividade desenvolvida pelo
reclamante se enquadrava em hipótese de insalubridade prevista em norma
regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego. Ademais, não se trata de
aplicação da OJ nº 173 da SBDI-1 do TST, conforme precedentes desta Corte.
Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-175200-22.2008.5.09.0242, 8ª Turma,
Rel. Min. Dora Maria da Costa, D.J. de 2/9/2011)
Evidentemente, a situação dos cortadores de cana é
especial, diferenciada. E isso é demonstrado pelo próprio teor da OJ n. 173 da
SDI – I. Assim, como regra, o adicional de insalubridade não será devido aos
trabalhadores pelo simples fato de realizarem suas atividades a céu aberto.
Contudo, caso haja exposição a calor que ultrapasse os limites de tolerância,
nesse caso o adicional será devido.
Oportuno
lembrar, por oportuno, que a referida orientação jurisprudencial foi modificada
justamente para atender aos reclamos dos cortadores de cana, como se infere das
ementas transcritas acima e de seu próprio texto, abaixo colacionado:
173. ADICIONAL DE
INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR. (redação
alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012,
DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE).
I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE).
II – Tem direito ao adicional de insalubridade o
trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de
tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições
previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE.
O mesmo
raciocínio deve ser utilizado no presente caso. Com efeito, justamente porque a
atividade realizada pelo cortador de cana é diferenciada (haja vista sua
insalubridade inerente; e, obviamente, sua penosidade inconteste), a
remuneração desses trabalhadores por critério de produção deve ser proibida.
Por conta
disso, e considerando a especificidade do contexto fático no qual os cortadores
de cana estão inseridos, importa transcrever o posicionamento do C. TST no que
toca à OJ n. 235 da SDI -I e sua aplicação aos cortadores de cana, cujo texto
foi utilizado de maneira falaciosa pela reclamada a fim de respaldar sua
pretensão de ver permitida a remuneração de seus empregados por produção. In verbis:
RECURSO DE REVISTA. RURÍCOLA. HORAS -IN ITINERE-. SUPRESSÃO
PREVISTA EM ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. INVALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 58, § 2°,
DA CLT. NORMA DE CARÁTER COGENTE QUE INTEGRA O ROL DE DIREITOS MÍNIMOS DOS
TRABALHADORES. REMUNERAÇÃO POR PRODUÇÃO. A Lei nº 10.243/2001, ao acrescentar o
§ 2º ao art. 58 da CLT, erigiu as horas -in itinere- à categoria de direito
indisponível dos trabalhadores, garantido por norma de ordem pública, não se
admitindo, portanto, a supressão da parcela mediante negociação coletiva.
Precedentes da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte
Superior. HORA EXTRA. SALÁRIO POR PRODUÇÃO. DIREITO À REMUNERAÇÃO DA HORA EXTRA
INTEGRALMENTE (HORA MAIS ADICIONAL). Por ocasião da vista regimental proferida
no julgamento dos recursos de revista-TST-RR-59000-34.2008.5.15.0057 e
TST-RR-28700-35.2007.5.15.0151, no qual fui Integralmente acompanhado pelos
ilustres pares integrante desta Turma, tive a oportunidade de proferir
entendimento no sentido de que a Orientação Jurisprudencial n° 235 da SBDI-1
desta Corte - embora, não se desconheça que tenha sido firmada a partir de
julgados proferidos em processos oriundos da indústria sucroalcooleira, como no
caso - não deve ser aplicada aos trabalhadores braçais, como são os cortadores
de cana. Isso porque o trabalho remunerado por tarefa é um misto do trabalho
por unidade de obra e por unidade de tempo, de forma que não se identifica com
o trabalho remunerado por comissão, de que trata a Súmula n° 340 do TST, que
constitui a fonte de inspiração da mencionada orientação jurisprudencial. A
limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, prevista no inciso XIII deste dispositivo, objetiva a preservação da
higidez física e mental do trabalhador, que, por isso mesmo, mais do que
direito social, erige-se como direito individual indisponível por sua própria
vontade. Obviamente, se o trabalhador está submetido a estímulo financeiro
para trabalhar mais e mais, sem a perspectiva de compensação de jornada, com
preservação do mesmo ganho salarial mensal, o maior e único beneficiário é o
setor produtivo, que se favorece deste trabalho. Por essa razão a aplicação da
Orientação Jurisprudencial n° 235 da SBDI-1 do TST ao trabalho rural somente
contribui para a precarização das relações de trabalho no campo, ao
desrespeitar a dignidade do trabalhador que tem a valorização do seu trabalho
condicionada a maior produtividade, ao limite da exaustão física e psicológica,
e, consequentemente à redução de sua qualidade de vida. Nesse contexto, não
se pode conceber que o trabalho por produção esteja excepcionado da limitação
da jornada diária e semanal, tutelada pela Constituição Federal e,
consequentemente, da remuneração da hora extra integralmente (hora acrescida do
respectivo adicional), devendo-se observar o adicional normativo, sempre que mais
benéfico ao trabalhador. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR
- 69600-82.2006.5.05.0342 Data de Julgamento: 14/09/2011, Relator Ministro:
Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2011) (grifo
nosso)
Nesse acórdão,
como se nota, o C. TST mitigou a aplicação da OJ n. 235 da SDI – I quando
diante de situações envolvendo cortadores de cana que são remunerados,
exclusivamente ou não, por produção. Trata-se de importante decisão que
reconhece a situação luctífera na qual está inserido o cortador de cana.
Interessante
ressaltar, mais uma vez, o seguinte trecho constante da ementa transcrita, in verbis:
“Por essa razão a aplicação da
Orientação Jurisprudencial n° 235 da SBDI-1 do TST ao trabalho rural somente contribui
para a precarização das relações de trabalho no campo, ao desrespeitar a
dignidade do trabalhador que tem a valorização do seu trabalho condicionada a
maior produtividade, ao limite da exaustão física e psicológica, e,
consequentemente à redução de sua qualidade de vida.” (grifo nosso)
No âmbito do TRT da 15ª Região são inúmeras as
decisões que reconhecem as condições degradantes e extenuantes dos cortadores
de cana, nesse sentido, podemos citar:
1) Processo. N.
0000518-16.2011.5.15.0081., de minha relatoria, tendo como Recorrente: Cambuhy
Agrícola Ltda. Recorrido: Juvenal Alves da Silva. 6ª TURMA - 11ª CÂMARA,
constando da fundamentação:
“Além disso,
notórios os malefícios que podem causar à saúde humana a exposição excessiva ao
sol, como: a desidratação, a insolação, danos na retina e na córnea e estresse
térmico; e, da radiação ultravioleta (UV-B e UVA) as queimaduras na pele,
bronzeamento pigmentar tardio, envelhecimento precoce e o aparecimento do
melanoma e o mais terrível dos males, o câncer de pele.
(...)
Literaturas e artigos técnicos
afirmam que quando há aumento da temperatura corporal ante o exercício
(maratona, por exemplo) sob calor, o sistema cardiovascular tornar-se
sobrecarregado já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área
entre a pele e os músculos, deixando as demais órgãos com pouca
oxigenação. Negrejou-se.
2)
PROCESSO 000456-67.2012.5.15.0104. Recorrente: AGROINDUSTRIAL OESTE PAULISTA
LTDA. Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA REGIONAL DO
TRABALHO DA 15ª REGIÃO. 4ª Câmara – Segunda Turma. Rel. Des. Dagoberto Nishina,
do qual constou:
“AÇÃO
CIVIL PÚBLICA – SUPRESSÃO DOS REPOUSOS - DANO MORAL SOCIAL IN RE IPSA -
industrialização do açúcar e álcool
A
espécie é exemplo da industrialização do açúcar e álcool, na qual o lucro
ascende e suplanta o valor humano.
Os
métodos de trabalho continuam irracionais, desiguais, injustos, e os
trabalhadores permanecem sem a proteção mínima da gênese da legislação
trabalhista (1943), do estatuto do trabalhador rural (1973) e desrespeita-se
até a Constituição.
Das
Capitanias Hereditárias às Usinas atuais, apenas o arado e o transporte por
tração animal foram substituídos pelo trator, moendas circulares deram lugar a
máquinas, esteiras, caldeiras, os produtos se diversificaram, os lucros
ascenderam, a denominação foi modernizada e alardeada pelo mundo por um arauto
falastrão: biocombustível.”
No corpo do v. acórdão foi
mencionado:
As
práticas da recorrente em relação aos seus empregados são medievais, remontam
às dos engenhos do Século XVI – colheita pé a pé por facão, transporte,
esmagação, transformação do caldo nas caldeiras e lucro.
(...)
Entretanto,
os métodos de trabalho continuam irracionais, desiguais, injustos, e os
trabalhadores permanecem sem a proteção mínima da gênese da legislação
trabalhista (1943), do estatuto do trabalhador rural (1973) e desrespeita-se
até a Constituição.
A
espécie é exemplo da industrialização do açúcar e álcool, na qual o lucro ascende
e suplanta o valor humano.
3) Nos autos do processo n.
01182-2007-134-15-00-4 (numeração atual 0118200-66.2007.5.15.0134), acórdão
publicado em 22.08.2008, Rel. Des. JOSÉ PEDRO DE CAMARGO RODRIGUES DE SOUZA, 3ª
Câmara – Segunda Turma, consta a seguinte ementa:
“(...) A cada ano que passa a “produtividade/produção” aumenta e o
respectivo preço diminui, dele se exigindo cada vez mais trabalho nessa
atividade notoriamente penosa e prejudicial à saúde, o que conspira contra o
art. 7º, XIII e XVI da Constituição Federal (horas extras somente em serviços
extraordinários) e, também, contra os fundamentos do Estado Democrático de direito (dignidade da pessoa humana, valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa), os princípios gerais da Atividade Econômica (art. 170) e da Ordem Social (art.193).
(...)”
Na fundamentação do v. acórdão
constou:
“Hão de se ter em
conta os princípios de proteção à saúde e higidez física do trabalhador, sem se
desprezar o fato – público e notório – de que alguns empregados rurais têm trabalhado até a morte, literalmente.
A este respeito,
interessa transcrever os seguintes dados sobre as condições de trabalho da
categoria, citados por Francisco José Alves, professor do departamento de
engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos, Estado de São
Paulo:
A expectativa de vida de um trabalhador
cortando 12 toneladas por dia é de 10 a 12 anos, menor que a expectativa de um
trabalhador escravo do fim do século XIX, que era de 12 a 15 anos. Mais do que
dez safras cortando cana, o trabalhador está incapacitado para o trabalho: está
com lordose e uma série de doenças decorrentes do trabalho. A única expectativa
que ele tem é pedir aposentadoria. (Pesquisador prega extinção do trabalho por
produção, Repórter Brasil, 2007. Disponível em: <
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1139>)
É inconteste, é público e notório, que a atividade nas
lavouras de cana-de-açúcar é extremamente repetitiva, tornando-se estafante e
degradante da saúde do obreiro.
(...)
Cabe relatar,
ainda, que o Ministério do Trabalho, em situação análoga, cuidando de profissão
que envolve atividades repetitivas, editou a NR 17, que se refere aos
digitadores.
A norma proíbe
“qualquer sistema de avaliação dos trabalhadores envolvidos nas atividades de
digitação, baseado no número individual de toques sobre o teclado, inclusive o
automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie” (item
17.6.4, “a”).
Ora, se a Norma
Regulamentadora busca amparar a integridade física dos digitadores, com muito
mais razão deve-se resguardar a saúde dos cortadores de cana, que, além de se
submeterem às adversidades do meio ambiente de trabalho, realizam, todos os
dias, milhares de movimentos com os braços, pernas e coluna, gerando doenças
crônicas e reduzindo sua expectativa de vida.
Sobre a
penosidade inconteste do trabalho no corte da cana, tenha-se em conta o que
preleciona o Ilustre Procurador Regional do Trabalho, Prof. Dr. Raimundo Simão
de Melo, em sua festejada e respeitada obra “Direito Ambiental do Trabalho e a
Saúde do Trabalhador”, Editora LTr., São Paulo, 2008, p.163, o qual sustenta,
inclusive, a possibilidade de aplicação de adicional de penosidade, apesar da
inércia do Poder Legislativo na regulamentação do inciso XXIII do art. 7º da
CF.”
O mesmo Relator, nos autos do
processo n. 1070-2008-154-15-00-9, assevera que a observância da NR-17 – item
17.6.3 (atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do
pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores) – implica a proibição
do pagamento por produção nas lavouras de cana-de-açúcar, uma vez que a
remuneração realizada desta forma impossibilita condições sadias de trabalho. E
o artigo 13, da Lei 5.889/73, determina que os estabelecimentos rurais observem
as normas de segurança e higiene estabelecidas em Portaria do MTe.
4) PROCESSO TRT/15ª REGIÃO -
Nº 01339-2008-036-15-00-7. RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE ASSIS.
RECORRENTE: APARECIDO RIBEIRO DA CRUZ. RECORRIDA: NOVA AMÉRICA S/A – AGRÍCOLA.
Rel. Des. MARIANE KHAYAT. 1ª TURMA – 2ª CÂMARA.
(...) escolha dos
empregadores rurais de utilizar o empregado rural como mero instrumento para
obtenção de lucro, mera mercadoria – dissociando a pessoa do trabalhador de sua
dignidade - posição esta inaceitável desde a Declaração de Direitos do Homem e
do Cidadão, em 1948.
A questão é que se tornou
necessário lançar um novo olhar sobre essa “cultura rústica” (fruto da
exploração escravagista também aceita como natural durante séculos,
reprise-se). Não se autoriza mais a continuidade de práticas incompatíveis com
a dignidade humana do trabalhador do campo ou da cidade. E o Judiciário tem um
papel fundamental na fixação desses novos rumos, concretizando os princípios
entronizados na Carta Constitucional.
Na atual quadra da História,
em que se vive em um Estado Democrático de Direito - que numa virada
copernicana, tem o ser humano e seus valores como referência de todo sistema
jurídico – a dignidade da pessoa humana é uma cláusula supraconstitucional e
deve orientar todas as relações humanas (vertical e horizontalmente), inclusive
no plano internacional, como preconiza Peter Häberle ao anunciar a necessidade
de um Estado Democrático Cooperativo como referência aos demais Estados no
plano dos direitos humanos.
O pós-positivismo, que trouxe
os valores da ética e da dignidade humana para dentro da disciplina do Direito,
como marcas indeléveis do sistema jurídico, não absorve mais a justificativa da
legalidade estrita.”
Percebe-se,
assim, que já passamos da fase do positivismo estrito, caminhamos para o
pós-positivismo. Neste, os valores da ética, da dignidade da pessoa humana, da
função social da propriedade devem nortear a busca da justiça social. A
liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função
social do contrato, conforme determina o artigo 421 do Código Civil.[40]
Diante de todas essas constatações
fáticas e construções jurídicas é que se deve analisar o art. 78, caput, da CLT, fazendo-se a
interpretação conforme a Constituição:
“Art.
78 - Quando o salário for ajustado por empreitada, ou convencionado por tarefa
ou peça, será garantida ao trabalhador uma remuneração diária nunca inferior à
do salário mínimo por dia normal da região, zona ou subzona.”
Referido
dispositivo legal não deve ser aplicado de maneira irrestrita e, o que é mais
pernicioso, desatrelado dos Fundamentos da República Federativa do Brasil,
especialmente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho
(respectivamente, art. 1º, incs. III e IV, da CF).
Da
forma como estabelecido originariamente, o art. 78, caput, da CLT visava situação de proporcionalidade entre as partes,
qual seja: se o interesse da empresa é lucrar, nada mais razoável que pagar
mais para o trabalhador que produz mais. Dessa forma todos ganham e a relação
capital-trabalho mantém-se em equilíbrio. De fato, essa é uma ideia bastante
interessante e que, ao lado da participação nos lucros e resultados, faz com
que o trabalhador se insira de maneira mais efetiva na atividade empresária. De
maneira mais clara: o trabalhador se sente fundamental na estrutura da empresa,
passando a acreditar que o sucesso do empreendimento está diretamente
relacionado à sua produtividade. Por conta disso, obviamente, será mais bem
remunerado.
Entrementes,
esse raciocínio é demasiado genérico, não contemplando situações específicas
que fazem com que a equação capital-trabalho se desequilibre de maneira
grosseira e injustificável.
Desse
modo, o art. 78 da CLT encontra limites bem delimitados e que, certamente,
fundamentam-se na sua própria finalidade. Assim, pode-se dizer que a
remuneração por produção não é permitida para as atividades realizadas em
situações de penosidade, degradantes, exaustivas etc. Isso porque, nesses
casos, somente uma das partes se beneficia do labor excessivo: a empresa.
Isso
é o que ocorre, principalmente e nesse caso, com as indústrias sucroalcooleiras
(ou sucroenergéticas), haja vista o aumento público e notório de suas margens
de lucro e, consequentemente e como condição, a diametralmente oposta situação
do cortador de cana, que jamais será remunerado proporcionalmente ao lucro que
ele gera, pois a média da cana cortada saltou de 2 toneladas dia para 12.
Contudo, a remuneração desses trabalhadores continua praticamente a mesma das
duas toneladas. Esse sistema perverso e nefasto não foi desejado pelo
legislador ordinário quando da elaboração do art. 78 da CLT. Despiciendo falar
do legislador constituinte.
Por
conta disso, pode-se afirmar que o art. 78 da CLT, ao permitir a remuneração
por produção, disse mais do que queria, devendo ser interpretado de maneira
restritiva. Saliente-se, antevendo argumentos contrários, que essa restrição é
permitida constitucionalmente, haja vista tudo o quanto foi expendido sobre os
Fundamentos da República Federativa do Brasil.
Com
efeito, o art. 7º, caput, da
Constituição Federal, ao prever e dar guarida ao princípio da norma mais
favorável, permite a criação de situações negativas, isto é, situações que
revelam direitos dos trabalhadores por intermédio da abstenção de algumas
práticas por parte dos empregadores.
É
o que ocorre com a proibição da remuneração por produção no caso dos cortadores
de cana. Esse trabalhador, consideradas as peculiaridades de seu labor, tem o
direito de não ser remunerado por produção, pois que essa prática acarreta
situação contraria à melhoria de sua condição social.
Ora,
não se pode admitir, portanto, que a exaustão a que chegam os cortadores de
cana, quando não a morte, revela melhoria de sua condição social unicamente
porque passa ganhar poucos reais a mais no final do mês, quantia
incomensuravelmente desproporcional ao lucro que ele gera.
Nesse
contexto, oportuno transcrever, mais uma vez, a argumentação apresentada pela
reclamada, in verbis:
“25. Note-se que o estabelecimento de salário por produção,
ao contrário do disposto na r. sentença, não tem o condão de erradicar ou
reduzir qualquer direito trabalhista; ao reverso, se trata apenas e tão somente
da aplicação de um direito regularmente previsto na CLT e que, obviamente, está
em plena consonância com a Constituição vigente, pois visa a melhoria das
condições sociais dos trabalhadores, como prescreve o art. 7º, caput, da CF.” (grifo nosso) (fl. 1543 -
verso)
De
fato, soa estranha a afirmação de que o estabelecimento de salário por
produção, no caso dos cortadores de cana, visa a melhoria de sua condição
social. Pergunto-me, toda vez que leio esse trecho, qual seria a melhoria
advinda desse contexto. (?). Nenhuma, claro.
Como
uma atividade reiteradamente reconhecida como de risco pelo C. TST, cuja
remuneração geralmente não ultrapassa mil reais, cujo índice de acidentes de
trabalho e doenças ocupacionais é assustador, cujas notícias de mortes causam
náusea, cujas frequentes constatações de paradas cardiorrespiratórias são
inaceitáveis, cuja funesta desproporção entre lucro gerado e salário auferido
causa asco, como essa atividade, admitida sua remuneração por produção, pode
revelar melhoria de condições sociais? Não há dúvida de que a condição
socioeconômica dos empregadores melhora a cada cana que é cortada. Quanto aos
trabalhadores, por outro lado, não se pode fazer essa afirmação, nem sob o mais
remoto e ingênuo fundamento.
O
Poder Judiciário não pode respaldar esse tipo de prática. A sociedade espera
respostas efetivas e justas, mormente da Justiça do Trabalho. O momento pelo
qual a sociedade brasileira passa, em que as manifestações populares têm
ocupado importante espaço dos noticiários nacionais e internacionais, deve
servir de norte para que o Judiciário profira suas decisões, especialmente
quando reveladores da valorização do ser humano por intermédio da realização de
um trabalho digno.
Não
deve o Brasil, vinte e cinco anos após a promulgação da Constituição Federal de
1988, permitir tremendo retrocesso social. Não deve, sob pena de endossar e
fazer crescer a triste estatística mundial, incentivar a karoshi, termo japonês criado na década de 1980 e que significa,
literalmente, morte por excesso de trabalho.
Ressalte-se que a NR 17 -
ERGONOMIA - Portaria GM n. 3.214, de
8.6.1978, em seu item 17.6.4.”a”, prevê:
“Nas atividades de processamento eletrônico de
dados, deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho,
observar o seguinte: a) o empregador não deve promover qualquer sistema de
avaliação dos trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no
número individual de toques sobre o teclado, inclusive o automatizado, para
efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie;”.
Percebe-se,
portanto, que o salário por produção encontra limitações no próprio ordenamento
positivado, como demonstrou a referido Portaria do MTE.
A referida
Portaria tem por escopo a integridade física dos
digitadores, portanto, por muito mais razão a saúde dos cortadores de cana deve
ser resguardada, vez que desempenham atividades penosas e degradantes, em
ambiente de trabalho hostil, como o rural, realizando, todos os dias, milhares
de movimentos repetitivos com as mãos, braços, pernas e coluna (risco de lesões
osteo-musculares), levando a doenças crônicas e reduzindo sensivelmente a sua
expectativa de vida. Acresça-se a isso a atividade pesada em ambiente insalubre
– calor excessivo – quadros 1 a 3 do Anexo 3 da NR-15).[41]/[42]
Aliás,
entendimento contrário implicaria flagrante ofensa ao princípio da igualdade
previsto no artigo 5º, caput, CF/88.
Diga-se, por outro lado, que se uma
Portaria do MTe pode modificar a forma de remuneração dos digitadores, por
muito mais razão isso pode ser feito por meio de uma decisão judicial em tutela
coletiva – com status constitucional
– e proferida com a observância das regras processuais e da dialética.
Apesar
de as atividades dos cortadores serem desempenhadas sob calor excessivo,
(veja-se quadro de fl. 32 da inicial) o PCMSO da ré faz o reconhecimento da
necessidade de conforto térmico, como medida de prevenção à fadiga, apenas em
favor dos trabalhadores que realizam atividades
intelectuais (fl. 4 da inicial), fato não contestado, portanto,
incontroverso. Constata-se, assim, a ausência de cuidados mínimos com a saúde
dos cortadores.
Ora, não
existem questionamentos dignos de nota cujo objetivo seja atacar a Portaria GM
3.214/78. E qual o motivo da inexistência? Ele é muito claro: embora os
digitadores também se enquadrem num contexto em que o pagamento por produção
tem a potência de levá-lo ao adoecimento, seus empregadores ou tomadores de
serviço não possuem – nem de muito longe – a capacidade econômica daqueles que empregam
os cortadores de cana. Aqui, nova e infelizmente, vem o capital suprimindo o valor social do trabalho.
O artigo 78 deve ser interpretado
em consonância com o artigo 444, que preceitua que as relações contratuais de
trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às
disposições de proteção ao trabalho.
Assim,
o artigo em questão sofre restrição das disposições de proteção ao trabalho,
especialmente quando se fala em um sistema de remuneração que leva à exaustão,
adoecimento e mortes.
Ao
contrário do afirmado no recurso (fl. 1.550 - verso), o artigo 5º, da LIDB, não
agasalha a sua pretensão, pois, se na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, certamente isso
não será alcançado com a manutenção de uma forma de remuneração que coisifica o
homem.
Dar
razão à recorrente, nesse particular, com efeito, será o mesmo que tornar
letra morta alguns dos documentos internacionais – ratificados pelo Brasil –
mais importantes da história mundial, dentre os quais é possível mencionar, in verbis:
·
"Considerando que a paz para ser universal
e duradoura deve assentar sobre a justiça social; Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para
grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o
descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e
considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por
exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração
máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta
contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de
existência convenientes, à proteção dos
trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do
trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às
pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores
empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio "para igual trabalho,
mesmo salário", à afirmação do princípio de liberdade sindical, à
organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas;
Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho
realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de
melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.” - Preâmbulo
da Constituição da OIT
·
“Todo
ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à
proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem
direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha
tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência
compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário,
outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a
organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. Todo
ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das
horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.” (Artigos XXVIII e XXIX da
Declaração Universal dos Direitos Humanos)
·
“Ninguém poderá ser submetido á
escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas,
ficam proibidos.” (Artigo 8 do Pacto Internacional sobre direitos Civis e
Políticos, internalizado por intermédio do Decreto n. 592 de 6 de julho de
1992)
·
“Os Estados Partes do presente
pacto o reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que
assegurem especialmente: a) uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) um salário
equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer
distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de
trabalho não inferiores às dos homens e receber a mesma remuneração que ele por
trabalho igual;
ii) uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto. b) a segurança e a higiene no trabalho;
c) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, á categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade; d) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos.” (Artigo 7 do Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais)
ii) uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto. b) a segurança e a higiene no trabalho;
c) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, á categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade; d) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos.” (Artigo 7 do Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais)
Ressalte-se que a manutenção
da r. sentença encontra razões até de ordem política econômica, pois a
manutenção da remuneração por produção, que coisifica o trabalhador, conforme
se vê da inicial às f. 60/62, pode acarretar severas sanções internacionais ao
país pela prática de dumping social[43].
É óbvio que ninguém deseja esse tipo de sanção, até porque o Brasil prega que a
indústria sucro-energética produz um combustível limpo (etanol), portanto, esse
combustível “limpo” não pode ser manchado com o sangue dos cortadores.
Na hipótese concreta
(proibição do trabalho por produção), não se está negando vigência ao princípio
da livre iniciativa ou da legalidade (art. 5º, II). É que na colisão entre
princípios constitucionais, diante da necessidade de ponderação (ou sopesamento),
os princípios do direito à vida, à saúde, da função social da propriedade e da
dignidade da pessoa humana devem prevalecer, em detrimento daqueles e diante
das circunstâncias e condições inerentes ao caso concreto. Há uma relação de
precedência condicionada, ou seja, o princípio da livre iniciativa continua
válido, muito embora com sua incidência restringida.
Sobre o assunto, sempre
interessante trazer à tona as lições de Robert Alexy, in verbis:
“Princípios
são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicos e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência
de sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito
fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a
possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio
antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos
da lei de colisão. Visto que a aplicação de princípios válidos – caso sejam
aplicáveis – é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de
colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de
direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem
com princípios antagônicos.”[44]
Todos os dias, sem exceção, a Justiça do Trabalho se depara com
situações da mais alta importância social. Contudo – e essa afirmação pode ser
endossada por aqueles que militam de verdade na área -, faz tempo que uma
questão de tamanho impacto social, que definitivamente oferece a oportunidade
de fazer valer a força normativa da Constituição Federal de 1998, não bate a
essas ilustres portas. Muito se fala, principalmente em âmbito teórico, sobre a
necessidade de aplicação direta da Constituição Federal, da necessidade de
interpretação da lei conforme o Texto Maior. Entrementes, pouco se faz de
efetivo nesse sentido. É chegada a hora de abandonar velhas práticas
estritamente legalistas e formais. A Justiça do Trabalho tem, nesse caso,
oportunidade de fazer real diferença na vida de muitos trabalhadores. E na
própria economia, pois o passivo dessa chaga social é para ela canalizada.
Por conta de todo o exposto,
acolhidas as razões de decidir apresentadas pelo magistrado de 1ª Instância,
acrescidos os fundamentos apresentados anteriormente, com base na interpretação
sistemática e conforme a Constituição do nosso ordenamento jurídico, impõe-se a
manutenção da brilhante sentença de origem na parte em que determinou à
reclamada que se abstenha de remunerar os cortadores de cana por produção.
DA
MULTA IMPOSTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA SENTENÇA
Por
derradeiro, a reclamada alega que não existe amparo legal para a imposição
judicial da multa em caso de descumprimento do quanto decidido. Ademais, alega
que a imposição da referida multa acarretará enriquecimento sem causa do
recorrido.
Evidentemente,
não assiste razão à reclamada.
Primeiramente,
no que toca ao argumento de que não existe amparo legal para a aplicação de
multa em caso de descumprimento da decisão proferida pelo magistrado de 1ª
Instância, parece que a reclamada desconhece o sistema processual vigente. Sua
afirmação, nesse particular, causa estranheza.
Com efeito, a
Lei da Ação Civil Pública prevê, em seu art. 3º, que a ação poderá ter por
objeto o cumprimento de obrigação de não fazer. A seguir, demonstrando
verdadeira interação criadora do chamado microssistema de tutela coletiva, seu
art. 21 determinada a aplicação do Título III do Código de Defesa do Consumidor
às ações civis públicas.
Por
conseguinte, o art. 84, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, prevê a
possibilidade de o juiz impor, na sentença, multa diária, independentemente de
pedido do autor, caso essa medida seja suficiente ou compatível com a
obrigação.
Eis,
na ordem em que foram citados, os referidos dispositivos legais:
“Art. 3º A ação civil
poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer.
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos
direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os
dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor.”
“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da
obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
§ 4° O juiz poderá, na
hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente
de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando
prazo razoável para o cumprimento do preceito.” (grifo nosso).
Já
o artigo 11 da LACP prevê: “Art. 11. Na ação que tenha por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o
cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva,
sob pena de execução específica, ou de cominação
de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de
requerimento do autor.” (negrejou-se)
Nesse mesmo
sentido, aliás, é a lição de Luiz Guilherme Marinoni, in verbis:
“Ora, como há um sistema de tutela coletiva dos direitos,
integrado, fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de
Defesa do Consumidor – em razão do art. 90 do CDC, que manda aplicar às ações
ajuizadas com base nesse Código as normas da Lei da Ação Civil Pública e do
Código de Processo Civil, e do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, que afirma
que são aplicáveis às ações nela fundadas as disposições processuais que estão
no Código de Defesa do Consumidor -, não há dúvida de que o art. 84 do CDC
sustenta a possibilidade da tutela inibitória pura para qualquer direito difuso ou coletivo.”[45]
Portanto,
absolutamente impossível sustentar a ausência de amparo legal para a imposição,
na sentença, de multa cujo objetivo é ver obrigação de não fazer cumprida.
Trata-se de medida que torna mais efetiva a imposição judicial.
É evidente
que a multa aplicada tem o escopo de fazer prevalecer o aspecto inibitório do
mandamento judicial. Não existe processo efetivo – considerado como técnica de
solução de conflitos adotada pelo Estado – sem que haja a contrapartida coercitiva
em caso de descumprimento da decisão proferida. Na verdade, a irresignação da
reclamada perde razão de existir se considerarmos que haverá cumprimento da
obrigação imposta.
Tanta
insatisfação, traduzida pela estranha
argumentação no sentido de que não existe previsão legal para o
pagamento de multa diária nas ações coletivas, faz presumir que a reclamada
pretende não cumprir a imposição que lhe seja desfavorável. Repito: quando se
cumpre a lei e as determinações exaradas pelo Poder Judiciário, não existe
porque temer a incidência da combatida (e muito útil) multa diária.
Nesse
sentido, inclusive, foi o acórdão relatado pelo Desembargador João Batista
Martins Cesar nos autos do processo n. 0000984-16.2012.5.150003, cuja ementa segue transcrita, in verbis:
EMENTA. “AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. PRESERVAÇÃO DA SAÚDE E DA SEGURANÇA DO
TRABALHADOR. NÃO CONSTANTAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DA LEI À ÉPOCA DA SENTENÇA.
PEDIDOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO JULGADOS IMPROCEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO
PROVIDO. 1. A ação civil pública tem por
finalidade, entre outros, inibir a continuidade ou a repetição de dano
comprovado anteriormente. 2. É dever do Ministério Público do Trabalho levar a
cabo todas as medidas previstas ou não proibidas pelo ordenamento jurídico a
fim de evitar a ocorrência de novos danos. 3. O que se pretende, obviamente, é
evitar o dano, haja vista que nenhuma indenização é bastante o suficiente para
'compensar' uma vida perdida, mormente quando essa vida se prestava ao trabalho
e enriquecimento alheio. 4. Assim, nada impede que comportamentos ilegais
aconteçam ou voltem a acontecer. A regra é clara: se a prevenção é possível,
não se deve correr o risco. 5. Sentença que deve ser reformada para acolher os
pedidos de tutela inibitória realizados em sede de Ação Civil Pública.”
Outro não é o entendimento do C. TST, como demonstra a
ementa a seguir transcrita:
RECURSO DE REVISTA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDENAÇÃO
DA RÉ EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - CONDUTA REGULARIZADA NO CURSO DO PROCESSO -
MULTA COMINATÓRIA - CABIMENTO. A priorização
da tutela específica na ação civil pública, que é consectário das previsões
contidas nos artigos 3º e 11 da Lei nº 7.437/85, mais do que assegurar às
partes o acesso ao bem da vida efetivamente perseguido através do processo,
traz consigo valiosa possibilidade por buscar-se tanto a tutela reparatória -
aquela que se volta à remoção do ilícito já efetivado - quanto à tutela
inibitória, consistente na qualidade da prestação jurisdicional que busca evitar
a consumação do ilícito e que, portanto, prescinde do dano. Independentemente
da modalidade de tutela específica perseguida, tem-se que a efetividade, e
mesmo a autoridade da decisão jurisdicional que a determina, fica condicionada
à utilização de meios de coerção que efetivamente constranjam o demandado a
cumprir a prestação específica que lhe foi imposta. A multa cominatória já
prevista no artigo 11 da Lei nº 7.437/85, e que também encontrava respaldo no §
4º do artigo 84 do CDC, foi generalizada no processo civil pelo § 4º do art.
461 do CPC e revela-se como instrumento pilar da ação civil pública, que hoje
se constitui num dos mais efetivos meios de judicialização dos valores
consagrados pela ordem constitucional. No caso, a pretensão deduzida pelo Ministério
Público do Trabalho compõe-se de pedidos com naturezas jurídicas distintas: foi
postulada condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo,
como forma de reparar a coletividade pela violação da ordem jurídica já
consumada, como também foi postulada a imposição, à ré, de obrigação de não
fazer consistente na abstenção da exigência de horas extraordinárias de seus
empregados fora dos limites legais, mediante tutela específica. Como forma de
assegurar a efetividade do comando jurisdicional, constou do pedido da presente
ação civil pública a imposição de multa diária no valor de R$ 10.000,00 por
trabalhador envolvido. Nesse contexto, a constatação de que a reclamada
efetivamente violava as regras atinentes à jornada dos trabalhadores foi
suficiente à imposição da obrigação, condenação esta que o juízo de primeiro
grau acertadamente subsidiou com a imposição de multa pelo eventual
descumprimento. Assim é que a superveniente adequação da ré à conduta imposta
na sentença, a uma, não a isenta de responder pelo descumprimento de decisão
judicial já verificado, porque aqui já se perfez a inadequação processual da
conduta da empresa, que em nada se confunde com o acerto ou desacerto de suas
práticas econômicas; a duas, não afasta a penalidade abstratamente imposta, uma
vez que a adequação atual da conduta da empresa ao comando legal - que, aliás,
não foi espontânea, mas resultado da coerção promovida pelo Poder Judiciário,
após atuação incisiva do Estado por meio do Ministério do Trabalho e Emprego e
do Ministério Público do Trabalho - não pode representar a isenção dos
mecanismos de coação estatal a que esta situação regular perdure. Em última
análise, a tutela que, num primeiro momento, caracterizava-se como reparatória,
a partir da adequação da conduta empresarial converte-se em inibitória, ou
seja, preventiva da lesão, que, por isso mesmo, prescinde da demonstração do
dano. Impor à ré
obrigação de não fazer sem imputar-lhe a multa cabível por eventual
descumprimento desse mandamento significa subtrair força à autoridade das
decisões dessa Justiça Especializada e, por consequência, também à atuação do
Ministério Público do Trabalho no cumprimento de seu mister constitucional. (Processo: RR - 107500-26.2007.5.09.0513 Data de Julgamento: 14/09/2011,
Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2011) (grifo nosso)
Como é cediço, a imposição de multa diária para o caso de
descumprimento da decisão judicial é a maneira mais fidedigna de sobrelevar, no
processo, os princípios da prevenção e o da precaução.
Num
primeiro momento, a prevenção deve ser parâmetro para os casos em que existe
certeza científica a respeito do evento danoso. Infelizmente, como demonstrado
por intermédio da citação de diversos estudos e informações oficiais
(principalmente o NTEP), existe respaldo técnico-científico objetivo no sentido
de que a atividade realizada pelos cortadores de cana – mormente porque pago
por produção – é causa de acometimento das mais diversas moléstias, sendo que a
grande maioria é crônica e acompanhará os trabalhadores pelo resto de suas
curtas vidas.
Depois
de constatada a existência de certeza científica sobre a ocorrência do dano,
imperioso fazer incidir, de maneira conjunta, o princípio da precaução. Isso
porque, na eventual e remota hipótese de não existir certeza científica para
todas as moléstias, o simples indício ou suspeita fundada faz com que as
atitudes potencialmente lesivas sejam evitadas e punidas.
Ora, trata-se
da tutela do direito à vida e à saúde, de modo que não existe indenização
posterior capaz de, integralmente, reparar a perda de uma vida ou o
acometimento por uma das doenças trazidas pelo NTEP. As indenizações são formas
jurídicas de criar ‘compensações fictícias’, haja vista que, nesses casos, não
se pode retornar ao status quo ante.
Por isso que a indenização é sempre a última medida jurídica que se pretende.
Por isso, ademais, que a multa diária em caso de descumprimento da r. sentença
prolatada pelo magistrado de origem deve ser mantida.
Em segundo
lugar, a reclamada apresenta irresignação no sentido de que, caso a multa seja
aplicada, haverá enriquecimento sem causa do recorrido. Trata-se, logicamente,
de argumento falacioso cujo objetivo é apenas causar impacto. Ao menos é assim
que deve entender, haja vista que é de conhecimento bastante mediano o fato de
que as multas aplicadas em sede de ação civil pública não serão, jamais,
revertidas ao Ministério Público do Trabalho, recorrido nesses autos.
É esse o teor
do art. 13, caput, da Lei de Ação
Civil Pública, in verbis:
“Art. 13. Havendo
condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo
gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente
o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos
destinados à reconstituição dos bens lesados.”
Embora
desnecessário adentrar a questão da destinação da multa, caso seja ela imposta,
adoto posicionamento no sentido de que a destinação para o Fundo de Amparo ao
Trabalhador – FAT fere a finalidade prevista pelo aludido dispositivo legal. O
FAT, a despeito de ser o único fundo existente na Justiça do Trabalho, em nada
se relaciona com a reconstituição dos bens lesados e eventualmente tutelados em
sede de ações coletivas.
Mais
interessante, e condizente com a finalidade da lei, é a conversão do valor
arrecadado em obrigação de fazer, por exemplo, consubstanciada na compra de
ambulâncias para os postos de saúde que atendem os trabalhadores da região
abrangida pelos efeitos da coisa julgada. Nessa hipótese, porque diante de
obrigação que se exaure no momento exato de seu cumprimento, não há de se falar
em falta de condições materiais do Judiciário para acompanhar o cumprimento
efetiva das destinações direcionadas para, por exemplo, entidades beneficentes
(que ainda se revela mais consentâneo com a finalidade legal, se comparado com
a destinação pura e simples para o FAT).
Portanto,
porque existe amparo legal, de um lado, e porque jamais haverá destinação da
multa para o recorrido (o Ministério Público do Trabalho), de outro, nego provimento ao pleito formulado
pela reclamada, mantendo a r.
sentença nesse ponto específico.
Em que pesem
todos esses argumentos, o apelo merece acolhimento apenas em um tópico: o prazo
para implementação da medida. De fato, o prazo de dez dias revela-se por demais
exíguo. Diante disso, a obrigação de se abster de remunerar por produção os
trabalhadores envolvidos no corte manual de cana de açucar deve ser
implementada no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da intimação do
trânsito em julgado.
PREQUESTIONAMENTO
Diante da fundamentação
supra, tem-se por prequestionados todos os dispositivos legais e matérias
pertinentes, restando observadas as diretrizes traçadas pela jurisprudência do
STF (Súmula 365) e do TST (Súmulas 284 e 297, bem como as Ojs-SDI-1 nº 118 e
119).
Ressalto, por fim, que não se exige o pronunciamento do Julgador sobre todos os argumentos expendidos pelas partes, bastando os fundamentos que formaram sua convicção, conforme já decidido pelo STF (RE nº 184.347).
DISPOSITIVO
Por todo
exposto, resolvo conhecer o recurso
ordinário interposto pela Usina Santa Fé
S.A., para, no mérito, dar-lhe
parcial provimento apenas para
ampliar o prazo de início do cumprimento da obrigação de não fazer para 180
(cento e oitenta) dias a contar da intimação do trânsito em julgado, mantida,
no mais, a r. sentença atacada, inclusive o valor arbitrado à condenação, por
seus próprios e jurídicos fundamentos e
por aqueles acrescentados acima.
HÉLIO GRASSELLI
Relator Designado
NB. A sentença é do Juiz da Vara do Trabalho
de Matão, SP, Dr. RENATO DA FONSECA JANON, Processo 0001117-52.2011.5.15.0081.
[1]
GRINOVER,
Ada Pellegrini. O Processo. Estudos e
Pareceres. São Paulo: Dpj, 2009, p.
249.
[2]
BARBAGELATA,
Héctor-Hugo. O Particularismo do Direito
do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1996. p, 24.
[3] Cf.
Melo, Guilherme Bassi de. Interesses transindividuais na esfera trabalhista. (no prelo). Editora Ltr. (aguardando publicação).
[4]
ROAR
nº 814964, 2001, DJ de 20/08/.2004. Proc. nº TST-ROAR-814.964/2001.2. SBDI-2.
Relator: Min. Renato De Lacerda Paiva. No caso, discutia-se a necessidade de
citação de todos os empregados contratados sem concurso público. A citação de todos os trabalhadores
inviabilizaria o prosseguimento da ação coletiva, perpetuando a irregularidade
combatida pelo MP.
[5]
“Ação civil pública. Litisconsórcio necessário. Não
cabimento. Devido às peculiaridades dos interesses tutelados pela ação civil
pública, nela descabe a aplicação pura e simples do princípio dos limites
subjetivos da coisa julgada. Ao contrário do processo civil tradicional onde a
coisa julgada limita-se às partes do processo, na ação civil pública a
sentença, salvo se a ação for julgada improcedente por deficiência de prova,
fará coisa julgada erga omnes, ou seja, tanto a ação julgada procedente como a
improcedente adquirem autoridade de coisa julgada perante todos os membros da
coletividade.” (TRT da 10ª Região. RO-983/2000. Relator: Juiz Mário Macedo
Fernandes Caron).
[6]
Cf.
Procedimento n. 000004.2005.15.008/3 (número antigo 02 2153-5) PRT15.
[7]
SIMON
Sandra Lia. Devido processo legal e a tutela dos interesses metaindividuais. Revista do Ministério Público do Trabalho.
São Paulo: LTr, 1998. p.36.
[8]
Cf.
Acórdão do TJSP. 9ª Câmara. Agravo nº 3312-5-SP. Relator: Des. Sidnei Beneti.
Julgado em: 10/04/1996. Ementa: Ação civil pública endereçada contra
realizadores de loteamento irregular. Desnecessidade de citação dos ocupantes
do loteamento e de adquirentes de lotes. “A citação numerosa e volátil, dada a
mutação notória de pessoas interessadas em questões como a presente, apenas
viria perenizar o litígio, levando, também, à perenização do loteamento apontado
como irregular. Agravo provido para anular a determinação de citação dos
ocupantes.”
[9]
BEDAQUE,
José Roberto dos Santos. Direito e
processo. São Paulo: Malheiros, 2011. p.95-96.
[10]
Ação
rescisória. Terceiro interessado em ação civil pública. Citação. ”A ação civil
pública visa à salvaguarda dos interesses que envolvam tutela de direitos
difusos, onde temos uma pulverização dos interesses dos lesados, por isso que a
Lei 7.347, de 1985, estabelece regime litisconsorcial meramente facultativo,
não exigindo, sob pena de nulidade do processo – aliás, não expressamente
cominada -, a citação do terceiro interessado, cujo interesse é sempre
individual.” (TRT. AR 00256/2000.Relator: Juiz Bertholdo Satyro. Acórdão
publicado no DJ de 13/072001. No mesmo sentido, vide processos nº
0176440-13.1999.5.15.0010; TST-ROAR-005/2004-000-11-00.4 – SBDI 2; e ROAR -
5/2004-000-11-00.
[11]
Trecho
retirado do artigo intitulado “Por que morrem os cortadores de cana?”, da
autoria de Francisco Alves, Professor Adjunto da Universidade Federal de São
Carlos. Disponível do sítio da Pastoral do Migrante de Guariba.
[12] A Organização Mundial de Saúde define saúde como
sendo um estado de completo bem estar físico, mental e social e não apenas a
ausência da doença ou da enfermidade.
[13] Ergonomia, Projeto e Produção, Ed. Edgard
Blücher Ltda, 1990, pág. 284
[14] Iida, Itiro, op. cit., pág. 284.
[15] Medicina Básica do Trabalho, Vol. II, Coord.
Sebastião Ivone Vieira, Genesis, 1994, 1ª ed., p. 283.
[16] Sell, Ingborg, op.
cit., pág. 284.
[17] http://prosst1.sesi.org.br/portal/main.jsp?lumPageId=4028E4810FF37F2A010FF3B1FDAB07AD&lumI=publicacao.listPublicacoesCNAE&COD_CLASSIFICACAO_CNAE=281
[20] http://www.portal.ufra.edu.br/attachments/1026_ERGONOMIA%20E%20SEGURAN%C3%87A%20DO%20TRABALHO.pdf
[21] Parecer Técnico n. 01/2008. Campo Grande.
06/05/2008. Disponível em: HTTP://pesquisa.fundacentro.gov.br/linkpdf/40399.pdf. Acesso em 03.10.2013.
[22]
É
com um grande atraso que os direitos dos trabalhadores foram positivados no
texto constitucional brasileiro, já que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), prevê em seu artigo XXIII – 1 que “toda pessoa tem direito ao
trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de
trabalho e à proteção contra o desemprego.”
[23] Art. 186. A função
social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
II
- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
III
- observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV
- exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[24]
MONTANHANA,
Beatriz. A constitucionalização dos direitos sociais e a afirmação da dignidade
do trabalhador. In: FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Coord.). Direito do trabalho – direitos humanos. São Paulo: BH, 2006. p.92.
[25]
Apud MONTANHANA,
Beatriz. A constitucionalização dos direitos sociais e a afirmação da dignidade
do trabalhador. In: FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Coord.). op. cit. p.102.
[26]
COMPARATO,
Fábio Konder. op cit. p. 50: para
este autor, “a cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados,
à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o
remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as
explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a
exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.”
[27]
Apud PIOVESAN, Flávia.
Direitos humanos e o trabalho. In: FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Coord.). op. cit. p.289.
[28]
Idem. op. cit.,
2011. p.167.
[29]
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São
Paulo: LTr, 2000. p.382. Ainda sobre o tema confira ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Escala
Educacional, 2006.p.9, obra na qual o autor entende que abandonar os homens à
própria sorte é esquecer a razão de ser do Estado, bem como do contrato social, que dá título ao livro.
[30]
MASI,
Domenico de. O futuro do trabalho.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. p.289-290.
[31]
Cf.
Maria Aparecida Moraes Silva, pesquisadora da UNESP, para quem o excesso de
trabalho pode caracterizar a escravidão. “Eles estão morrendo de overdose de
trabalho”. Jornal Brasil de Fato, de 24 a 30 de junho de 2004.
[32] Cf. ADI 1.946/DF; ADI 2.065-0/DF; ADI 3.104/DF;
ADI 3.105-8/DF; ADI 3.128-7/DF; e o Mandado de Segurança nº 24.875-1/DF.
[33] SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p.449.
[34] Direitos dos trabalhadores; direito à saúde;
direito à educação; entre outros.
[35] CANOTILHO,
Joaquim José Gomes. Direito constitucional
e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998. p.340: assevera este
autor que “o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado
através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente
garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a
criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na
prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse
núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial
já realizado.”
[36]
SARLET, Ingo
Wolfgang. op. cit. p.205. Cf.
também COMPARATO, Fábio Konder. op. cit. p.79.
[37] Cf. http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm,
acesso em 1.10.2013.
[38] Dissertação de Mestrado apresentada à
PUC/SP, no ano de 2013, sob o título: Configuração
do dano à moral difusa a partir da delimitação jurídica do patrimônio imaterial
coletivo”, pp. 52-56.
[39] ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004): 'ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).'
[40] Art. 421. A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
[41] Veja quadro constante da f. 32 dos autos.
[42] De acordo com a NR15, o índice IBTUG máximo deve
ser de até 25º C.
[43] O dumping social é caracterizado pela violação, de forma consciente e
reiterada, dos direitos fundamentais dos trabalhadores, com o objetivo de
conseguir vantagens comerciais e financeiras, aumentando a competitividade,
provocando uma concorrência desleal no mercado, em razão do baixo custo da
produção de bens ou serviços. Várias são as práticas que podem configurar o dumping social, como o pagamento
inferior ao legal, o descumprimento da jornada de trabalho, a terceirização
ilícita, a inobservância das normas de medicina e segurança do trabalho, entre
outras.
[44] Teoria dos direitos fundamentais.
Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Ed. Malheiros, 2008,
pp.117-118.
[45] Tutela
inibitória: individual e coletiva. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 80.
Nenhum comentário:
Postar um comentário