sábado, 12 de outubro de 2013

AVANÇO SOCIAL: TRT15 MANTÉM PROIBIÇÃO DO PAGAMENTO POR PRODUÇÃO POR USINA



                                 Noticia
 
CANAVIEIROS & MORTE POR EXAUSTÃO
 
É sabido que o trabalho dos canavieiros é uma das atividades mais penosas, levando muitos trabalhadores à morte por exaustão, mormente pelo esquema adotado pelas empresas de obriga-los a essa exaustão pela forma de remuneração de seu trabalho, por produção, com garantia, apenas, do salário mínimo, sendo forçados a chegar a completa exaustão para que consigam, no final do mês, obter uma remuneração que varia entre 600 (seiscentos) e 900 (novecentos) reais.

Leia a íntegra do Acórdão

ACÓRDÃO Nº

RECURSO ORDINÁRIO

TRT 15ª REGIÃO - 6ª TURMA – 11ª CÂMARA

PROCESSO Nº0001117-52.2011.5.15.0081

RECORRENTE: USINA SANTA FÉ S.A

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PRT/15ª REGIÃO

ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE MATÃO

JUIZ SENTENCIANTE: RENATO DA FONSECA JANON

 

 

EMENTA: “AÇÃO COLETIVA. INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CORTADOR DE CANA. PAGAMENTO POR PRODUÇÃO. PROIBIÇÃO. SINGULARIDADE DA ATIVIDADE. POSSIBILIDADE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AO VALOR SOCIAL DO TRABALHO. 1. O Ministério Público do Trabalho, como é cediço, possui legitimidade para tutelar interesses individuais homogêneos, além, obviamente, dos difusos e dos coletivos. 2. In casu, não há de se falar em interesse individual heterogêneo, tal como pretende a reclamada. O fato de todos os trabalhadores serem cortadores de cana e receberem por produção configura, indubitavelmente, a origem comum apta a ensejar a aplicação do art. 81, §único, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor. O que se pretende, na verdade, é conferir nova nomenclatura a instituto já definido pelo referido dispositivo legal. 3. A proibição do pagamento por produção, no caso específico dos cortadores de cana, é medida impeditiva de retrocesso social. Como é sabido, nesse caso existe um estímulo financeiro capaz de levar o trabalhador aos seus limites físicos e mentais para que, mesmo assim, aufira salário mensal aviltante e incapaz de suprir as necessidades básicas próprias e as de sua família. 4. Não se deve concluir pela proibição do pagamento por produção para todas as profissões, mas tão somente para aquelas cujas peculiaridades as tornem penosas, degradantes e degenerativas do ser humano. É o caso dos cortadores de cana, embora não exclusivamente. 5. Deve-se entender, de uma vez por todas, que o cortador de cana remunerado por produção não trabalha a mais porque assim deseja. Muito pelo contrário: ele trabalha a mais, chegando a morrer nos canaviais, unicamente porque precisa. Sua liberdade de escolha, aqui, é flagrantemente tolhida pela sua necessidade de sobreviver e prover sua família. 6. A dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, Fundamentos da República Federativa do Brasil, devem impedir a manutenção de uma situação que remonta aos abusos cometidos durante a 1ª Revolução Industrial, de modo que a coisificação do ser humano que trabalha nos canaviais é realidade que não se admite há muito tempo.”

 

 

 

 

 

                                   Inconformada com a r. sentença de fls. 1418/1529, recorre a reclamada (fls.1538/1551).

 

                                   Em suas razões de recurso ordinário, alega, preliminarmente, que o feito deve ser extinto sem resolução de mérito, haja vista eventual ilegitimidade ativa do órgão ministerial para tutelar suposto direito individual heterogêneo. No mérito, sustenta que o pagamento por produção é autorizado pela lei, de modo que o Poder Judiciário equivocou-se ao proferir sentença proibindo a reclamada de remunerar seus empregados por unidade produzida. Por derradeiro, alega que a imposição de multa em caso de desobedecimento da obrigação de não fazer imposta judicialmente não encontra amparo legal e, se mantida, acarretará enriquecimento ilícito do recorrido.

 

                                   O Ministério Público do Trabalho, por intermédio de seu digno representante, Dr. Rafael de Araújo Gomes, contrapôs-se aos argumentos apresentados, concluindo pela necessidade de manutenção da r. sentença proferida (fls. 1559/1564).

 

                                   É o relatório.

                                  

                                   ADMISSIBILIDADE

 

                                   Conheço do recurso interposto porque presentes os requisitos de admissibilidade.

 

 

                                   DAS PRELIMINARES ARGUIDAS PELA RECLAMADA

 

                                   Em suas razões de recurso ordinário, a reclamada esforçou-se por demonstrar, por intermédio de preliminares e prejudiciais, que o mérito da questão não deve ser julgado. Basta, para tanto, notar o quão extensa foi sua argumentação no que toca à tentativa de convencer este E. TRT a acatar alguma das inúmeras preliminares arguidas.

 

                                   De maneira geral, alegou que o tema envolvendo o pagamento por unidade de produção, especificamente no caso dos cortadores de cana-de-açúcar, diz respeito a típico interesse individual heterogêneo, o que afasta a legitimidade de atuação do órgão ministerial. Aliado a isso, sustentou que a Ação Civil Pública julgada procedente pelo magistrado de 1ª Instância carece de objeto, haja vista a tomada de compromisso de ajustamento de conduta às previsões legais perante o Ministério Público do Trabalho. Por fim, construiu fundamentação no sentido de demonstrar que o pagamento por produção é permitido pela legislação em vigor, de modo que a r. sentença feriu o princípio da legalidade.

 

                                   Em síntese, esses foram os argumentos apresentados pela reclamada, muito embora estejam eles apresentados em diversos tópicos que, de uma maneira ou de outra, repetem-se sucessivamente.

 

                                   A despeito de a r. sentença proferida ter enfrentado todos os óbices de mérito apresentados, utilizando-se de persuasão racional refinada e precisa – com a qual concordo plenamente, a importância jurídica e social da causa, e também o dever, impulsiona a análise, ainda que breve, dos pontos obstativos apresentados pela reclamada.

 

Eis, então, os fundamentos.

 

                                   DA PERDA DE OBJETO DA AÇÃO

 

                                   Como primeiro ponto, a reclamada alega que a ação que ensejou a presente discussão perdeu o objeto, sendo inaplicáveis os fundamentos da sentença. Afirma, a fim de justificar sua defesa, que os trabalhadores possuem condições dignas de trabalho, mormente com a assinatura, sem resistência, do TAC proposto pelo Ministério Público do Trabalho.

                                  

                                   Prima facie, afasto a preliminar apresentada, de modo que não assiste razão à reclamada.

 

                                   Da ata de audiência realizada na sede da PTM Araraquara, f. 720, constou expressamente, item 3, que a ação prosseguiria com relação ao pedido referido no item 8, letra “e”, para julgamento de mérito, não sendo abrangido por conciliação ou desistência. Portanto, beira à má-fé a alegação da ré.

 

                                   Ora, se a Ação Civil Pública que originou a presente discussão tivesse perdido seu objeto, a reclamada não se esforçaria para demonstrar que o pagamento por unidade de produção é legal. Isso porque o único e exclusivo objeto da ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho foi impedir o pagamento por produção dos cortadores de cana que laboram para a reclamada.

 

                                   Os fundamentos apresentados pela reclamada, nesse tópico especificamente considerado, apresentam inegável deficiência técnico-processual, pois afirmar que a Ação Civil Pública perdeu o objeto seria exatamente o mesmo que reconhecer a procedência do pedido formulado pelo órgão ministerial. Isso tudo em termos práticos, obviamente.

 

                                   Nessa cadência, a perda do objeto ocorreria se a reclamada afirmasse não mais remunerar seus empregados em razão da quantidade produzida. Evidentemente que a pretensão resistida, apta a justificar a atuação ministerial, ainda perdura.

 

                                   Não fosse assim e a reclamada teria aderido, de maneira integral, ao termo de compromisso de ajustamento de conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho, o qual combatia a famigerada prática de pagamento por produção aos cortadores de cana.

 

                                   Já que não aquiesceu, em âmbito extrajudicial, em se abster de remunerar seus empregados em razão da produção aferida, a ação coletiva foi ajuizada como única maneira de pacificar o ponto conflitivo restante.

 

                                   Sendo assim, por óbvio, não há que se falar em perda do objeto da ação civil pública que ensejou o atingimento do presente momento processual, de modo que afasto a primeira preliminar.

 

                                   DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

                                   Em segundo lugar, a reclamada afirma que o interesse envolvido no presente caso é evidentemente heterogêneo, cuja consequência processual é o afastamento da legitimidade de atuação do Ministério Público do Trabalho. Argui, assim, que não existe origem comum que una os trabalhadores, pois a situação de cada um deles deve ser analisada individualmente.

 

                                   Primeiramente, consigne-se que, na hipótese vertente, o Ministério Público do Trabalho pediu e obteve, em face da recorrente, a condenação para se abster de remunerar seus empregados, envolvidos na atividade de corte manual de cana-de-açúcar, por unidade de produção, sob pena de multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por trabalhador atingido, a cada mês em que se verificar o descumprimento.

 

Assim, luzidio que se trata de tutela de interesses difusos, não havendo a determinação dos sujeitos atingidos, pois os atuais e futuros empregados serão beneficiados com a proteção do bem maior que é a saúde e a vida.

 

Efetivamente, não se pretendeu e não se obteve, em face da recorrente, nesta Ação Civil Pública o pagamento de reparações pecuniárias individuais, para satisfazer determinados empregados, mas o cumprimento da obrigação de não fazer, a fim de sanar de forma coletiva e indivisível, a prática funesta do pagamento por produção.

           

Tratando-se da defesa de interesses coletivos e difusos, adequado se mostra o uso da AÇÃO CIVIL PÚBLICA, nos termos da Lei n. 7.347/85, art. 1º, IV, c.c. com art. 129, III, da Constituição Federal e art. 83, III, da Lei Complementar 75/93.

 

Ainda que não se tratasse de direitos difusos, mas sim de individuais homogêneos, é patente a legitimidade do Ministério Público do Trabalho.

 

A tutela coletiva dos direitos na Justiça representa, conforme afirma Ada Pellegrini Grinover, uma verdadeira revolução, cujo escopo maior é a garantia da universalidade da jurisdição: [1]

 

 

A maior revolução talvez se tenha dado exatamente no campo do processo: de um processo individualista a um modelo social, de esquemas abstratos a esquemas concretos, do plano estático ao plano dinâmico, o processo transformou-se de individual em coletivo, ora inspirando-se no sistema das class actions da common Law, ora estruturando novas técnicas, mais aderentes à realidade social e política subjacente. Tudo isso alterou o quadro do acesso à Justiça, facilitado por intermédio dos portadores, em juízo, dos interesses transindividuais, que se substituem aos litigantes a título individual, fracos do ponto de vista econômico e organizacional, e que simplesmente não levavam suas pretensões ao Poder Judiciário. E com isso também se desenhou uma nova realidade para o princípio da universalidade da jurisdição, a qual se abriu a novas causas e a novos titulares de conflitos.

 

Sob tal prisma, busca-se atualmente a permissão para que o maior número de lesões, ainda que individualmente de pequena repercussão, seja coletivamente sanado pela Justiça ou no âmbito extrajudicial, de forma a se obter a necessária pacificação social. Nesse sentido, a pretensão da recorrente de obrigar, com o provimento de seu apelo,  cada trabalhador individualmente lesado a buscar o seu direito fora da tutela coletiva é, antes de mais nada, um enorme retrocesso, sob o aspecto processual, social e doutrinário. É a efetiva negação do direito.

 

Efetivamente, é difícil acreditar que a reclamada defenda uma tese tão reacionária em matéria de tutela coletiva dos direitos fundamentais, que já foi ultrapassada pelos avanços da ciência processual contemporânea.

 

É bem verdade que até pouco tempo ainda se viam decisões que pretendiam restringir à legitimidade do Ministério Público do Trabalho, retirando-lhe a possibilidade de tutela dos direitos e interesses individuais homogêneos.

 

Todavia, essas decisões, invariavelmente, foram reformadas pelas Cortes superiores, pois esse entendimento ofendia a Constituição Federal e a Lei Complementar n. 75/93, artigo 6º, inciso VII, alínea “d”, desconsiderava uma das razões de ser das ações coletivas: eliminar as lesões de massa, julgando-as em uma só ação (tutela coletiva de direitos).

 

Bem por isso, a restrição que se encontrava à defesa dos direitos individuais homogêneos pelo Ministério Público do Trabalho, foi reformada pelo e. Supremo Tribunal Federal, que assim decidiu no caso:

 

O Ministério Público do Trabalho interpôs RE (fls. 471/494) para que fosse reconhecida sua legitimidade processual para defesa de interesses individuais homogêneos, com fundamento em precedentes do STF. O RE foi admitido (fls. 533/534). A PGR opinou favoravelmente à pretensão do Recorrente (fls. 541/545). Destaco do parecer: “... O E. Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 213.015-0, Relator Ministro NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 24.05.2002, fixou o entendimento de que, independentemente da própria lei fixar o conceito interesse coletivo, ele é conceito de direito constitucional, “na medida em que a Carta Política dele faz uso para especificar as espécies de interesses que compete ao Ministério Público defender (CF, art. 129, III)”. Reportando-se ao RE 163.231-3/SP, o E. Ministro NÉRI DA SILVEIRA recordou que, naquele julgado, a Corte havia fixado o entendimento de que são direitos “... coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” e que os “Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) constituindo-se uma subespécie de direitos coletivos.” (fls. 543). O acórdão recorrido está em confronto. Dou provimento ao RE. Publique-se. Brasília, 17 de dezembro de 2003. Ministro NELSON JOBIM Relator (RE 393229, publicado em 02/02/2004)

 

Percebe-se, assim, que a Suprema Corte já firmou jurisprudência no sentido de que os interesses individuais homogêneos, para os fins da tutela coletiva, são subespécie de direitos coletivos. Então, a disposição no art. 83, inciso III, que afirma que cabe ao Ministério Público do Trabalho o ajuizamento de ações civis públicas para a tutela de direitos coletivos dos trabalhadores abrange tanto os direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos.

 

Assim, analisando-se o recurso da ré, percebe-se que estamos diante de um pleonasmo, ou seja, inventou-se um novo nome para a mesma a tese, antiga, já rejeitada pela Corte Suprema. Requentou-se a tese, agora sob o pomposo nome de tutela dos “interesses heterogêneos”, contudo, trata-se da mesma tese retrógrada, processual e social, que pretende que cada trabalhador prejudicado procure a tutela judicial de forma individual. É um grande retrocesso na ciência do direito e um flagrante desprestígio aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal!

 

Como se sabe, a tendência moderna é a “molecularização” das demandas, e não sua “atomização”, segundo ensina Kazuo Watanabe, para quem todo o sistema de tutela coletiva foi construído com o escopo de “tratar molecularmente os conflitos de interesses coletivos, em contraposição à técnica tradicional de solução atomizada, para com isso conferir peso político maior às demandas coletivas, solucionar mais adequadamente os conflitos coletivos, evitar decisões conflitantes e aliviar a sobrecarga do Poder Judiciário, atulhado de demandas fragmentárias” (“Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do projeto”. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 631).

 

Nesse sentido, confira-se o seguinte acórdão:

 

 

1.MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – LEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA: O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho, ação civil pública para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Inteligência dos artigos 127 e 129 da Constituição Federal e artigo 83 da Lei Complementar nº 75/93. 2. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - DEFESA DE INTERESSES RELEVANTES E INDISPONÍVEIS: A tendência mundial do Direito moderno, inaugurada no Encontro de Florença, presidido por Mauro Cappelletti, em 1975, é a de coletivizar as soluções decorrentes dos conflitos entre pessoas. A ação civil pública é um remédio eficaz e abrangente para a solução de tais conflitos, nada impedindo que seja proposta para pretensões condenatórias e de obrigações de fazer e não fazer. Há longa data que se pacificou o entendimento de que a ação civil pública é cabível na Justiça do Trabalho, com certas adaptações procedimentais, eis que compatível com princípios informadores do processo obreiro. É veículo rápido de solução dos conflitos e, por ser abrangente, deve ser prestigiado. Segurança que se denega. (TRT 2ª Região - Processo: SDI - 00741/2000-2. Espécie: MANDADO DE SEGURANÇA - Acórdão: 2000017094) (negrejamos)

 

 

É sempre bom deixar claro que a defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores por meio da ação coletiva traz inúmeras vantagens, dentre as quais se destacam: 1) evita a proliferação de demandas repetitivas sobre os mesmos fatos; 2) a despersonalização do polo ativo da demanda, impedindo que os lesados sofram as agruras de uma demanda judicial. Isso é salutar na Justiça do Trabalho – leia-se Justiça de desempregados –, haja vista que, na inexistência de estabilidade no emprego, raramente os trabalhadores se sentem em condições de demandar em face do seu empregador, mesmo porque apresentam significativo temor em relação ao desemprego, ainda mais quando estão em situação de vínculo empregatício com a sociedade empresária; 3) a democratização do acesso ao Judiciário; 4) a ocupação do pólo ativo por uma pessoa com melhores condições de litigar em face dos grandes conglomerados, causadores de lesões de massa, já que o cidadão sozinho não teria condições de fazê-lo, o que asseguraria a igualdade processual nos polo da demanda e daria maior paridade de armas aos lesados, pois o homem comum não tem condições financeiras para custear uma demanda e tampouco possui condições psicológicas para aguardar por longo tempo; 5) evita a proliferação de decisões contraditórias sobre a mesma questão fática que tanto desprestígio traz ao Poder Judiciário. O cidadão comum não consegue entender porque a sua demanda não foi acolhida, ao contrário do que ocorreu com seu colega de trabalho; 6) dá concretude aos princípios da celeridade e economia processuais artigo 5º – incisos XXXV e LXXVIII – CF/88.

 

A tese reacionária de se criar os interesses ou direitos “individuais heterogêneos”, a par das três categorias previstas na Lei 8.078/90, é nítida tentativa de escapar da jurisprudência uniforme da Corte Constitucional acerca da ampla legitimidade do Ministério Público do Trabalho na defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

 

Já passou a fase da ilegitimidade do MPT para a tutela dos interesses difusos, a respeito dos quais se dizia, no início da década de 1990, que nem sequer existiam na seara laboral! Já passou a fase da negatividade da legitimidade para a tutela dos interesses coletivos. Já passou a fase da ilegitimidade do MPT para os individuais homogêneos, expressamente afastada pela mais alta corte judiciária do Brasil.  Diante disso, é  de pensar-se: até onde vai a sanha dos que não querem a coletivização do processo do trabalho? A universalidade da Justiça para a pacificação social? A reparação das lesões de maneira rápida e eficaz? Francamente, a quem serve a restrição da atuação do Ministério Público na tutela coletiva dos direitos indisponíveis, sociais, dos trabalhadores?  A quem serve a fragmentação das ações?  Certamente não serve para a efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores e para a construção de uma sociedade mais igualitária.

 

De outra ponta, alguém duvida de que os trabalhadores devem ter direito a um ambiente de trabalho seguro e sadio, a uma forma de remuneração que não leve o trabalhador ao seu esgotamento físico e mental? É patente, com certeza, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho nesta ação civil pública.

 

Ao afirmar que a ação civil pública descreve situação de “direitos heterogêneos”, a recorrente pretende, efetivamente, a não existência de direitos difusos e coletivos, bem como de individuais homogêneos. Isto porque todo ato que resulta em direitos coletivos em sentido amplo pode também gerar lesão a direitos individuais.  Sob esse argumento não existiriam direitos coletivos ou difusos no âmbito trabalhista, pois todas as lesões acabam sendo “experimentadas” individualmente por cada um dos trabalhadores da ré.

 

Vê-se, logo, o equívoco do apelo apresentado. Toda experiência coletiva trabalhista é composta também de experiências individuais. Toda lesão, seja ao meio ambiente do trabalho, seja de fraude trabalhista, ou mesmo de discriminação ou ataque a direito fundamental, atinge individualmente algum ou alguns trabalhadores. Ao contrário, grande parte das lesões individuais trabalhistas tende a atingir também uma dimensão coletiva, pela própria natureza de massa das relações de trabalho. Essa a opinião de Barbagelata,[2] quando fala justamente do particularismo do Direito do Trabalho:

 

A dimensão coletiva se projeta no conflito individual e nas relações dessa natureza, não só pela eventualidade de que todo conflito individual se transforme em coletivo, mas também pela própria integração do problema do trabalhador, individualmente considerado, no mundo do trabalho. Em princípio, a dita integração tem como conseqüência que todo ato com relação a um conflito individual adquire projeção coletiva.”

 

Demais disso, ainda que não se considere a existência de interesses difusos, salta aos olhos a origem comum apta a unir os interesses individuais dos cortadores de cana expostos ao pagamento por produção, o que evidencia sua homogeneidade.[3]

 

Ora, são todos cortadores de cana remunerados por produção. Não considerar esse contexto fático como origem comum suficiente para configurar o interesse individual homogêneo previsto pelo art. 81, parágrafo único, inc. III do CDC, seria o mesmo que negar vigência a dispositivo de lei plenamente em consonância com o art. 127 da Constituição Federal.                       

                                  

Peço vênia, assim, para transcrever trecho da r. sentença. In verbis:

 

                                   “Em casos similares, o Eg. Regional da 15a. Região assim se pronunciou: PROC. TRT/15ª REGIÃO Nº 00860-2001-079-15-00-9 RO (21.718/2003- RO-2)AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS OU INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE. Ao Ministério Público compete, nos termos da Constituição Federal vigente, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Nesse sentido, assegura-lhe a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, como instrumento de atuação, a capacidade de promover o inquérito civil e a ação civil pública para (...) interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (art. 6º, VII, “d”), especialmente quando decorrentes dos direitos sociais dos trabalhadores (art. 84, II). No mesmo trilhar, aliás, está o art. 5º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985. Assim, detém legitimidade o Ministério Público do Trabalho para, mediante ação civil pública, pleitear a tutela não só de interesses difusos ou coletivos como também individuais homogêneos, entendidos como decorrentes de uma origem comum, fixa no tempo, correspondente a ato concreto lesivo ao ordenamento jurídico, que permite a determinação imediata de quais membros da coletividade foram atingidos. RELATOR LUÍS CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA PROCESSO TRT/15ª REGIÃO N. 01322-2005-091-15-00-9 INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Quando o objeto da lide se refere a interesses que advêm de origem comum, e ostentam natureza homogênea, está justificada a legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo da ação civil pública, o que vem conferir celeridade na solução dos casos de macro-lesão e garantir maior segurança jurídica, evitando decisões conflitantes.

RELATORA TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI PROCESSO TRT/15a.REGIÃO No.2028/2000-MS-9 “Os interesses individuais homogêneos, segundo o Código de Defesa do Consumidor, são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, ou seja, oriundos das mesmas circunstâncias de fato, embora em sentido lato os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos. Ora, a ação civil pública presta-se basicamente à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, sendo inquestionável que o Ministério Público detém legitimidade, decorrente de legitimação extraordinária. Isto porque a Lei Complementar nº 75/93, que regulamentou as atribuições do Ministério Público da União, no capítulo que trata das atribuições do Ministério Público do Trabalho, estabelece, expressamente, no artigo 83, inciso III, a legitimidade do Órgão Ministerial para propor ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. E, embora tal preceito seja omisso quanto aos interesses individuais homogêneos, haja vista que refere-se apenas a interesses coletivos, os quais, em princípio, abrangeriam somente os difusos e coletivos “stricto sensu”, esta omissão é sanada pelo artigo 84, da mesma Lei Complementar nº 75/93, o qual afirma expressamente que ao Ministério Público do Trabalho incumbe exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III, IV, do

Título I, sendo certo que no Capítulo II, do Título I, no seu artigo 6º, inciso VII, alínea “d”, é expressamente outorgado ao Ministério Público da União legitimidade para promover a ação civil pública para a defesa de “outros interesses individuais indisponíveis homogêneos, sociais, difusos e coletivos”, atraindo a conclusão lógica de que o Ministério

Público do Trabalho detém igual legitimidade no âmbito das suas atribuições. E essa legitimidade é ressaltada, de forma inequívoca, quando, como no caso, os interesses individuais homogêneos, espécie da qual é gênero o interesse coletivo, adquirem tal volume e importância que acarretam transtornos sociais em desobediência à ordem jurídica. De resto, é do órgão judicial de primeira instância a competência para a prestação de tutela em matéria de interesses metaindividuais no campo das relações de trabalho, nos termos do artigo 651 do diploma consolidado...”. RELATOR SAMUEL CORREA LEITE

 

Em decisão oriunda do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em voto da lavra do eminente Ministro Maurício Corrêa, assim se decidiu sobre os interesses coletivos:

 

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum, constituindo-se subespécies de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme na espécie interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categoria ou classe de pessoas” (RE 163.231-3/ SP, in DJU 29.06.2001).

 

O C.Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do processo TST-RR-738.714/2001.0, mediante acórdão da lavra do Ministro Barros Levenhagen, também decidiu:

 

os interesses coletivos podem ser tanto os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele, decorrentes de origem comum no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo. Assim, a indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinação é a daqueles interesses que envolvem os coletivos”.”

           

                                   Na realidade, frise-se, o que se evidencia é uma tentativa de criar nomenclatura diferenciada para instituto jurídico já existente. O Código de Defesa do Consumidor é extremamente claro ao dispor sobre os interesses individuais homogêneos, de modo que a transmutação dessa categoria de interesses para os supostamente “interesses individuais heterogêneos” beira a má-fé.

 

                                   Se não bastasse esse argumento, é imperioso relembrar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 127, caput, determina a legitimidade do Ministério Público para tutelar interesses individuais indisponíveis, ainda que puramente individuais.

 

                                   Desnecessário ressaltar que estamos diante de situação que envolve tutela da vida e da saúde dos trabalhadores, de modo que a questão do pagamento por produção é apenas a causa que desencadeia o contexto trágico que a realidade nos tem demonstrado.

 

                                   Por todo o exposto, demonstrado que se trata de interesse difuso, o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade para tutelá-lo, e mesmo que se tratasse de interesses individuais homogêneos, a solução seria a mesma, assim,  afasto a segunda preliminar trazida pela reclamada.

 

                                   DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – POSTULAÇÃO                                         CONTRÁRIA À LEI

 

                                   Nesse ponto particular, a reclamada afirma que o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação com objeto contrário à lei, de modo que o feito deve ser extinto sem resolução de mérito, nos moldes do preconizado pelo art. 267, inc. VI, do CPC. Salienta, ademais, que a litigância de má-fé deve ser reconhecida, haja vista a postulação afrontosa a texto expresso de lei.

 

                                   Há, aqui e mais uma vez, espantosa confusão entre a preliminar arguida e o próprio mérito a ser oportunamente apreciado. Desse modo, não assiste razão à reclamada.

 

                                   O interesse processual, como é cediço, resume-se no binômio necessidade e adequação, cuja verificação deve ser concomitante. Uma análise bastante perfunctória dos autos demonstra que o interesse processual é evidente e decorre do fato de que a reclamada não aquiesceu com todas as cláusulas do termo de compromisso de ajustamento de conduta proposto pelo órgão ministerial. De fato, necessária a provocação do Judiciário para ver sua pretensão apreciada. Por fim, indubitável a adequação do meio eleito pelo Ministério Público do Trabalho.

 

                                   O fato de a reclamada defender que o pagamento por produção decorre diretamente da legislação infraconstitucional em vigor resume, na realidade, verdadeira análise de mérito.

 

                                   Justamente porque sua análise de mérito baseia-se em premissa juridicamente distinta da apresentada na inicial é que o interesse processual se sobreleva e se torna irrefragável. Entendesse o órgão ministerial da mesma forma que a reclamada e, aí sim, não haveria pretensão resistida justificadora da necessidade e da adequação, respectivamente, da provocação judicial e do meio eleito. Felizmente, essa coincidência de entendimentos não se verifica na prática.

 

                                   Por todo o exposto, afasto a terceira preliminar apresentada pela reclamada.

 

                                   DA CARÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – CONDIÇÃO                                       OBJETO DE NEGOCIAÇÃO SINDICAL

                       

                                   Como quarta preliminar de mérito, a reclamada afirma que as condições de trabalho referentes ao pagamento por produção foram negociadas, de forma coletiva, entre os legítimos representantes das partes envolvidas. Assim, mais uma vez pugna pela não existência de interesse processual apto a ensejar a atuação do Ministério Público do Trabalho.

 

                                   Pois bem. Não assiste, novamente, razão à reclamada.

 

                                   Cristalino o fato de que a atuação do órgão ministerial tem como finalidade precípua a tutela da vida e da saúde dos cortadores de cana que laboram para a reclamada. Sendo assim, a pretensão ministerial tem fundamento constitucional direto e irretorquível. Portanto, seria antijuridico negar interesse processual ao órgão ministerial porque existentes cláusulas negociadas que versam sobre o esquema de pagamento ora esgrimado.

 

                                   Ademais, não pode o negociado prevalecer sobre normas constitucionais que visam proteger a vida e a saúde dos trabalhadores.

 

                                   Nesse sentido, transcrevo, mais uma vez, a correta argumentação apresentada pelo magistrado de 1ª Instância, in verbis:

 

Da mesma forma, não há que se falar em carência de interesse processual por versar o pedido sobre “condição objeto de negociação sindical”, pois o disposto no artigo 7º, inciso.XXVI, da Carta Magna” reconhece o direito à celebração das normas coletivas como um “direito social do trabalhador”, de modo que estas normas podem ampliar os direitos trabalhistas, mas não reduzi-los ou erradicá-los, sendo que, nos termos do art. 620 da CLT, havendo conflito, prevalecem somente as condições que forem mais benéficas aos empregados. Além disso, a mesma Constituição que reconhece o direito à negociação coletiva também prevê, de forma expressa e antecedente, que todo o ordenamento jurídico deverá ser interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, III, da Carta Magna. Significa dizer: não se admite norma coletiva que coloque em risco à saúde e a vida dos trabalhadores.  Também não havia necessidade alguma de o autor mencionar as normas coletivas ou de fazer qualquer pedido a esse respeito, uma vez que não se trata de ação anulatória de cláusula convencional ou de acordo coletivo, não sendo a pretensão dirigida a toda categoria nem, tampouco, à entidade sindical, mas sim à empregadora.”

                                  

                                   Interessante, aqui, transcrever a argumentação apresentada pela reclamada a fim de justificar a imperatividade e prevalência daquilo que foi negociado, in verbis:

 

25. Note-se que o estabelecimento de salário por produção, ao contrário do disposto na r. sentença, não tem o condão de erradicar ou reduzir qualquer direito trabalhista; ao reverso, se trata apenas e tão somente da aplicação de um direito regularmente previsto na CLT e que, obviamente, está em plena consonância com a Constituição vigente, pois visa a melhoria das condições sociais dos trabalhadores, como prescreve o art. 7º, caput, da CF.” (grifo nosso) (fl. 1543 - verso)

 

                                   Causa espécie a afirmação de que o pagamento por produção, para aqueles que devem sustentar suas famílias com a garantia de um salário mínimo, é medida que visa a melhoria das condições sociais dos trabalhadores. Contudo, porque aqui haverá apreciação do mérito, reservo-me a afirmar, somente, que nessa conclusão da reclamada há necessária inversão dos valores consagrados, com muito sangue e suor, pela Constituição Federal

 

                                   Por conseguinte, afasto a quarta preliminar de mérito apresentada pela reclamada.

 

 

                                   DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO

 

                                   Como quinta preliminar de mérito, a reclamada afirma que os sindicatos profissionais rurais, a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo e os sindicatos profissionais de Nova Europa, Ibitinga e Tabatinga deveriam ter figurado como litisconsortes necessários desde o início do processo.

 

                                   Alega, portanto, que a pretensão de ver afastada cláusula de negociação coletiva que prevê o pagamento por produção deveria ser acompanhada da participação processual obrigatória daqueles que a entabularam. Assim, como a pretendida integração aos polos ativo e passivo não ocorreu, a reclamada pugna, mais uma vez, pela extinção do processo sem resolução do mérito.

 

                                   Não há que se falar, in casu, em litisconsórcio necessário, de modo que não merecem guarida as razões de inconformismo apresentadas pela reclamada.

 

                                   Trata-se, como bem delimitada pela r. sentença, de ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho com o objetivo único de coibir a reclamada de estabelecer remuneração por produção aos seus empregados cortadores de cana.

 

                                   Evidente, assim, que a decisão proferida, delimitada pelo pedido elaborado na inicial, volta-se somente contra a reclamada, motivo pelo qual seria desnecessário e processualmente impossível chamar ao processo os referidos litisconsortes, mormente na condição de necessários.

 

                                   O art. 47 do CPC, cuja aplicação é bastante duvidosa no processo do trabalho (seja ele individual ou coletivo), assim dispõe:

 

Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.”

 

                                   Não existe, nos autos, o contexto que justifica a aplicação do referido dispositivo legal. Isso porque, em primeiro lugar, não existem partes, mas tão somente uma parte no polo passivo, que é a reclamada. Em segundo lugar, não existe imposição legal ou natureza da relação jurídica que imponha a integração necessária dos referidos sindicatos aos polos da presente demanda.

 

É sempre bom lembrar que não é conveniente o livre acesso de litisconsortes e de assistentes na ação civil pública, pois a experiência demonstra que isso leva a situações de difícil solução, atrasando a entrega da tutela jurisdicional.

 

Não obstante, o cidadão não pode ingressar espontaneamente como litisconsorte em ações coletivas e nem obrigatoriamente pode ser chamado a atuar no feito, pois haveria o indesejado litisconsórcio multitudinário, com número excessivo de pessoas no polo passivo, o que certamente acarreta tumulto procedimental e processual, impedindo o regular desenvolvimento da função jurisdicional.

 

O TST já decidiu que nos casos de direitos difusos, transindividuais e de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas, não existe campo propício à aplicação de normas processuais eminentemente concebidas para a citação em demandas de natureza individual, sob pena mesmo de se inviabilizarem as ações coletivas. As regras desenvolvidas para a disciplina das lides individuais são insuficientes para atender às peculiaridades das lides coletivas.[4]

 

 

De fato, tomemos como exemplo as ações que combatem as contratações sem concurso público – ofensa ao disposto no artigo 37 CF/88.

 

Na Justiça Comum, especificamente nas ações civis públicas para combater irregularidades nas contratações sem concurso público, é comum a determinação de citação de todos os empregados contratados irregularmente, bem como de todos os inscritos no certame público, já que estes eventualmente teriam interesse no feito. As demandas tramitam por anos e sem previsão de julgamento do mérito. Caso fosse adotado o posicionamento da Justiça do Trabalho[5], os feitos seriam resolvidos de forma célere e menos onerosa aos cofres públicos.[6]

 

 

A obrigatoriedade de se incluir no polo passivo da ação coletiva todos os indivíduos que foram contratados sem concurso público poderia inviabilizar a entrega da tutela jurisdicional, atrapalhar o andamento do Poder Judiciário e causar o seu descrédito perante a sociedade.[7] Some-se a isso que a citação de todos os trabalhadores contratados irregularmente – ou dos milhares de inscritos ao certame público – causaria enorme tumulto processual e inviabilizaria a ação coletiva. A medida é equivocada, haja vista que, quando se trata de interesses difusos e coletivos, os titulares são indeterminados e o objeto é indivisível.

 

Além disso, o fato de terceiros estranhos à relação processual virem a ser atingidos pelos efeitos da decisão proferida na ação coletiva não é o suficiente para a formação do litisconsórcio, pois essa é a característica marcante da tutela coletiva, ou seja, oponível contra todos, inclusive em face daqueles que não integraram a relação processual, conforme determinam a LACP e o CDC.[8]

 

 

Nos casos de interesses metaindividuais, o dogma processual dos limites objetivos da coisa julgada deve ceder à realidade diante da impossibilidade de tais interesses serem cindidos e, portanto, desdobrados em dois ou mais direitos subjetivos. Disso advém a necessidade de se ampliar os limites subjetivos da coisa julgada, que passam a atingir até mesmo quem não foi parte na relação jurídica material.[9]

 

 

Assim, nesse ponto, a Justiça do Trabalho ocupa uma significativa posição de vanguarda.[10]

 

 

Além dos argumentos já expendidos com relação ao litisconsórcio, acresça-se que, como será asseverado adiante sobre o princípio da vedação ao retrocesso social, é nessa condição que se rechaça a alegação da ré, pois, conforme asseverado pelo MPT (fl. 103 e fls. 1.563/1.564), há uma política institucional desse órgão para combater a remuneração por produção, que causa adoecimento, mutilação e mortes, não só no Estado de São Paulo, mas em todo o país.

 

Aliás, essa mesma política foi adotada quando do combate à terceirização no campo, às falsas cooperativas de mão-de-obra rurais, às falsas parcerias agrícolas no tomate, aos falsos estagiários, aos antigos “guardinhas”, para a observância da NR31, das normas de meio ambiente pela indústria cerâmica; em todas essas demandas sempre se ouvia a mesma alegação empresarial da quebra do princípio de livre concorrência, que sempre foi rechaçada pelo Judiciário porque a livre concorrência deve ser analisada na plenitude da disposição contida no art. 170, CF/88, especialmente a valorização do trabalho humano e de que a livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da função social da propriedade, da defesa do meio ambiente, aí incluído o do trabalho, e a redução das desigualdades regionais e sociais.

 

Ademais, a livre concorrência não se sobrepõe aos direitos fundamentais dos trabalhadores e à dignidade da pessoa humana. Diante desse caso concreto, o sopesamento necessário de princípios constitucionais faz com que a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho se sobreponham – não excluam, obviamente – à livre iniciativa.

 

 

                                   Destarte, afasto a quinta preliminar de mérito aduzida pela reclamada, de modo que não se deve falar, aqui, em litisconsórcio necessário.

 

                                   DA CARÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – EXISTÊNCIA DE                              TAC

                                  

                                   Por derradeiro, a reclamada insiste em defender suposta ausência de interesse processual por parte do Ministério Público do Trabalho. Desta vez, por outro lado, argumenta que existe termo de compromisso de ajustamento de conduta tomado pelo órgão ministerial e em cumprimento pela reclamada.

 

                                   Também nesse ponto não assiste razão à reclamada.

 

                                   Volto a repetir, da ata de audiência realizada na sede da PTM Araraquara, fl. 720, constou expressamente, item 3, que a ação prosseguiria com relação ao pedido referido no item 8, letra “e”, para julgamento de mérito, não sendo abrangido por conciliação ou desistência. Portanto, beira a ma-fé a alegação da ré.

                                  

                                   Assim, esse ponto comporta refutação bastante simples e direta, qual seja: a reclamada não aquiesceu com a cláusula do mencionado TAC no que toca à proibição de pagamento por produção. Ora, evidente, então, que o objeto da Ação Civil Pública ajuizada e julgada procedente em 1ª Instância é remanescente, ou seja, não foi contemplado no acordo assinado pela reclamada perante o Ministério Público do Trabalho.

                                   Ainda que assim não fosse, o MPT ou outro legitimado poderia, a qualquer tempo, convencendo-se da ilegalidade do pagamento por produção, poderia propor a ação civil pública.

 

                                   Sendo assim, afasto a sexta e última preliminar arguida pela reclamada, deixando bastante claro que o objeto da Ação Civil Pública julgada procedente pelo magistrado a quo não foi contemplado pelo TAC assinado perante o Ministério Público do Trabalho.

 

                                   Por todo o exposto, decido afastar todas as preliminares de mérito suscitadas pela reclamada, haja vista os argumentos apresentados nos itens acima detalhados.

                                   MÉRITO

 

                                   ALEGAÇÃO DA LEGALIDADE DO SALÁRIO POR PRODUÇÃO

 

No que diz respeito aos bens naturais e exteriores, primeiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma descrição, tanto das pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo.” (Item 25 da Carta Encíclica Rerum Novarum)

 

            DO CONTEXTO FÁTICO NO QUAL SE INSERE

O CORTADOR DE CANA

                                   A reclamada aduz, como razão principal de seu inconformismo, que o pagamento de salário por produção, garantido o mínimo, é condizente com a legislação vigente. Especificamente, salienta que a r. sentença contraria o disposto nos arts. 78 e 457, §1ºda CLT, além do teor da OJ 235 da SDI – I e Súmula n. 340, ambos do C. TST.

 

                                   Inicialmente, consigne-se a complexidade dos cálculos para a aferição da remuneração do trabalhador, conforme relatado na petição inicial, f. 58/62, especialmente f. 61, já seria suficiente para uma reprimenda por parte do Poder Judiciário. Esclareça-se que não houve impugnação na contestação, f. 681 e seguintes, portanto, trata-se de fato incontroverso.

 

                                   Percebe-se que o empregado faz o seu trabalho, corta a cana, após isso, todo o cálculo da remuneração fica a cargo da ré, apesar de estarmos em pleno século XXI, na sociedade da informação, da internet, da comunicação instantânea, ainda assim, o sistema e os meios de realização dos cálculos remontam ao século XVIII.

 

                                   O trabalhador não tem a menor condição de efetivamente aferir quantas toneladas de cana foram cortadas, pois o cálculo é feito por uma média da cana cortada, porém conjuga-se metros cortados x toneladas. Transparência, definitivamente, não há.

 

                                   O sistema é digno de uma tese de doutorado em matemática, todavia, para os cortadores, representa miséria, adoecimento e morte.Os números apresentados à fl. 75 bem o demonstram.

 

                                   Assim, não assiste razão à reclamada, de modo que adoto as razões de decidir apresentadas pelo magistrado de 1ª Instância e acrescento os argumentos a seguir desenvolvidos.

 

                                   “Por que morrem os cortadores de cana?”

 

                                   Difícil de acreditar que essa pergunta tenha cabimento quase dois séculos e meio depois da 1ª Revolução Industrial, quase cento e cinquenta anos após a abolição da escravatura no Brasil, vinte e cinco anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, entre tantos outros parâmetros temporais que poderiam ser citados.

 

                                   Contudo, ela não apenas tem cabimento como apresenta resposta certeira: morrem porque não suportam o esquema adotado pelas empresas para, entre outros pontos, remunerar seu trabalho. Trata-se de trabalhadores forçados e conduzidos à exaustão.

 

                                   Aviltados em sua dignidade desde a contratação, pois trabalham numa das profissões mais penosas do mundo contemporâneo com garantia, apenas, do salário mínimo, são forçados a chegar a completa exaustão para que consigam, no final do mês, obter uma remuneração que varia entre 600 (seiscentos) e 900 (novecentos) reais.

 

                                   É muito provável que alguns empresários gastem esse valor a cada jantar, a cada almoço, a cada camisa comprada, a cada viagem de helicóptero (só com o combustível, obviamente) etc. Ora, esse é o valor aproximado que os componentes da classe média alta gastam para comprar um terno de qualidade moderada. Esse é o valor, por exemplo, correspondente à metade daquele cobrado pelo próximo console de videogame que compram para os seus filhos no natal. Esse é o valor, ainda, que gastam na revisão mecânica de seus carros. Esse é o valor da compra que fazem no supermercado e que, certamente, suprirá as necessidades de suas famílias por 3 ou 4 dias. Esse é o valor da mensalidade escolar de seus filhos. Esse é o valor da prestação que se paga, a curto e médio prazo, pela vida de um ser humano.

 

                                   Trata-se de um valor que muitos gastam com compromissos rotineiros. Compromissos que, sem sombra de dúvidas, estão muito distantes da realidade dos cortadores de cana. A verdade é que essa média salarial mensal é conquistada com um esforço muito além daquele que podemos imaginar, mesmo que tenhamos a sensibilidade de nos colocar em seus lugares – o que é raro.

 

                                   Fala-se, hoje em dia, na crescente porcentagem de afastamento dos membros da magistratura e do Ministério Público por questões relacionadas à depressão ou estresse decorrente da grande quantidade de trabalho. Imagina, então, qual a situação daquele trabalhador que se insere no seguinte contexto:

 

A partir da década de 90 houve um grande aumento da produtividade do trabalho. Os trabalhadores para manterem seus empregos na cana necessitam hoje cortar no mínimo 10 toneladas de cana por dia, para se manterem empregados; a média cortada expandiu-se para 12 toneladas de cana por dia. Portanto a produtividade média cresceu em 100%, saiu de 6 toneladas/homem/dia, na década de 80, e chegou a 12 toneladas de cana por dia, na presente década. O fato dos trabalhadores hoje terem uma produtividade duas vezes superior a da década de 80 se deve a um conjunto de fatores:

v O aumento da quantidade de trabalhadores disponíveis para o corte de cana e esta maior disponibilidade se devem a três fatores:

1. aumento da mecanização do corte de cana;

2. o aumento do desemprego geral da economia, provocada por duas décadas de baixo crescimento econômico e

3. expansão da fronteira agrícola para as regiões do cerrado, atingindo o sul do Piauí e a região da pré-amazônia maranhense, destruindo as formas de reprodução da pequena propriedade agrícola familiar, predominante nestes estados.

v Possibilidade de seleção mais apurada pelos departamentos de recursos humanos das usinas. Esta seleção mais apurada de trabalhadores leva a: seleção de trabalhadores mais jovens, redução da contratação de mulheres e a possibilidade de contratação de trabalhadores oriundos de regiões mais distantes de São Paulo (Norte de Minas, Sul da Bahia, Maranhão e Piauí).

v · A seleção mais apurada permite que as usinas implementem a contratação por período de experiência, onde os trabalhadores que não conseguem atingir a nova média de produção, 10 toneladas de cana por dia, são demitidos antes de completarem três meses de contrato.

v Um trabalhador que corta hoje 12 toneladas de cana em média por dia de trabalho realiza as seguintes atividades no dia:

v · Caminha 8.800 metros;

v · Despende 366.300 golpes de podão;

v · Carrega 12 toneladas de cana em montes de 15 k em média cada um, portanto,ele faz 800 trajetos levando 15 K nos braços por uma distância de 1,5 a 3 metros;

v · Faz aproximadamente 36.630 flexões de perna para golpear a cana;

v · Perde, em média 8 litros de água por dia, por realizar toda esta atividade sob sol forte do interior de São Paulo, sob os efeitos da poeira, da fuligem expelida pela cana queimada, trajando uma indumentária que o protege, da cana, mas aumenta a temperatura corporal.

Com todo este detalhamento pormenorizado da atividade do corte de cana, fica fácil entendermos porque morrem os trabalhadores rurais cortadores de cana em São Paulo. A solução para este problema, ao meu ver, não se dará através mudanças que não vão ao cerne da questão. O que vai ao centro da questão, que são as mortes dos trabalhadores cortadores de cana pelo excesso de trabalho é
o pagamento por produção
. Enquanto o setor sucro-alcooleiro permanecer com esta dicotomia interna: de um lado, utiliza o que há de mais moderno em termos tecnológicos e organizacionais; uma tecnologia típica do século XXI (tratores e máquinas agrícolas de última geração, agricultura de precisão, controlada por geo-processamento via satélite etc.);mas manterem, de outro lado, relações de trabalho, já combatidas e banidas do mundo desde o século XVIII, trabalhadores continuarão morrendo. Isto porque os 10 que morreram nas duas últimas décadas são uma amostra insignificante do total que deve morrer todas as safras clandestinamente. Ao longo dos últimos 20 anos que me dedico à análise das condições de vida e trabalho dos trabalhadores rurais, colhi vários depoimentos de trabalhadores que relatavam mortes como as agora tornadas públicas através do excelente trabalho da Pastoral do Migrante de Guariba.”[11] (grifo nosso).

 

                                   Não existe atleta profissional que tenha um desgaste físico e mental diário tal como o apresentado nas linhas transcritas acima. Não se deve olvidar, por oportuno, que a alimentação desses trabalhadores não se compara a de um atleta profissional.

 

                                   Conforme demonstrar-se-á adiante, o esforço físico diário dos cortadores de cana equivale ao desgaste de um corredor que disputa uma maratona, contudo, enquanto este é um atleta de alto nível, com roupa e alimentação adequada, o trabalhador não tem a alimentação adequada e deve usar os EPIs que aumentam em muito o esforço realizado.

 

                                   A ciência já comprovou que o excesso de trabalho leva à fadiga do trabalhador.

 

                                   Não é por outra razão que a legislação obreira vem sendo aperfeiçoada ao longo de sua história, sempre no sentido de reduzir a jornada de trabalho, garantir um tempo mínimo de descanso intra e entre jornadas e na semana, além do direito de férias. Todo esse aparato legislativo tem por escopo possibilitar ao obreiro a recuperação do desgaste sofrido no trabalho, preservando sua saúde[12], segurança e capacidade produtiva. Quando isso não é respeitado, surgem os problemas, dentre eles, o principal é a fadiga.

 

Fadiga, para Itiro Iida[13]: é o efeito de um trabalho continuado, que provoca uma redução reversível da capacidade do organismo e uma degradação qualitativa desse trabalho. (negrejamos)

 

                                   O autor explica que, dentre os vários fatores - todos de efeitos cumulativos - causadores da fadiga encontram-se, em primeiro lugar, os fisiológicos, relacionados com a intensidade e duração do trabalho físico e intelectual.

 

                                   Prossegue o escritor:

 

uma pessoa fatigada tende a aceitar menores padrões de precisão e segurança. Ela começa a fazer uma simplificação de sua tarefa, eliminando tudo o que não for essencial. Os índices de erro começam a crescer. Um motorista fatigado, por exemplo, olha menos para os instrumentos de controle e reduz a freqüência das mudanças de marcha. Observa-se que os pilotos de avião fatigados apresentam uma tendência irresistível de relaxar quando se aproximam do aeroporto, e isso produz um repentino aumento de erros, que podem resultar em acidentes. Mesmo que a pessoa pense que esteja fazendo o melhor possível, o seu padrão de desempenho vai piorando”.[14]

 

 

                                   Estudando os efeitos da duração de trabalho sobre o organismo humano, Ingborg Sell leciona que: “é necessário um equilíbrio entre fadiga acumulada e repouso, num ciclo de 24 horas, para garantir a saúde e a capacidade de rendimento da pessoa. Se não houver a recuperação, o repouso na medida certa, ocorrerá um acúmulo de fadiga e esta pode tornar-se crônica.”

 

                                   Em seguida, a autora lista os seguintes sintomas advindos da fadiga:

 

sensação subjetiva de cansaço, sonolência, falta de vontade para trabalhar; perturbações no raciocínio, dificuldades; redução do nível de atenção; redução da velocidade de captação de estímulos; diminuição da capacidade física e motora”[15] 

 

E conclui:

 

Com a fadiga aumenta a tendência a atos inseguros, erros; aumenta o tempo de reação de uma pessoa, o que aumenta o risco de acidentes.”[16] (grifamos)

 

                                   Itiro Iida acrescenta que: “a fadiga fisiológica, desde que não ultrapasse certos limites, é reversível e o corpo se recupera com pausas concedidas durante o trabalho ou com o repouso diário”. E acrescenta:

                          

Entretanto, existe um outro tipo de fadiga, chamada de crônica que não é aliviada por pausas ou sonos e tem efeito cumulativo. (...) Com o tempo, pode causar doenças como úlceras, doenças mentais e cardíacas. Nessa situação, o descanso já não é suficiente para se recuperar, devendo se recorrer ao tratamento médico. (Op. cit., p. 285)”

 

                                   Destarte, é inegável que não se pode admitir uma forma de remuneração que possibilita o trabalho até a exaustão, até a fadiga, que causa acidentes, adoecimentos e mortes.

 

                                   O que se pretende demonstrar, com efeito, é que não estamos diante de possibilidades ou eventualidades. Não se trata de eventos incertos. Muito pelo contrário. A nefasta condição de exposição da saúde dos cortadores de cana é triste realidade cientificamente comprovada! Não há presunção, indução ou dedução de raciocínio: há constatação objetiva.

 

                                   Nesse contexto, exsurge relevante e imprescindível o cruzamento técnico e matemático de dados realizado pela Administração Pública Federal para constatar o nexo técnico epidemiológico (NTEP) que incide nas atividades realizadas pelos cortadores de cana.

 

                                   Imperioso salientar, e isso demonstra que a gravidade do caso faz com que empregadores e empregados se unam pela mesma causa, que o próprio portal eletrônico do SESI (Serviço Social da Indústria), por iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), disponibiliza ferramenta de busca correlacionada a cada setor de atividade econômica que tem por objetivo apresentar os estudos relativos à situação dos trabalhadores envolvidos.

 

                                   No caso dos cortadores de cana, mencionado portal apresenta cinco estudos científicos cujo único escopo é demonstrar a penosidade da atividade relacionado ao corte de cana[17].

 

                                   Apenas para ilustrar, o artigo intitulado “Desgaste fisiológica dos cortadores de cana de açúcar e a contribuição da ergonomia na saúde do trabalhador”, da autoria de Erivelto Fontana de Laat e Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela[18], traz a seguinte informação:

 

O sistema de pagamento por produção, associado à precarização dos alojamentos, meios de transporte, alimentação insuficiente e condições trabalho nocivas, sem pausas para descanso, podem agravar os riscos de acidentes e o desgaste prematuro destes trabalhadores. Desde o período de 2004-2005, o Ministério Público do Trabalho de Campinas vem suspeitando da relação das ocorrências de 13 mortes às condições de trabalho que teriam levado os trabalhadores à exaustão (BOLETIM INFORMATIVO DA PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO, 2005).

Cabe ressaltar que a Norma Brasileira de Ergonomia (NR-17 da Portaria 3214/78 - Ministério do Trabalho e Emprego) não admite o pagamento por produção quando existem riscos à saúde dos trabalhadores, uma vez que este tipo de pagamento induz o trabalhador a ultrapassar os limites fisiológicos em busca de um rendimento financeiro extra.” (grifo nosso)

 

                                   Em outro estudo, agora de autoria solitária, o prof. Erivelton Fontana de Laat[19] afirma que o ciclo médio do corte de cana é de 5,677 segundos. Com efeito, nesse curtíssimo período de tempo, o trabalhador abraça, carrega, corta, joga, reposiciona e segura a cana cortada. Ora, partindo-se do pressuposto, em nenhum momento contrariado pela reclamada, de que qualquer ciclo de atividade menor que 30 segundos é extremamente repetitivo[20], não há dúvida de que a atividade realizada pelo cortador de cana é muito mais extenuante do que aquelas tratadas pela NR – 36.

 

                                   No mesmo sentido, para que não se levante qualquer suspeita sobre as referências utilizadas até o momento, são as conclusões de Sonia Cortina Hess no bojo do Parecer Técnico n. 01/2008[21], cujo trecho a seguir transcrito resume bem a questão:

 

Estudo conclusivo do Pesquisador Britânico, Dr. Phoolchund (1991) dá conta de que “os trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar apresentam elevados níveis de acidentes ocupacionais e estão expostos à alta toxicidade dos pesticidas. Eles também podem apresentar um risco elevado de adoecerem por câncer de pulmão (mesotelioma), e isto pode estar relacionado à prática da queima da palha, na época da colheita da cana.” Estudos recentes têm referendado as suspeitas daquele pesquisador (ZAMPERLINI et al, 1997; GODOI et al, 2004).”

 

                                   E continua:

 

Estudo conclusivo do Pesquisador Britânico, Dr. Phoolchund (1991) dá conta de que “os trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar apresentam elevados níveis de acidentes ocupacionais e estão expostos à alta toxicidade dos pesticidas. Eles também podem apresentar um risco elevado de adoecerem por câncer de pulmão (mesotelioma), e isto pode estar relacionado à prática da queima da palha, na época da colheita da cana.” Estudos recentes têm referendado as suspeitas daquele pesquisador (ZAMPERLINI et al, 1997; GODOI et al, 2004).

 

                                   Ora, pois. As conclusões, embora óbvias e já expostas anteriormente, devem, sobretudo, ser exaltadas diante da circunstância de apresentarem credibilidade científica indubitável. São estudos internacionais publicados em periódicos de circulação mundial.

 

                                  

O contexto é exatamente o de seres humanos que vivem para trabalhar. Remunerados por produção, como é o caso retratado nos autos, jamais trabalharão para viver. A bem da verdade, pode-se afirmar que o sistema remuneratório por produção é o mais cruel, nefasto e luctífero existente. Seu efeito, principalmente no caso dos cortadores de cana, é absolutamente contrário ao pretendido. Nessa hipótese, o trabalhador não se submete à exaustão para ser dignamente recompensado. Submete-se à exaustão porque somente assim atingirá remuneração capaz de suprir suas necessidades animais.

 

                                   Repita-se: capaz de suprir suas necessidades animais, não de ser humano amparado pela dignidade e pela valorização social de seu trabalho. Os cortadores de cana, como é público e notório, têm rotina diária muito parecida com a de um animal selvagem: trabalham (caçam) para poder comer, dormem (para recuperar as energias), acordam, trabalham (caçam) para poder comer etc. E esse quadro funesto apenas existe por conta da maneira como são remunerados.

 

                                   Interessante notar, por oportuno, que a reclamada apresentou argumentação no sentido de que o pagamento por produção tem o efeito de evitar “corpo mole” por parte dos trabalhadores.

 

                                   Causa espécie e indignação esse tipo de defesa. Ora, a CLT prevê expressamente a possibilidade de dispensa por justa causa em caso de desídia ou “corpo mole” (art. 482, alínea 'e'). Ademais, mesmo se não houvesse essa previsão legal, coisificar um ser humano não é a melhor forma de incentivar sua produção e, sobre esse ponto, mentes prudentes devem concordar.

 

                                   Sua atividade é tão penosa, desgastante e exaustiva que o C. TST, em diversas oportunidades, a reconheceu como sendo de risco. Como exemplo, pode-se citar as duas ementas seguintes:

 

"INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DO TRABALHO DURANTE LABOR EM CORTE DE CANA-DE-AÇÚCAR. ATIVIDADE DE RISCO. TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. No caso dos autos, o Regional constatou que a reclamante exercia atividade de corte de cana de açúcar e consignou a existência do dano sofrido pela trabalhadora em razão de acidente no ambiente de trabalho - conquanto utilizasse luvas de proteção para as mãos, considerado inadequado pelo laudo pericial, posto que -apresentava deficiências na sua proteção- -, que lhe ocasionou um corte no punho esquerdo, deixando sequelas, dentre elas, atrofia muscular acentuada do polegar esquerdo e outros problemas neurológicos e funcionais, bem como, por óbvio, o nexo causal com as atividades por ela desempenhadas, não havendo como afastar a responsabilidade da reclamada pelo evento danoso. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, c/c o parágrafo único do artigo 8º da CLT, autoriza a aplicação, no âmbito do Direito do Trabalho, da teoria da responsabilidade objetiva do empregador, nos casos de acidente de trabalho, quando as atividades exercidas pelo empregado são de risco, conforme comprovadamente é o caso em análise. E, especificamente, no tocante ao risco da atividade desenvolvida no corte de cana-de-açúcar, esta Corte tem entendido que a responsabilidade do empregador, nesses casos, é objetiva. Recurso de revista não conhecido.(...) RR-2501-54.2007.5.09.0567 Data de Julgamento: 18/12/2012, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/02/2013).

 

 

INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO DURANTE LABOR EM CORTE DE CANA DE AÇÚCAR. ATIVIDADE DE RISCO. TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. No caso dos autos, incontroverso que o reclamante exercia atividade de corte de cana de açúcar, tendo sofrido acidente no ambiente de trabalho, não obstante utilizasse equipamento de proteção. O acidente de trabalho lhe ocasionou deformidade anatômica e funcional das extremidades do 2º e 3º dedos da mão esquerda, deixando sequelas irreversíveis, dentre elas, "uma atrofia músculo ligamentar, principalmente no 3º dedo da mão esquerda, que pelo tempo e evolução e ao exame clínico se mostra irreversível." Por óbvio, inarredável o nexo causal com as atividades por ele desempenhadas, não havendo como afastar a responsabilidade da reclamada pelo evento danoso. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, c/c o parágrafo único do artigo 8º da CLT, autoriza a aplicação, no âmbito do Direito do Trabalho, da teoria da responsabilidade objetiva do empregador, nos casos de acidente de trabalho, quando as atividades exercidas pelo empregado são de risco, conforme comprovadamente é o caso em análise. E, especificamente, no tocante ao risco da atividade desenvolvida no corte de cana de açúcar, esta Corte tem entendido que a responsabilidade do empregador, nesses casos, é objetiva, prescindindo da comprovação de dolo ou culpa do empregador.” (Processo RR 28540-90.2006.5.15.0071. Data do julgamento: 13.03.2013. Relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma. Data da publicação:  DEJT 26.03.2013)

 

                                   Sobre as atividades exercidas pelos cortadores de cana, assim se manifestou o Ilustre Desembargador João Batista Martins Cesar, relator nos autos do processo n. 0223700-21.2008.5.15.0156, in verbis:

 

                                   “Infelizmente, os cortadores de cana têm sido 'coisificados', de modo que, caso adoeçam ou morram, são tratados como simples ferramentas de trabalho e, por isso, podem ser prontamente substituídos por 'modelos' mais jovens e fortes, invariavelmente advindos de longínquas regiões do sertão brasileiro e, por conta disso, mais resistentes e facilmente explorados.

 

                                   A esse respeito, interessa transcrever os seguintes dados sobre as condições de trabalho da categoria, citados por Francisco José Alves, professor do departamento de engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Estado de São Paulo:

 

A expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas por dia é de 10 a 12 anos, menor que a expectativa de um trabalhador escravo do fim do século XIX, que era de 12 a 15 anos. Mais do que dez safras cortando cana, o trabalhador está incapacitado para o trabalho: está com lordose e uma série de doenças decorrentes do trabalho. A única expectativa que ele tem é pedir aposentadoria.” (Pesquisador prega extinção do trabalho por produção, Repórter Brasil, 2007. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1139) (negrejou-se)

 

                                   Destarte, é inconteste, público e notório que as atividades nas lavouras de cana de açúcar são extremamente repetitivas, tornando-se estafante e degradante da saúde do obreiro.

 

                                   Por derradeiro, sobre a atividade dos cortadores de cana, peço vênia para transcrever trecho do voto de relatoria do Excelentíssimo Desembargador deste E. TRT, Dr. Flávio Nunes Campos, nos autos do processo n. 0001473-23.2012.5.15.0110, ipsis literis:

 

Tenho ciência, como dito anteriormente e até pela minha atuação como Membro do Ministério Público e Magistrado desta E.Corte, que a função de cortador de cana é uma das mais desumanas existentes - se não a mais - onde o trabalhador é exposto a vários agentes de risco e assombrados, diariamente, pelos empregadores na busca de uma produtividade e lucratividade cada vez maior, ainda mais atualmente, onde o etanol virou figura de destaque no campo internacional. Nesse sentido, chama a atenção vários editoriais lançados na mídia, mas, especialmente, aquele da lavra de Luiz Paulo Juttel, intitulado “Desgaste físico diário do cortador de cana é igual ao de maratonista”, onde afirma: Pesquisadores da Unimep divulgaram dados prévios de um estudo sobre o corte manual da cana no interior paulista. Pela primeira vez se conduziu um estudo empírico sobre a ergonomia no trabalho do cortador. Em apenas 10 minutos esse trabalhador corta 400 Kg de cana, realiza 131 golpes de facão e flexiona o tronco 138 vezes. A extenuante jornada não conta com repouso e tenta garantir a sobrevivência das famílias dos cortadores. “A conclusão que chegamos é que a condição física de um cortador de cana se assemelha a de um maratonista. Seus músculos são franzinos, mas sua resistência é elevada”, afirma Erivelton Fontana de Laat, coordenador da pesquisa. O estudo também aponta que muitos dos problemas de saúde que acometem esses trabalhadores são os mesmos a que estão sujeitos atletas de alto desempenho. Mas sob quais condições? O principal fator de risco no corte da cana, de acordo com dados do estudo piloto realizado em maio, é a sobrecarga na atividade cardiorrespiratória do trabalhador. Através do uso de uma metodologia que levou em consideração aspectos como a freqüência cardíaca (em repouso, média e máxima), idade e produção diária em toneladas, Laat descobriu que seis dos dez trabalhadores analisados ultrapassaram o limite cardiorrespiratório tolerável à saúde. Alguns chegaram a picos de mais de 180 batimentos cardíacos por minuto. “O que acontece nos canaviais é semelhante a um atleta que ultrapassa o seu limite de treino. Ao invés de correr cinco quilômetros, ele tenta percorrer a distância de uma maratona todos os dias”, diz Laat. Os resultados foram apresentados a procuradores do Ministério Público e do Ministério do Trabalho no seminário “Condições de trabalho no plantio e corte de cana”, que ocorreu no final de abril, em Campinas. Temperatura e risco de lesões por repetição. Com o auxílio de um software francês, os pesquisadores analisaram a rotina de trabalho de um cortador que ao fim do dia havia cortado 11,54 toneladas de cana. Quando se amplia os dados obtidos em 10 minutos para um dia inteiro de trabalho chega-se a 3792 golpes de facão e 3994 flexões de coluna, o que representa um sério risco à coluna e articulações, segundo informa Laat. (JPG). Cortador amola o facão utilizado 3792 vezes por dia. Fonte: Grupo Móvel 15a PRT. O estudo da Unimep também tratou sobre o ciclo de atividades repetitivas do cortador. Em média ele precisa de 5,6 segundos para abraçar um feixe com cinco a dez varas de cana, puxar ou balançar, flexionar a coluna, cortar o feixe rente ao solo, jogar a cana em montes e progredir. “Estudos ergonômicos mostram que qualquer atividade laboral com ciclo de repetição inferior a 30 segundos possui grande risco de surgimento lesões”, afirma o pesquisador. O sol é outro fator preocupante. Na medição feita em maio - que é um mês de temperatura agradável - o termômetro marcou a temperatura máxima de 27,40 graus Celsius no canavial. A média ficou em 26 graus. De acordo com a Norma Regulamentadora (NR) 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, toda atividade laboral pesada realizada em lugares com temperatura ambiente entre 26 e 28 graus Celsius precisam de pausas de 30 minutos para cada 30 minutos de trabalho. Essa NR não é cumprida nos canaviais paulistas. Laat comenta que, em sua pesquisa de campo, percebeu que a empresa contratante até indicava alguns momentos de pausa no trabalho através do som da buzina de um ônibus. No entanto, como não havia fiscalização sobre o cumprimento desta pausa, praticamente nenhum cortador largava seu facão para descansar, já que a pausa pode significar perda de produção e, portanto, de dinheiro. Para a maioria dos procuradores presentes ao seminário de Campinas esse é o motivo dos trabalhadores suportarem tão duras condições de trabalho. O piso salarial da categoria é de aproximadamente 500 reais. Entretanto, como o pagamento varia de acordo com a produção individual, um bom cortador - um campeão como é chamado na lavoura - pode chegar a rendimentos mensais de 1200 a 1500 reais. Para a grande maioria da massa trabalhadora do setor, formada principalmente por migrantes do Nordeste e Norte, tal valor é muito mais do que ganhariam em suas regiões natais. A extenuante jornada de trabalho é tolerada por homens que querem, a todo custo, garantir a sobrevivência de suas famílias. “Tem a questão emblemática também. Por exemplo, um cortador migrante que compra uma moto ao fim da safra de cana é visto como herói pelos mais jovens da sua região”, completa Laat. Morte no trabalho. Entretanto, a luta frenética pela subsistência faz com que os cortadores não levem em consideração fatos como a morte de companheiros. Segundo a Pastoral do Migrante de Guariba, 20 trabalhadores rurais do setor sucroalcooleiro morreram de 2004 até agora. Os poucos que possuem o motivo da morte registrado no atestado de óbito apontam, principalmente, morte por parada cardiorrespiratória. Vários estudiosos e sindicalistas do setor dizem não haver dúvidas que essas mortes sofrem forte influência da rotina de trabalho mensurada agora pela equipe da Unimep. O resultado final deste trabalho final será apresentado em 2009 e abordará outras questões como a poeira da queima da cana inalada pelos cortadores, a massa corpórea ganha ou perdida no decorrer da safra e a comida ingerida por esses trabalhadores. Os pesquisadores querem traçar um paralelo entre os dados quantitativos coletados e a qualidade de vida dos trabalhadores. Atualmente, um cortador de cana consegue trabalhar, em média, até os 35 anos, afirma Laat. Um dos objetivos dessa pesquisa, de acordo com os seus idealizadores, é fornecer ao judiciário material científico crível que contribua com o julgamento de ações trabalhistas ou civis públicas referentes ao tema. Dessa maneira, eles acreditam que se pode caminhar na direção de um futuro laboral mais humano para aqueles que ajudam a garantir a energia do país” (Com Ciência Notícias] 3/6/2008 - http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=3icia=459) (negritamos). Daí chegarmos à mesma conclusão do advogado português José Augusto Ferreira da Silva, que salienta que “quando Bill Clinton proferiu a frase muito celebrada pelos cultores do neoliberalismo: “Qualquer trabalho é melhor do que nenhum” estava longe do ideário das nossas Constituições democráticas e progressivas” (in TRABALHO DIGNO - Um direito fundamental dos povos livres -http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/241006m.pdf).”

 

                                  

DA CERTEZA CIENTÍFICA ACERCA DOS RISCOS À VIDA E À SAÚDE DO CORTADOR DE CANA E DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL

 

                                   Pois bem. A intenção, até esse ponto da argumentação, foi a de demonstrar o triste contexto fático no qual o cortador de cana está inserido.

 

Nem se argumente que o trabalho degradante dos cortadores de cana seja apenas conjectura, não é. Do simples confronto do CNAE da empresa (0113 – cultivo de cana-de-açúcar) com Decreto 6.042/2007, constata-se que esses trabalhadores estão sujeitos às seguintes molésticas:

 

* F10 – F19 – transtornos mentais e comportamentos devidos ao uso de substâncias psicoativa

* F20 – F29 – esquizofrenia, transtornos esquizotópicos e transtornos delirantes

* G40 – G47 – transtornos episódicos e paroxísticos

* H53 – H54 – transtornos visuais e cegueira

* I10 – I15 – doenças hipertensivas

* I30 – I52 – outras formas de doença do coração

* J40 – J47 – doenças crônicas das vias aéreas inferiores

* K20 – K31 – doenças do esôfago, do estômago e do duodeno

* K35 – K38 – doenças do apêndice

* K40 – K46 - hérnias

* M00 – M25 - artropatias

* M40 – M54 – dorsopatias

* S00 – S09 – traumatismos da cabeça

* S20 – S29 – traumatismos do tórax

* S30 – S39 – traumatismos do abdome, do dorso, da coluna lombar e da pelve

* S40 – S49 – traumatismos do ombro e do braço

* S60 – S69 – traumatismos do punho e da mão

* T90 – T98 – seqüelas de traumatismos, de intoxicações e de outras consequências

 

Assim, não é conjectura, mas fato reconhecido pelo ordenamento jurídico.

 

                                   A partir desse momento, a argumentação desenvolvida será eminentemente jurídica, tal como pretende a reclamada.

 

No artigo 1º – incisos III e IV – da Constituição Federal brasileira de 1988 estão consagrados como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, bem como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Nos incisos I, III e IV do artigo 3º estão colocados entre os objetivos fundamentais da República Brasileira uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza, marginalização e desigualdades, assim como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O artigo 4º preceitua que o Brasil deverá nortear as suas relações internacionais com base no princípio da prevalência dos direitos humanos (inciso II).

 

Dessa forma, o constituinte deixou claro que esses valores configuram a base do Estado Democrático de Direito e devem servir de referência para qualquer interpretação do texto constitucional.

 

A ampla previsão dos direitos laborais – artigo 7º e seguintes – representa a consagração de lutas históricas dos trabalhadores, galgando o Brasil ao patamar dos Estados ditos de “Primeiro Mundo”.[22]

 

 

Ainda em relação à Norma em comento, seu artigo 170 ressalta que: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observada a função social da propriedade (III).

 

Por seu turno, o artigo 193 prevê que a ordem social terá como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

 

Dessa forma, embora o mesmo texto constitucional garanta o valor da livre iniciativa, ela está adstrita à valorização do trabalho humano e à função social da propriedade, conforme se apreende de seu artigo 5º (XXIII) e dos artigo 170, 173, 184, 186[23], sempre visando o bem-estar e a justiça sociais.

 

Mencione-se que a saúde é um direito fundamental de todos os cidadãos (artigo 6º, CR/88), por isso é uma obrigação primária do Estado. A saúde é básica, porque é, no fundo, tudo, condição primeira para a existência de qualquer outro direito. Daí o fato de a Constituição Brasileira estabelecer que SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO.

 

Nesse sentido, vejam-se as disposições constantes dos artigos 196 e 197, CR/88, in verbis:

 

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

 

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

 

Assim, a saúde é direito de todos, garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença.

 

Pois bem. Beatriz Montanhana afirma que:

 

a partir da inserção dos direitos sociais no bojo do texto constitucional, sob o título ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’, passam esses direitos a merecer do Estado total garantia de sua eficácia, na mesma intensidade que estão garantidos os direitos civis e políticos.”[24]

 

 

Portanto, no confronto entre a livre iniciativa e os direitos fundamentais dos trabalhadores, deve o Estado tomar partido e garantir estes últimos, pois os mesmos propiciam o equilíbrio social indispensável para a existência do Estado Democrático de Direito.

 

A implementação e a manutenção dos direitos fundamentais dos trabalhadores não podem ser obstadas pelo exercício irresponsável do poder econômico. É fato que a globalização não tem limitações territoriais, ultrapassando fronteiras e provocando feridas sociais por todo o globo terrestre. Além disso, os Estados são manipulados ao sabor dos capitais especulativos, o que precariza direitos em nome da competitividade global e vai ao encontro de um círculo vicioso que só poderá ser rompido com o esforço de todos os atores sociais.

 

É preciso ter em mente que todos devem envidar esforços para a implementação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, de modo a que estes tenham condições de vida dignas. Este deve ser o fundamento de todas as ações humanas, inclusive para a aplicação e hermenêutica das normas constitucionais.

 

Não se pode duvidar do magistério de Mieczyslaw Manole quando o autor explica que as normas, em sua totalidade, devem ser interpretadas de modo a que “os direitos humanos e democráticos não sejam violados, mas, pelo contrário, preservados e expandidos. A velha máxima romana in dúbio pro reo deveria ser modificada: in dúbio pro iuribus hominis (em caso de dúvida, decida em favor dos direitos humanos)”[25]

 

 

E assim deve ser porque é a partir do trabalho que o homem consegue interagir socialmente, bem como manter a si próprio e sua família. É através do processo laboral que a maioria esmagadora dos cidadãos alcança uma vida digna e exerce plenamente a cidadania. Portanto, não só o trabalho deve ser garantido, mas também sua realização em condições dignas. É isso que manterá a estrutura social e a paz, bem maior de toda a humanidade.[26]

 

 

Não foi por outra razão a preocupação do constituinte com a dignidade do trabalhador, garantindo-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; e a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo-se as desigualdades sociais e regionais, provendo-se o bem de todos sem qualquer distinção, conforme se apreende no artigo 3º da Constituição Federal de 1988.

 

É revelador o constante no artigo 193 da Norma ora em comento, quando apregoa que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social.

 

Some-se a isso que os direitos humanos estão alicerçados em toda a história da humanidade e em constante ascensão.  Portanto, cabe a todos os atores sociais lutar por seu desenvolvimento e efetiva implementação.

 

Sobre o assunto, Hannah Arendt ensina com maestria que “o debate a respeito do que são os direitos humanos e como devem ser definidos é parte e parcela de nossa história, de nosso passado e de nosso presente.”[27] Acrescente-se que esse debate definirá o futuro no que tange à construção de uma sociedade pluralista que ofereça um patamar civilizatório a todos – ou de uma sociedade excludente –, onde poucos terão acesso ao mínimo necessário para sobreviver com dignidade e à beira do caos social.

 

Na visão de Ignacy Sachs:

 

Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos.”[28]

 

Destaque-se, ainda, a necessidade de se passar às futuras gerações um mundo melhor, liberto do egoísmo e da apatia humana, já que tais déficits sociais conduziram a várias guerras e pode levar a novos conflitos armados, dos quais as baixas humanas podem ser exorbitantes no sentido demográfico.[29]

 

 

Cabe a todo e qualquer agente social persistir na evolução da sociedade de forma a que uma maioria não seja lesada frente à ambição desenfreada de uma minoria privilegiada. A igualdade social não está restrita na paridade dos direitos e dos deveres de seus membros; ela vai além, pois implica na ajuda aos mais fracos, visando que estes também logrem melhoria em suas condições social.

 

É fato que o trabalho humano constitui a base de toda a sociedade, assim como é fato que sem ele haveria uma legião de famintos e a atual sociedade de consumo – ou consumista – não existiria. Assim, os direitos fundamentais devem chegar a todos os trabalhadores na condição de medida de direito e de justiça social.

 

O direito do trabalho contemporâneo foi conquistado à custa de lutas e mortes, conforme se apreende historicamente com a data comemorativa do “Dia do Trabalho”. A sociedade deve ser suficientemente evoluída para que não sejam necessárias novas barricadas para se fazer valer os direitos fundamentais.

 

É preciso reafirmar que em todo o mundo já se difunde a consciência de uma sociedade pós-industrial harmônica, na qual a cultura, a indústria e as atividades terciárias operam conjuntamente, reduzindo o trabalho e preparando um novo sistema social baseado no tempo livre e no ócio criativo.[30]

 

Assim, os seres humanos são responsáveis pela preparação desse novo sistema social que venha a valorizar o processo laboral e garantir ao trabalhador a retribuição justa, propiciando-se, dessa forma, a sobrevivência em condições justas e adequadas.

 

Apesar de estarmos diante de uma questão jurídica, ela é indissociável do questionamento sob o ponto de vista humano. Os cortadores não são máquinas, são pessoas, e esta dimensão não se pode perder de vista.

 

Lamentavelmente, a birola (câimbra seguida de tontura, dor de cabeça e vômitos - termo utilizado pelos cortadores) é frequente no campo, assim como é frequente a morte por excesso de trabalho. Atualmente, não se vê os chicotes e as correntes, contudo, quem tem os olhos da justiça social os vêem. Continuam lá, embora invisíveis - mas sensíveis, pois essa nova escravidão leva à morte pelo esforço do trabalho estafante.[31]

 

 

Não há duvidas de que se está diante de trabalho degradante. Sobre essa questão, Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade, Procuradora do Trabalho, assevera:

 

como definir trabalho em condições degradantes? Degradante, adjetivo do verbo degradar, no dizer de Aurélio Buarque de Holanda, significa privar de dignidades ou encargos, estragar, deteriorar; rebaixar. Trabalho degradante é, pois, aquele que priva o trabalhador de dignidade, que o rebaixa e o prejudica, a ponto, inclusive, de estragar, deteriorar sua saúde. Observe-se que mais uma vez o princípio da dignidade serve como marco diferencial de situações fáticas. Um trabalho penoso que implique certo sacrifício, por exemplo, não será considerado degradante se os direitos trabalhistas de quem o prestar estiverem preservados e as condições adversas, devidamente mitigadas/compensadas com equipamentos de proteção/pagamento de adicionais devidos. Por outro lado, será degradante aquele que tiver péssimas condições de trabalho e remuneração incompatível, falta de garantias mínimas de saúde e segurança; limitação na alimentação e moradia. Enfim, aquele que explora a necessidade e a miséria do trabalhador. Aquele que o faz submeter-se a condições indignas. É o respeito à pessoa humana e à sua dignidade que, se não observados, caracterizam trabalho em condições degradantes. Daqui já se pode tecer uma comparação entre o trabalho forçado, conforme previsto na Convenção 29 da OIT e o trabalho degradante. O primeiro é aquele obrigatório e sujeito à pena, mas que até sua supressão total terá de respeitar a dignidade daquele de quem é exigido. O segundo pode ter causa justificadora e não ser forçado, mas sua ilegitimidade advém das condições de prestação em desrespeito à dignidade de quem o executa. Trabalho forçado é, pois, uma categoria ampla, que envolve diversas modalidades de trabalho involuntário, inclusive o escravo” (A LEI N. 10.803/2003 E A NOVA DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO - DIFERENÇAS ENTRE TRABALHO ESCRAVO, FORÇADO E DEGRADANTE - Revista do Ministério Público do Trabalho n. 29, março/2005. São Paulo: LTr, 2005, p. 81/82).

 

Luzidia, destarte, a violação ao disposto no inciso III, artigo 5º, da Lei Maior, que, depois de afirmar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, veda o tratamento desumano ou degradante.

 

                                   Se o Direito é fato, valor e norma, certo é que a admissão da remuneração do cortador de cana pelo esquema da produção encontra óbice na Lei Maior, haja vista a violação dos artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 170, 173, 184, 186 e 193, da Constituição Federal.

 

O pagamento por produção também implica desrespeito aos artigos 196 e 197, que impõem políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença. E doença e morte é o que se vê com essa forma de remuneração.

 

Não há dúvida de que as normas constitucionais aqui mencionadas têm como ponto em comum o impedimento de retrocessos sociais.

 

Realmente, diante do caráter indissolúvel dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, ganha relevo a cláusula de proibição do retrocesso social, decorrente da aplicação progressiva dos direitos humanos.

 

Os direitos fundamentais representam, na história da humanidade, um caminhar à frente, ou seja, uma construção social em permanente evolução e progressiva ampliação, vedando-se o retrocesso social.[32]

 

Apesar de as atividades dos cortadores serem desempenhadas sob calor excessivo, (veja-se quadro de fl. 32 da inicial) o PCMSO da ré faz o reconhecimento da necessidade de conforto térmico, como medida de prevenção à fadiga, apenas em favor dos trabalhadores que realizam atividades intelectuais (fl. 4 da inicial), fato não contestado, portanto, incontroverso. Constata-se, assim, a ausência de cuidados mínimos com a saúde dos cortadores.

 

O princípio da proibição do retrocesso social – ou aplicação progressiva dos direitos sociais – consiste na proibição da redução desses direitos, garantindo-se ao cidadão o acúmulo do patrimônio jurídico adquirido no decorrer do processo histórico. Está alicerçado constitucionalmente no princípio da dignidade da pessoa humana – artigo 1º; no princípio da segurança jurídica – artigo 5º, inciso XXXVI – artigo 7º, caput (além de outros que visem a melhoria de sua condição social) CF/88; e no princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais – artigo 5º, § 1º.[33]

 

 

Dessa forma, os direitos sociais[34] já realizados estão constitucionalmente assegurados, passando a configurar uma garantia institucional e um direito subjetivo, sendo inconstitucionais quaisquer medidas legislativas que impliquem em sua anulação, revogação ou aniquilação.[35]

 

 

Esse princípio – da proibição do retrocesso social – possui conteúdo positivo, ou seja, de dever do Poder Legislativo na manutenção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais, assegurando-se, dessa forma, o avanço social. O conteúdo negativo diz respeito à proibição de elaboração de normas que não respeitem os direitos já conquistados; é a vedação do retrocesso social.[36]

 

Pelo princípio da vedação ao retrocesso, o Estado não pode invocar norma interna para deixar de cumprir um pacto internacional, devendo assumir uma posição pró-ativa na defesa dos direitos humanos.

 

O princípio de vedação ou proibição do retrocesso social, da progressividade dos direitos humanos, está em consonância com os artigos 2º, 11, 16, 18, 21 e 22 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC (NY), aprovado em 16.12.1966 - XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas – Resolução nº 2.200-A –, integrado ao ordenamento jurídico brasileiro em 24 de abril de 1992 por meio do Decreto-lei nº 226, de 12 de dezembro de 1991 (aprovação), e do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992 (promulgação).[37] Os Estados assumiram a obrigação de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais.

 

Igualmente converge com o Protocolo Adicional – Pacto de San Salvador – 17.11.1988 – Artigos 1º, 17 e 19, bem como com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22.11.1969, artigo 26.

 

                                   Nesse sentido, oportuno observar o estudo realizado por Guilherme Bassi de Melo no que toca à natureza das disposições contidas no artigo 1º da Constituição Federal. In verbis:

 

Nesse passo, é possível conceber a democracia, que caracteriza o Estado de Direito brasileiro, como a possibilidade de participação popular, diretamente ou por representação, na tomada de rumos e definição de finalidades da nação. Essa participação, salienta-se, ocorre de modo que cada indivíduo será considerado de maneira igual, sem que um cidadão, por sua condição social ou econômica, seja privilegiado em detrimento de outro.

Evidente, no que toca à democracia, a existência da primeira cláusula de repúdio às barbáries ocorridas nos últimos dois séculos, em que o povo se submetia aos desígnios de uma diminuta parcela da população, haja vista a consideração diferenciada e detrimentosa de sua consideração como agrupamento social em que todos os indivíduos devem ser tratados de maneira igual.

(...)

A dignidade da pessoa humana, como quarta cláusula de repúdio, possui papel diferenciado na ordem jurídica brasileira, embora sua análise seja objeto de item específico, pode-se afirmar que seu conceito diz respeito à garantia de o indivíduo ser aquilo que é e aquilo que ele deve ser. Isso significa que o indivíduo, sendo aquilo que ele é, deve ser tratado e considerado como um ser humano único e singular, com peculiaridades que devem ser respeitas e reconhecidas pelos seus semelhantes. Por outro lado, e de maneira integrativa, ser aquilo que ele deve ser diz respeito ao fato de que o indivíduo deve se autodeterminar da maneira que melhor lhe aprouver, desde que respeitada a dignidade de seus pares. É evidente que essa cláusula de repúdio dirige-se, indubitavelmente – e exemplificativamente -, ao confronto da situação de extermínio verificada contra os judeus e os homossexuais durante a Segunda Guerra Mundial. Por conta de orientações religiosas e sexuais diferenciadas, um número muito além daquele previsto em estatísticas oficiais da época foi eliminado, da forma mais repulsiva, do âmbito de existência humana. Seguindo essa linha de raciocínio, o art. 1º, inc. IV, da Constituição Federal, afirma a valorização social do trabalho e da livre iniciativa. Não existe dúvida de que, se realizado de maneira digna, o trabalho possui irrefragável valor social, sendo um dos mais importantes direitos decorrentes da cidadania. Desta forma, atribuindo conteúdo ao valor social do trabalho, a Constituição Federal, em seu art. 7º, atribui aos trabalhadores um extenso rol de direitos fundamentais. Reconhece-se, com isso, que ao trabalho se atribui importância ímpar na sociedade, de modo que, por intermédio dele, pode-se alcançar uma sociedade livre, justa e solidária, entre outros objetivos. Mas não é só. O legislador constituinte entendeu por bem atribuir valor social também à livre iniciativa, colocando-se no mesmo dispositivo constitucional que o trabalho. Isso não ocorreu de forma despropositada. Existe, aqui, uma necessidade de se harmonizar os eternos interesses conflitantes existentes entre capital e trabalho. Isso para que a supervalorização do trabalho não inviabilização a exploração de atividades econômicas e, concomitantemente, a selvageria do capital não suprima a dignidade do trabalho. Essa quinta cláusula de repúdio, por assim dizer, volta-se contra a exploração descomedida do ser humano durante as duas primeiras revoluções industriais e, por que não, dos judeus expurgados para os campos de concentração. (…).[38]

 

 

Dar provimento total ao recurso da empresa significaria chancelar o retrocesso social, admitir-se o trabalho degradante.

 

Esclareça-se, por oportuno, que acolher a pretensão do MPT, pondo fim ao pagamento por produção no caso dos cortadores de cana, não representa um “ativismo” judicial desenfreado. Pelo contrário, põe-se freio no capitalismo selvagem, que causa sofrimento, adoecimento e mortes.

 

O E. STF reconhece que o Poder Judiciário pode intervir em políticas públicas para assegurar direitos fundamentais. 

 

O Poder Judiciário pode e deve perscrutar a legalidade do ato administrativo quando o ente político descumpre os encargos político-jurídicos que sobre ele incidem, comprometendo a eficácia e a integridade de direitos sociais assegurados pela Lei Maior.

 
Dessa forma, ainda que a competência primária para formular e executar políticas públicas caiba aos Poderes Legislativo e Executivo, é possível, de forma excepcional, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, que o Poder Judiciário determine a sua implementação, quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos fundamentais previstos na Constituição.
 

Nesse sentido, os seguintes precedentes do E. STF: AI nº 646.079/SP, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 28/11/08, AI nº 725.891/SC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 10/10/08, AI 474.444-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 410.715-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 436.996-AgR/SP, Rel. . CELSO DE MELLO,  AI 455.802/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – AI 475.571/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE  401.673/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO –RE 411.518-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO. RE 431.773/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO,  AI 813590/MG – Rel. Min. DIAS TOFFOLI, AI 598212/PR, Rel. Min. Celso de Mello; ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004).[39]

 

 

LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, na obra “Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, São Paulo, Max Limonad, 2000), sobre a limitação da discricionariedade do administrador público na concretização das políticas constitucionais, assevera que:
 
Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
(...)
Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.
(...)
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
(...)
As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.”

 

Assevere-se que a “teoria do financeiramente possível” tem sido constantemente afastada pelo Poder Judiciário, que obriga o Poder Público a desempenhar o papel que lhe conferiu a Constituição Federal. A atual jurisprudência do STF, acima mencionada, tem exigido, além da alegação de inexistência de recursos, a efetiva comprovação dessa inexistência, o que o Ministro Eros Grau chamou de exaustão orçamentária.

 

Assim, se o Poder Judiciário pode intervir e determinar a execução de políticas públicas voltadas a concretizar os princípios de bem-estar e justiça social, por muito mais razão pode limitar a vontade dos particulares, de forma a restringir o pagamento por produção, que provoca sofrimentos, adoecimentos e mortes em flagrante desrespeito aos preceitos constitucionais garantidores da vida, saúde, dignidade do ser humano e da função social da propriedade.

 

 

                                   Assim, consideradas como cláusulas impeditivas de retrocessos sociais, as previsões do art. 1º, especialmente os incisos III e IV, da Constituição Federal, devem servir de respaldo à pretensão aduzida pelo órgão ministerial em sua inicial.

 

 

DO PAGAMENTO POR PRODUÇÃO NO CASO DAS ATIVIDADES PENOSAS E   INSALUBRES. DA INTERPRETAÇÃO DA CLT CONFORME A CONSTITUIÇÃO.

 

                                   Por conseguinte, pode-se dizer que a manutenção do esquema de remuneração por produção, para o cortador de cana, é situação odiosa que revela retrocesso social inquestionável, haja vista a indução camuflada no sentido de valorizar o trabalhador que produz mais. E, aqui, fala-se em toneladas a mais para que, no final do mês, todos estejam estafados e, mesmo assim, mal remunerados.

 

                                   Deve-se entender, de uma vez por todas, que o cortador de cana submetido à modalidade de pagamento por produção não trabalha mais porque quer. Muito pelo contrário: ele trabalha mais porque precisa, porque é sub-remunerado e, para que não se sinta ainda mais aviltado em sua dignidade, possa prover as necessidades básicas e vitais de sua família. Sua liberdade de escolha, aqui, é flagrantemente tolhida pela sua necessidade de sobreviver e prover sua família.

 

                                   Nesse sentido, ademais, há muito tempo decide o este E.TRT, como a ementa a seguir transcrita revela, in verbis:

 

Não há dúvida de que remuneração por unidade de produção estimule o trabalhador a produzir, mas é interpretação avessa à lógica econômica e ao direito que o excesso de jornada só atende aos interesses do empregado. Não se pode esquecer que quanto mais elevada a média de produção diária, haverá uma tendência de menor preço por unidade de produção. Com isto, frustra a expectativa de se obter maior ganho diário. Este sistema de remuneração acaba por pressionar o trabalhador a obter maior produção diária, sem considerar o esforço exigido, muitas vezes além dos limites de sua capacidade física, que fica exaurida no final da jornada. O trabalho em excesso de jornada diária ou semanal será sempre desrespeito aos limites constitucionais (art.7º, XIII CF/88) e legais (art.58 da CLT), seja para o trabalhador remunerado por unidade de tempo (hora, dia ou mês) seja para aquele remunerado por unidade de produção ou tarefa. Estabelecendo a Constituição um adicional mínimo de 50% por hora de trabalho extraordinário, sem fazer distinção. não pode o intérprete fazer distinguir a pretexto de forma de remuneração. (TRT/SP, 15a.Região, Ac. 47.568/98. Proc.11.372/97. DOE 26.1.99.pág.27.Rel. José Antônio Pancotti, 2a T.)

 

                                   A conclusão a que se chega, então, é a de que o pagamento por produção não deve ser proibido de forma genérica e abstrata, de modo a abranger todos os tipos de trabalhadores. A proibição, por óbvio, deve ser específica e correlacionada às peculiaridades concernentes aos cortadores de cana, não excluídos outros profissionais que apresentem um quadro inerente de degradação de sua saúde (tal como os responsáveis pela desossa de coxas de frango nos frigoríficos).

 

                                   Isso, como é cediço, em razão da situação ofensiva à dignidade humana e ao valor social do trabalho que é criada quando o cortador de cana é estimulado a produzir mais e mais para que consiga garantir o mínimo imprescindível à sua sobrevivência.

                                  

                                   Imperioso observar, nessa cadência, que mesmo antes de a OJ n. 173 da SDI – I ser alterada em 14.09.2012, o próprio TST vinha reconhecendo a incidência do adicional de insalubridade por conta da exposição a calor excessivo a que se submetem os cortadores de cana.

 

                                   Assim, interessante citar as seguintes ementas, salientando que todas foram utilizadas como precedente para impulsionar a adição do item II à OJ n. 173 da SDI – I do C.TST, in verbis:

 

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA (...) ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CORTADOR DE CANA-DE-ACÚCAR. EXPOSIÇÃO AO CALOR. Na hipótese, a condição insalubre a que estava submetido o empregado - excesso de calor - encontra-se devidamente prevista nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho (NR 15 Anexo 3). Assim, não procede a alegação de contrariedade ao entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial n.º 173 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho, visto que o adicional de insalubridade foi deferido com base no excessivo calor, e não em face da exposição a raios solares. Frise-se que a conclusão do laudo pericial, no sentido de que -o IBUTG medido no local de trabalho chegou a 31,2°C, sendo que o máximo permitido é 25°C-, respalda o entendimento sufragado pela Corte de origem. Incólumes, portanto, os dispositivos invocados. De outro lado, não se prestam à demonstração de dissenso jurisprudencial, nos termos do artigo 896, a, da Consolidação das Leis do Trabalho, arestos provenientes de Turmas deste Tribunal Superior. De igual modo, resultam inservíveis arestos inespecíficos, consoante disposto na Súmula n.º 296, I, do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-123300-59.2008.5.09.0093, 1ª Turma, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, D.J. de 2/9/2011)

 

(...) ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. TRABALHO EM LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. EXPOSIÇÃO AO CALOR E À UMIDADE. PREVISÃO NOS ANEXOS N°S 3 E 10 DA NR N° 15 DA PORTARIA Nº 3.214/78 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. O Regional destacou o laudo pericial, segundo o qual a reclamante prestava serviços no corte de cana-de-açúcar, exposta ao calor e à umidade, que se encontram previstas como insalubres nos Anexos 3 e 10 da NR 15 da Portaria nº 3.214178 do Ministério do Trabalho, conforme consignado no laudo pericial. O Tribunal a quo também transcreveu trecho do laudo pericial, em que consta que o uso de EPIs não reduzem a incidência dos agentes agressivos no organismo do trabalhador, em relação às condições de insalubridade de grau médio no ambiente com a presença de Calor - Anexo N° 3, e com a presença de Umidade - Anexo N° 10, todos da NR-15, a níveis dentro dos limites de tolerância. Não se trata, portanto, de simples exposição do trabalhador a raios solares ou a variações climáticas, havendo previsão na Norma Regulamentadora nº 15, Anexo nº 3, da Portaria nº 3.214/78, quanto à insalubridade pelo trabalho exposto ao calor, quando ultrapassado o limite de tolerância, como ocorreu na hipótese dos autos. Isso sem falar na exposição à umidade prevista no Anexo 10 da citada portaria. Assim, havendo previsão legal para o deferimento do adicional de insalubridade, não há falar em contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 173 da SBDI-1 do TST. Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-151800-91.2005.5.09.0562, 2ª Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, D.J. de 7/10/2011)

 

RECURSO DE REVISTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. TRABALHADOR RURAL EM LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. EXPOSIÇÃO A CALOR EXCESSIVO. O empregado que se expõe ao calor excessivo em razão da atividade desempenhada a céu aberto na lavoura de cana-de-açúcar faz jus ao adicional de insalubridade em grau médio, sendo inaplicável, no caso, o disposto na Orientação Jurisprudencial 173 da SBDI-1 do TST, porque não se trata de simples exposição a raios solares, mas sim de exposição a agente mais penoso, qual seja, o calor excessivo. Recurso de Revista não conhecido. (RR-93400-66.2005.5.15.0029, 8ª Turma, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, D.J. de 30/9/2011)

 

RECURSO DE REVISTA. (...) 3. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. EXPOSIÇÃO A CALOR EXCESSIVO. LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. ANEXO 3 DA NR 15 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Dos fundamentos expostos pela Corte a quo, não há como entender violados os arts. 5º, II, da CF e 190 e 195 da CLT, tendo em vista que o perito constatou que a atividade desenvolvida pelo reclamante se enquadrava em hipótese de insalubridade prevista em norma regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego. Ademais, não se trata de aplicação da OJ nº 173 da SBDI-1 do TST, conforme precedentes desta Corte. Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-175200-22.2008.5.09.0242, 8ª Turma, Rel. Min. Dora Maria da Costa, D.J. de 2/9/2011)

 

                                   Evidentemente, a situação dos cortadores de cana é especial, diferenciada. E isso é demonstrado pelo próprio teor da OJ n. 173 da SDI – I. Assim, como regra, o adicional de insalubridade não será devido aos trabalhadores pelo simples fato de realizarem suas atividades a céu aberto. Contudo, caso haja exposição a calor que ultrapasse os limites de tolerância, nesse caso o adicional será devido.

 

                                   Oportuno lembrar, por oportuno, que a referida orientação jurisprudencial foi modificada justamente para atender aos reclamos dos cortadores de cana, como se infere das ementas transcritas acima e de seu próprio texto, abaixo colacionado:

 

173. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR. (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE).

II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE.

 

 

                                   O mesmo raciocínio deve ser utilizado no presente caso. Com efeito, justamente porque a atividade realizada pelo cortador de cana é diferenciada (haja vista sua insalubridade inerente; e, obviamente, sua penosidade inconteste), a remuneração desses trabalhadores por critério de produção deve ser proibida.

 

                                   Por conta disso, e considerando a especificidade do contexto fático no qual os cortadores de cana estão inseridos, importa transcrever o posicionamento do C. TST no que toca à OJ n. 235 da SDI -I e sua aplicação aos cortadores de cana, cujo texto foi utilizado de maneira falaciosa pela reclamada a fim de respaldar sua pretensão de ver permitida a remuneração de seus empregados por produção. In verbis:

 

RECURSO DE REVISTA. RURÍCOLA. HORAS -IN ITINERE-. SUPRESSÃO PREVISTA EM ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. INVALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 58, § 2°, DA CLT. NORMA DE CARÁTER COGENTE QUE INTEGRA O ROL DE DIREITOS MÍNIMOS DOS TRABALHADORES. REMUNERAÇÃO POR PRODUÇÃO. A Lei nº 10.243/2001, ao acrescentar o § 2º ao art. 58 da CLT, erigiu as horas -in itinere- à categoria de direito indisponível dos trabalhadores, garantido por norma de ordem pública, não se admitindo, portanto, a supressão da parcela mediante negociação coletiva. Precedentes da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte Superior. HORA EXTRA. SALÁRIO POR PRODUÇÃO. DIREITO À REMUNERAÇÃO DA HORA EXTRA INTEGRALMENTE (HORA MAIS ADICIONAL). Por ocasião da vista regimental proferida no julgamento dos recursos de revista-TST-RR-59000-34.2008.5.15.0057 e TST-RR-28700-35.2007.5.15.0151, no qual fui Integralmente acompanhado pelos ilustres pares integrante desta Turma, tive a oportunidade de proferir entendimento no sentido de que a Orientação Jurisprudencial n° 235 da SBDI-1 desta Corte - embora, não se desconheça que tenha sido firmada a partir de julgados proferidos em processos oriundos da indústria sucroalcooleira, como no caso - não deve ser aplicada aos trabalhadores braçais, como são os cortadores de cana. Isso porque o trabalho remunerado por tarefa é um misto do trabalho por unidade de obra e por unidade de tempo, de forma que não se identifica com o trabalho remunerado por comissão, de que trata a Súmula n° 340 do TST, que constitui a fonte de inspiração da mencionada orientação jurisprudencial. A limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, prevista no inciso XIII deste dispositivo, objetiva a preservação da higidez física e mental do trabalhador, que, por isso mesmo, mais do que direito social, erige-se como direito individual indisponível por sua própria vontade. Obviamente, se o trabalhador está submetido a estímulo financeiro para trabalhar mais e mais, sem a perspectiva de compensação de jornada, com preservação do mesmo ganho salarial mensal, o maior e único beneficiário é o setor produtivo, que se favorece deste trabalho. Por essa razão a aplicação da Orientação Jurisprudencial n° 235 da SBDI-1 do TST ao trabalho rural somente contribui para a precarização das relações de trabalho no campo, ao desrespeitar a dignidade do trabalhador que tem a valorização do seu trabalho condicionada a maior produtividade, ao limite da exaustão física e psicológica, e, consequentemente à redução de sua qualidade de vida. Nesse contexto, não se pode conceber que o trabalho por produção esteja excepcionado da limitação da jornada diária e semanal, tutelada pela Constituição Federal e, consequentemente, da remuneração da hora extra integralmente (hora acrescida do respectivo adicional), devendo-se observar o adicional normativo, sempre que mais benéfico ao trabalhador. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR - 69600-82.2006.5.05.0342 Data de Julgamento: 14/09/2011, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2011) (grifo nosso)

 

                                   Nesse acórdão, como se nota, o C. TST mitigou a aplicação da OJ n. 235 da SDI – I quando diante de situações envolvendo cortadores de cana que são remunerados, exclusivamente ou não, por produção. Trata-se de importante decisão que reconhece a situação luctífera na qual está inserido o cortador de cana.

 

                                   Interessante ressaltar, mais uma vez, o seguinte trecho constante da ementa transcrita, in verbis:

 

Por essa razão a aplicação da Orientação Jurisprudencial n° 235 da SBDI-1 do TST ao trabalho rural somente contribui para a precarização das relações de trabalho no campo, ao desrespeitar a dignidade do trabalhador que tem a valorização do seu trabalho condicionada a maior produtividade, ao limite da exaustão física e psicológica, e, consequentemente à redução de sua qualidade de vida.” (grifo nosso)

 

No âmbito do TRT da 15ª Região são inúmeras as decisões que reconhecem as condições degradantes e extenuantes dos cortadores de cana, nesse sentido, podemos citar:

 

1) Processo. N. 0000518-16.2011.5.15.0081., de minha relatoria, tendo como Recorrente: Cambuhy Agrícola Ltda. Recorrido: Juvenal Alves da Silva. 6ª TURMA - 11ª CÂMARA, constando da fundamentação:

 

Além disso, notórios os malefícios que podem causar à saúde humana a exposição excessiva ao sol, como: a desidratação, a insolação, danos na retina e na córnea e estresse térmico; e, da radiação ultravioleta (UV-B e UVA) as queimaduras na pele, bronzeamento pigmentar tardio, envelhecimento precoce e o aparecimento do melanoma e o mais terrível dos males, o câncer de pele.

(...)

Literaturas e artigos técnicos afirmam que quando há aumento da temperatura corporal ante o exercício (maratona, por exemplo) sob calor, o sistema cardiovascular tornar-se sobrecarregado já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais órgãos com pouca oxigenação.  Negrejou-se.

 

 

2) PROCESSO 000456-67.2012.5.15.0104. Recorrente: AGROINDUSTRIAL OESTE PAULISTA LTDA. Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO. 4ª Câmara – Segunda Turma. Rel. Des. Dagoberto Nishina, do qual constou:

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SUPRESSÃO DOS REPOUSOS - DANO MORAL SOCIAL IN RE IPSA - industrialização do açúcar e álcool

A espécie é exemplo da industrialização do açúcar e álcool, na qual o lucro ascende e suplanta o valor humano.

Os métodos de trabalho continuam irracionais, desiguais, injustos, e os trabalhadores permanecem sem a proteção mínima da gênese da legislação trabalhista (1943), do estatuto do trabalhador rural (1973) e desrespeita-se até a Constituição.

Das Capitanias Hereditárias às Usinas atuais, apenas o arado e o transporte por tração animal foram substituídos pelo trator, moendas circulares deram lugar a máquinas, esteiras, caldeiras, os produtos se diversificaram, os lucros ascenderam, a denominação foi modernizada e alardeada pelo mundo por um arauto falastrão: biocombustível.”

No corpo do v. acórdão foi mencionado:

As práticas da recorrente em relação aos seus empregados são medievais, remontam às dos engenhos do Século XVI – colheita pé a pé por facão, transporte, esmagação, transformação do caldo nas caldeiras e lucro.

(...)

Entretanto, os métodos de trabalho continuam irracionais, desiguais, injustos, e os trabalhadores permanecem sem a proteção mínima da gênese da legislação trabalhista (1943), do estatuto do trabalhador rural (1973) e desrespeita-se até a Constituição.

A espécie é exemplo da industrialização do açúcar e álcool, na qual o lucro ascende e suplanta o valor humano.

 

3) Nos autos do processo n. 01182-2007-134-15-00-4 (numeração atual 0118200-66.2007.5.15.0134), acórdão publicado em 22.08.2008, Rel. Des. JOSÉ PEDRO DE CAMARGO RODRIGUES DE SOUZA, 3ª Câmara – Segunda Turma, consta a seguinte ementa:

 

(...) A cada ano que passa a “produtividade/produção” aumenta e o respectivo preço diminui, dele se exigindo cada vez mais trabalho nessa atividade notoriamente penosa e prejudicial à saúde, o que conspira contra o art. 7º, XIII e XVI da Constituição Federal (horas extras somente em serviços extraordinários) e, também, contra os fundamentos do Estado Democrático de  direito (dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), os princípios gerais da Atividade Econômica  (art. 170) e da Ordem Social (art.193). (...)”

 

                                   Na fundamentação do v. acórdão constou:

 

Hão de se ter em conta os princípios de proteção à saúde e higidez física do trabalhador, sem se desprezar o fato – público e notório – de que alguns empregados rurais têm trabalhado até a morte, literalmente.

 

A este respeito, interessa transcrever os seguintes dados sobre as condições de trabalho da categoria, citados por Francisco José Alves, professor do departamento de engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos, Estado de São Paulo:

A expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas por dia é de 10 a 12 anos, menor que a expectativa de um trabalhador escravo do fim do século XIX, que era de 12 a 15 anos. Mais do que dez safras cortando cana, o trabalhador está incapacitado para o trabalho: está com lordose e uma série de doenças decorrentes do trabalho. A única expectativa que ele tem é pedir aposentadoria. (Pesquisador prega extinção do trabalho por produção, Repórter Brasil, 2007. Disponível em: < http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1139>)

 

É inconteste, é público e notório, que a atividade nas lavouras de cana-de-açúcar é extremamente repetitiva, tornando-se estafante e degradante da saúde do obreiro.

(...)

Cabe relatar, ainda, que o Ministério do Trabalho, em situação análoga, cuidando de profissão que envolve atividades repetitivas, editou a NR 17, que se refere aos digitadores.

A norma proíbe “qualquer sistema de avaliação dos trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no número individual de toques sobre o teclado, inclusive o automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie” (item 17.6.4, “a”).

Ora, se a Norma Regulamentadora busca amparar a integridade física dos digitadores, com muito mais razão deve-se resguardar a saúde dos cortadores de cana, que, além de se submeterem às adversidades do meio ambiente de trabalho, realizam, todos os dias, milhares de movimentos com os braços, pernas e coluna, gerando doenças crônicas e reduzindo sua expectativa de vida.

Sobre a penosidade inconteste do trabalho no corte da cana, tenha-se em conta o que preleciona o Ilustre Procurador Regional do Trabalho, Prof. Dr. Raimundo Simão de Melo, em sua festejada e respeitada obra “Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador”, Editora LTr., São Paulo, 2008, p.163, o qual sustenta, inclusive, a possibilidade de aplicação de adicional de penosidade, apesar da inércia do Poder Legislativo na regulamentação do inciso XXIII do art. 7º da CF.”

 

O mesmo Relator, nos autos do processo n. 1070-2008-154-15-00-9, assevera que a observância da NR-17 – item 17.6.3 (atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores) – implica a proibição do pagamento por produção nas lavouras de cana-de-açúcar, uma vez que a remuneração realizada desta forma impossibilita condições sadias de trabalho. E o artigo 13, da Lei 5.889/73, determina que os estabelecimentos rurais observem as normas de segurança e higiene estabelecidas em Portaria do MTe.

 

 

4) PROCESSO TRT/15ª REGIÃO - Nº 01339-2008-036-15-00-7. RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE ASSIS. RECORRENTE: APARECIDO RIBEIRO DA CRUZ. RECORRIDA: NOVA AMÉRICA S/A – AGRÍCOLA. Rel. Des. MARIANE KHAYAT. 1ª TURMA – 2ª CÂMARA.

 

(...) escolha dos empregadores rurais de utilizar o empregado rural como mero instrumento para obtenção de lucro, mera mercadoria – dissociando a pessoa do trabalhador de sua dignidade - posição esta inaceitável desde a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1948.

A questão é que se tornou necessário lançar um novo olhar sobre essa “cultura rústica” (fruto da exploração escravagista também aceita como natural durante séculos, reprise-se). Não se autoriza mais a continuidade de práticas incompatíveis com a dignidade humana do trabalhador do campo ou da cidade. E o Judiciário tem um papel fundamental na fixação desses novos rumos, concretizando os princípios entronizados na Carta Constitucional.

Na atual quadra da História, em que se vive em um Estado Democrático de Direito - que numa virada copernicana, tem o ser humano e seus valores como referência de todo sistema jurídico – a dignidade da pessoa humana é uma cláusula supraconstitucional e deve orientar todas as relações humanas (vertical e horizontalmente), inclusive no plano internacional, como preconiza Peter Häberle ao anunciar a necessidade de um Estado Democrático Cooperativo como referência aos demais Estados no plano dos direitos humanos.

O pós-positivismo, que trouxe os valores da ética e da dignidade humana para dentro da disciplina do Direito, como marcas indeléveis do sistema jurídico, não absorve mais a justificativa da legalidade estrita.”

 

 

                                   Percebe-se, assim, que já passamos da fase do positivismo estrito, caminhamos para o pós-positivismo. Neste, os valores da ética, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade devem nortear a busca da justiça social. A liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato, conforme determina o artigo 421 do Código Civil.[40]

 

 

                                   Diante de todas essas constatações fáticas e construções jurídicas é que se deve analisar o art. 78, caput, da CLT, fazendo-se a interpretação conforme a Constituição:

 

 

Art. 78 - Quando o salário for ajustado por empreitada, ou convencionado por tarefa ou peça, será garantida ao trabalhador uma remuneração diária nunca inferior à do salário mínimo por dia normal da região, zona ou subzona.”

 

                                   Referido dispositivo legal não deve ser aplicado de maneira irrestrita e, o que é mais pernicioso, desatrelado dos Fundamentos da República Federativa do Brasil, especialmente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (respectivamente, art. 1º, incs. III e IV, da CF).

 

                                   Da forma como estabelecido originariamente, o art. 78, caput, da CLT visava situação de proporcionalidade entre as partes, qual seja: se o interesse da empresa é lucrar, nada mais razoável que pagar mais para o trabalhador que produz mais. Dessa forma todos ganham e a relação capital-trabalho mantém-se em equilíbrio. De fato, essa é uma ideia bastante interessante e que, ao lado da participação nos lucros e resultados, faz com que o trabalhador se insira de maneira mais efetiva na atividade empresária. De maneira mais clara: o trabalhador se sente fundamental na estrutura da empresa, passando a acreditar que o sucesso do empreendimento está diretamente relacionado à sua produtividade. Por conta disso, obviamente, será mais bem remunerado.

 

                                   Entrementes, esse raciocínio é demasiado genérico, não contemplando situações específicas que fazem com que a equação capital-trabalho se desequilibre de maneira grosseira e injustificável.

 

                                   Desse modo, o art. 78 da CLT encontra limites bem delimitados e que, certamente, fundamentam-se na sua própria finalidade. Assim, pode-se dizer que a remuneração por produção não é permitida para as atividades realizadas em situações de penosidade, degradantes, exaustivas etc. Isso porque, nesses casos, somente uma das partes se beneficia do labor excessivo: a empresa.

 

                                   Isso é o que ocorre, principalmente e nesse caso, com as indústrias sucroalcooleiras (ou sucroenergéticas), haja vista o aumento público e notório de suas margens de lucro e, consequentemente e como condição, a diametralmente oposta situação do cortador de cana, que jamais será remunerado proporcionalmente ao lucro que ele gera, pois a média da cana cortada saltou de 2 toneladas dia para 12. Contudo, a remuneração desses trabalhadores continua praticamente a mesma das duas toneladas. Esse sistema perverso e nefasto não foi desejado pelo legislador ordinário quando da elaboração do art. 78 da CLT. Despiciendo falar do legislador constituinte.

           

                                   Por conta disso, pode-se afirmar que o art. 78 da CLT, ao permitir a remuneração por produção, disse mais do que queria, devendo ser interpretado de maneira restritiva. Saliente-se, antevendo argumentos contrários, que essa restrição é permitida constitucionalmente, haja vista tudo o quanto foi expendido sobre os Fundamentos da República Federativa do Brasil.

 

                                   Com efeito, o art. 7º, caput, da Constituição Federal, ao prever e dar guarida ao princípio da norma mais favorável, permite a criação de situações negativas, isto é, situações que revelam direitos dos trabalhadores por intermédio da abstenção de algumas práticas por parte dos empregadores.

 

                                   É o que ocorre com a proibição da remuneração por produção no caso dos cortadores de cana. Esse trabalhador, consideradas as peculiaridades de seu labor, tem o direito de não ser remunerado por produção, pois que essa prática acarreta situação contraria à melhoria de sua condição social.

 

                                   Ora, não se pode admitir, portanto, que a exaustão a que chegam os cortadores de cana, quando não a morte, revela melhoria de sua condição social unicamente porque passa ganhar poucos reais a mais no final do mês, quantia incomensuravelmente desproporcional ao lucro que ele gera.

           

                                   Nesse contexto, oportuno transcrever, mais uma vez, a argumentação apresentada pela reclamada, in verbis:

 

25. Note-se que o estabelecimento de salário por produção, ao contrário do disposto na r. sentença, não tem o condão de erradicar ou reduzir qualquer direito trabalhista; ao reverso, se trata apenas e tão somente da aplicação de um direito regularmente previsto na CLT e que, obviamente, está em plena consonância com a Constituição vigente, pois visa a melhoria das condições sociais dos trabalhadores, como prescreve o art. 7º, caput, da CF.” (grifo nosso) (fl. 1543 - verso)

 

                                   De fato, soa estranha a afirmação de que o estabelecimento de salário por produção, no caso dos cortadores de cana, visa a melhoria de sua condição social. Pergunto-me, toda vez que leio esse trecho, qual seria a melhoria advinda desse contexto. (?). Nenhuma, claro.

 

                                   Como uma atividade reiteradamente reconhecida como de risco pelo C. TST, cuja remuneração geralmente não ultrapassa mil reais, cujo índice de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais é assustador, cujas notícias de mortes causam náusea, cujas frequentes constatações de paradas cardiorrespiratórias são inaceitáveis, cuja funesta desproporção entre lucro gerado e salário auferido causa asco, como essa atividade, admitida sua remuneração por produção, pode revelar melhoria de condições sociais? Não há dúvida de que a condição socioeconômica dos empregadores melhora a cada cana que é cortada. Quanto aos trabalhadores, por outro lado, não se pode fazer essa afirmação, nem sob o mais remoto e ingênuo fundamento.

 

                                   O Poder Judiciário não pode respaldar esse tipo de prática. A sociedade espera respostas efetivas e justas, mormente da Justiça do Trabalho. O momento pelo qual a sociedade brasileira passa, em que as manifestações populares têm ocupado importante espaço dos noticiários nacionais e internacionais, deve servir de norte para que o Judiciário profira suas decisões, especialmente quando reveladores da valorização do ser humano por intermédio da realização de um trabalho digno.

 

                                  

                                   Não deve o Brasil, vinte e cinco anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, permitir tremendo retrocesso social. Não deve, sob pena de endossar e fazer crescer a triste estatística mundial, incentivar a karoshi, termo japonês criado na década de 1980 e que significa, literalmente, morte por excesso de trabalho.

 

                                   Ressalte-se que a NR 17 - ERGONOMIA  - Portaria GM n. 3.214, de 8.6.1978, em seu item 17.6.4.”a”, prevê:

 

Nas atividades de processamento eletrônico de dados, deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte: a) o empregador não deve promover qualquer sistema de avaliação dos trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no número individual de toques sobre o teclado, inclusive o automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie;”.

 

                                   Percebe-se, portanto, que o salário por produção encontra limitações no próprio ordenamento positivado, como demonstrou a referido Portaria do MTE.

 

                                   A referida Portaria tem por escopo a integridade física dos digitadores, portanto, por muito mais razão a saúde dos cortadores de cana deve ser resguardada, vez que desempenham atividades penosas e degradantes, em ambiente de trabalho hostil, como o rural, realizando, todos os dias, milhares de movimentos repetitivos com as mãos, braços, pernas e coluna (risco de lesões osteo-musculares), levando a doenças crônicas e reduzindo sensivelmente a sua expectativa de vida. Acresça-se a isso a atividade pesada em ambiente insalubre – calor excessivo – quadros 1 a 3 do Anexo 3 da NR-15).[41]/[42]

 

                       

 

                                    Aliás, entendimento contrário implicaria flagrante ofensa ao princípio da igualdade previsto no artigo 5º, caput, CF/88.

 

                                   Diga-se, por outro lado, que se uma Portaria do MTe pode modificar a forma de remuneração dos digitadores, por muito mais razão isso pode ser feito por meio de uma decisão judicial em tutela coletiva – com status constitucional – e proferida com a observância das regras processuais e da dialética.

 

                                   Apesar de as atividades dos cortadores serem desempenhadas sob calor excessivo, (veja-se quadro de fl. 32 da inicial) o PCMSO da ré faz o reconhecimento da necessidade de conforto térmico, como medida de prevenção à fadiga, apenas em favor dos trabalhadores que realizam atividades intelectuais (fl. 4 da inicial), fato não contestado, portanto, incontroverso. Constata-se, assim, a ausência de cuidados mínimos com a saúde dos cortadores.

 

                                   Ora, não existem questionamentos dignos de nota cujo objetivo seja atacar a Portaria GM 3.214/78. E qual o motivo da inexistência? Ele é muito claro: embora os digitadores também se enquadrem num contexto em que o pagamento por produção tem a potência de levá-lo ao adoecimento, seus empregadores ou tomadores de serviço não possuem – nem de muito longe – a capacidade econômica daqueles que empregam os cortadores de cana. Aqui, nova e infelizmente, vem o capital  suprimindo o valor social do trabalho.

 

                                   O artigo 78 deve ser interpretado em consonância com o artigo 444, que preceitua que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho.

 

                                   Assim, o artigo em questão sofre restrição das disposições de proteção ao trabalho, especialmente quando se fala em um sistema de remuneração que leva à exaustão, adoecimento e mortes.

 

                                   Ao contrário do afirmado no recurso (fl. 1.550 - verso), o artigo 5º, da LIDB, não agasalha a sua pretensão, pois, se na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, certamente isso não será alcançado com a manutenção de uma forma de remuneração que coisifica o homem.

 

                                   Dar razão à recorrente, nesse particular, com efeito, será o mesmo que tornar letra morta alguns dos documentos internacionais – ratificados pelo Brasil – mais importantes da história mundial, dentre os quais é possível mencionar, in verbis:

 

·         "Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social; Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio "para igual trabalho, mesmo salário", à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas; Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.” - Preâmbulo da Constituição da OIT

·         Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.” (Artigos XXVIII e XXIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos)

·         Ninguém poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas, ficam proibidos.” (Artigo 8 do Pacto Internacional sobre direitos Civis e Políticos, internalizado por intermédio do Decreto n. 592 de 6 de julho de 1992)

·         Os Estados Partes do presente pacto o reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: a) uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e receber a mesma remuneração que ele por trabalho igual;
ii)
uma existência decente para eles e suas famílias
, em conformidade com as disposições do presente Pacto. b) a segurança e a higiene no trabalho;
c) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, á categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade; d) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos.” (Artigo 7 do Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais)

 

Ressalte-se que a manutenção da r. sentença encontra razões até de ordem política econômica, pois a manutenção da remuneração por produção, que coisifica o trabalhador, conforme se vê da inicial às f. 60/62, pode acarretar severas sanções internacionais ao país pela prática de dumping social[43]. É óbvio que ninguém deseja esse tipo de sanção, até porque o Brasil prega que a indústria sucro-energética produz um combustível limpo (etanol), portanto, esse combustível “limpo” não pode ser manchado com o sangue dos cortadores.

 

Na hipótese concreta (proibição do trabalho por produção), não se está negando vigência ao princípio da livre iniciativa ou da legalidade (art. 5º, II). É que na colisão entre princípios constitucionais, diante da necessidade de ponderação (ou sopesamento), os princípios do direito à vida, à saúde, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana devem prevalecer, em detrimento daqueles e diante das circunstâncias e condições inerentes ao caso concreto. Há uma relação de precedência condicionada, ou seja, o princípio da livre iniciativa continua válido, muito embora com sua incidência restringida.

 

Sobre o assunto, sempre interessante trazer à tona as lições de Robert Alexy, in verbis:

 

Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicos e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei de colisão. Visto que a aplicação de princípios válidos – caso sejam aplicáveis – é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princípios antagônicos.”[44]

 

 

Todos os dias, sem exceção, a Justiça do Trabalho se depara com situações da mais alta importância social. Contudo – e essa afirmação pode ser endossada por aqueles que militam de verdade na área -, faz tempo que uma questão de tamanho impacto social, que definitivamente oferece a oportunidade de fazer valer a força normativa da Constituição Federal de 1998, não bate a essas ilustres portas. Muito se fala, principalmente em âmbito teórico, sobre a necessidade de aplicação direta da Constituição Federal, da necessidade de interpretação da lei conforme o Texto Maior. Entrementes, pouco se faz de efetivo nesse sentido. É chegada a hora de abandonar velhas práticas estritamente legalistas e formais. A Justiça do Trabalho tem, nesse caso, oportunidade de fazer real diferença na vida de muitos trabalhadores. E na própria economia, pois o passivo dessa chaga social é para ela canalizada.

 

                                  

Por conta de todo o exposto, acolhidas as razões de decidir apresentadas pelo magistrado de 1ª Instância, acrescidos os fundamentos apresentados anteriormente, com base na interpretação sistemática e conforme a Constituição do nosso ordenamento jurídico, impõe-se a manutenção da brilhante sentença de origem na parte em que determinou à reclamada que se abstenha de remunerar os cortadores de cana por produção.

 

                                   DA MULTA IMPOSTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA                                         SENTENÇA

 

                                   Por derradeiro, a reclamada alega que não existe amparo legal para a imposição judicial da multa em caso de descumprimento do quanto decidido. Ademais, alega que a imposição da referida multa acarretará enriquecimento sem causa do recorrido.

 

                                   Evidentemente, não assiste razão à reclamada.

 

                                   Primeiramente, no que toca ao argumento de que não existe amparo legal para a aplicação de multa em caso de descumprimento da decisão proferida pelo magistrado de 1ª Instância, parece que a reclamada desconhece o sistema processual vigente. Sua afirmação, nesse particular, causa estranheza.

 

                                   Com efeito, a Lei da Ação Civil Pública prevê, em seu art. 3º, que a ação poderá ter por objeto o cumprimento de obrigação de não fazer. A seguir, demonstrando verdadeira interação criadora do chamado microssistema de tutela coletiva, seu art. 21 determinada a aplicação do Título III do Código de Defesa do Consumidor às ações civis públicas.

 

                                   Por conseguinte, o art. 84, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, prevê a possibilidade de o juiz impor, na sentença, multa diária, independentemente de pedido do autor, caso essa medida seja suficiente ou compatível com a obrigação.

 

                                   Eis, na ordem em que foram citados, os referidos dispositivos legais:

 

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. 

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”

 

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.” (grifo nosso).

 

                                   Já o artigo 11 da LACP prevê: “Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.” (negrejou-se)

           

                                   Nesse mesmo sentido, aliás, é a lição de Luiz Guilherme Marinoni, in verbis:

 

            “Ora, como há um sistema de tutela coletiva dos direitos, integrado, fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor – em razão do art. 90 do CDC, que manda aplicar às ações ajuizadas com base nesse Código as normas da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Processo Civil, e do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, que afirma que são aplicáveis às ações nela fundadas as disposições processuais que estão no Código de Defesa do Consumidor -, não há dúvida de que o art. 84 do CDC sustenta a possibilidade da tutela inibitória pura para qualquer direito difuso ou coletivo.”[45]

 

 

                                   Portanto, absolutamente impossível sustentar a ausência de amparo legal para a imposição, na sentença, de multa cujo objetivo é ver obrigação de não fazer cumprida. Trata-se de medida que torna mais efetiva a imposição judicial.

 

                                   É evidente que a multa aplicada tem o escopo de fazer prevalecer o aspecto inibitório do mandamento judicial. Não existe processo efetivo – considerado como técnica de solução de conflitos adotada pelo Estado – sem que haja a contrapartida coercitiva em caso de descumprimento da decisão proferida. Na verdade, a irresignação da reclamada perde razão de existir se considerarmos que haverá cumprimento da obrigação imposta.

 

                                   Tanta insatisfação, traduzida pela estranha  argumentação no sentido de que não existe previsão legal para o pagamento de multa diária nas ações coletivas, faz presumir que a reclamada pretende não cumprir a imposição que lhe seja desfavorável. Repito: quando se cumpre a lei e as determinações exaradas pelo Poder Judiciário, não existe porque temer a incidência da combatida (e muito útil) multa diária.

 

                                   Nesse sentido, inclusive, foi o acórdão relatado pelo Desembargador João Batista Martins Cesar nos autos do processo n. 0000984-16.2012.5.150003, cuja ementa segue transcrita, in verbis:

 

EMENTA. “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. PRESERVAÇÃO DA SAÚDE E DA SEGURANÇA DO TRABALHADOR. NÃO CONSTANTAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DA LEI À ÉPOCA DA SENTENÇA. PEDIDOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO JULGADOS IMPROCEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. A ação civil pública tem por finalidade, entre outros, inibir a continuidade ou a repetição de dano comprovado anteriormente. 2. É dever do Ministério Público do Trabalho levar a cabo todas as medidas previstas ou não proibidas pelo ordenamento jurídico a fim de evitar a ocorrência de novos danos. 3. O que se pretende, obviamente, é evitar o dano, haja vista que nenhuma indenização é bastante o suficiente para 'compensar' uma vida perdida, mormente quando essa vida se prestava ao trabalho e enriquecimento alheio. 4. Assim, nada impede que comportamentos ilegais aconteçam ou voltem a acontecer. A regra é clara: se a prevenção é possível, não se deve correr o risco. 5. Sentença que deve ser reformada para acolher os pedidos de tutela inibitória realizados em sede de Ação Civil Pública.”

                                  

                                   Outro não é o entendimento do C. TST, como demonstra a ementa a seguir transcrita:

 

RECURSO DE REVISTA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDENAÇÃO DA RÉ EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - CONDUTA REGULARIZADA NO CURSO DO PROCESSO - MULTA COMINATÓRIA - CABIMENTO. A priorização da tutela específica na ação civil pública, que é consectário das previsões contidas nos artigos 3º e 11 da Lei nº 7.437/85, mais do que assegurar às partes o acesso ao bem da vida efetivamente perseguido através do processo, traz consigo valiosa possibilidade por buscar-se tanto a tutela reparatória - aquela que se volta à remoção do ilícito já efetivado - quanto à tutela inibitória, consistente na qualidade da prestação jurisdicional que busca evitar a consumação do ilícito e que, portanto, prescinde do dano. Independentemente da modalidade de tutela específica perseguida, tem-se que a efetividade, e mesmo a autoridade da decisão jurisdicional que a determina, fica condicionada à utilização de meios de coerção que efetivamente constranjam o demandado a cumprir a prestação específica que lhe foi imposta. A multa cominatória já prevista no artigo 11 da Lei nº 7.437/85, e que também encontrava respaldo no § 4º do artigo 84 do CDC, foi generalizada no processo civil pelo § 4º do art. 461 do CPC e revela-se como instrumento pilar da ação civil pública, que hoje se constitui num dos mais efetivos meios de judicialização dos valores consagrados pela ordem constitucional. No caso, a pretensão deduzida pelo Ministério Público do Trabalho compõe-se de pedidos com naturezas jurídicas distintas: foi postulada condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, como forma de reparar a coletividade pela violação da ordem jurídica já consumada, como também foi postulada a imposição, à ré, de obrigação de não fazer consistente na abstenção da exigência de horas extraordinárias de seus empregados fora dos limites legais, mediante tutela específica. Como forma de assegurar a efetividade do comando jurisdicional, constou do pedido da presente ação civil pública a imposição de multa diária no valor de R$ 10.000,00 por trabalhador envolvido. Nesse contexto, a constatação de que a reclamada efetivamente violava as regras atinentes à jornada dos trabalhadores foi suficiente à imposição da obrigação, condenação esta que o juízo de primeiro grau acertadamente subsidiou com a imposição de multa pelo eventual descumprimento. Assim é que a superveniente adequação da ré à conduta imposta na sentença, a uma, não a isenta de responder pelo descumprimento de decisão judicial já verificado, porque aqui já se perfez a inadequação processual da conduta da empresa, que em nada se confunde com o acerto ou desacerto de suas práticas econômicas; a duas, não afasta a penalidade abstratamente imposta, uma vez que a adequação atual da conduta da empresa ao comando legal - que, aliás, não foi espontânea, mas resultado da coerção promovida pelo Poder Judiciário, após atuação incisiva do Estado por meio do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho - não pode representar a isenção dos mecanismos de coação estatal a que esta situação regular perdure. Em última análise, a tutela que, num primeiro momento, caracterizava-se como reparatória, a partir da adequação da conduta empresarial converte-se em inibitória, ou seja, preventiva da lesão, que, por isso mesmo, prescinde da demonstração do dano. Impor à ré obrigação de não fazer sem imputar-lhe a multa cabível por eventual descumprimento desse mandamento significa subtrair força à autoridade das decisões dessa Justiça Especializada e, por consequência, também à atuação do Ministério Público do Trabalho no cumprimento de seu mister constitucional. (Processo: RR - 107500-26.2007.5.09.0513 Data de Julgamento: 14/09/2011, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2011) (grifo nosso)                                  

 

                                   Como é cediço, a imposição de multa diária para o caso de descumprimento da decisão judicial é a maneira mais fidedigna de sobrelevar, no processo, os princípios da prevenção e o da precaução.

 

                                   Num primeiro momento, a prevenção deve ser parâmetro para os casos em que existe certeza científica a respeito do evento danoso. Infelizmente, como demonstrado por intermédio da citação de diversos estudos e informações oficiais (principalmente o NTEP), existe respaldo técnico-científico objetivo no sentido de que a atividade realizada pelos cortadores de cana – mormente porque pago por produção – é causa de acometimento das mais diversas moléstias, sendo que a grande maioria é crônica e acompanhará os trabalhadores pelo resto de suas curtas vidas.

 

                                   Depois de constatada a existência de certeza científica sobre a ocorrência do dano, imperioso fazer incidir, de maneira conjunta, o princípio da precaução. Isso porque, na eventual e remota hipótese de não existir certeza científica para todas as moléstias, o simples indício ou suspeita fundada faz com que as atitudes potencialmente lesivas sejam evitadas e punidas.

 

                                   Ora, trata-se da tutela do direito à vida e à saúde, de modo que não existe indenização posterior capaz de, integralmente, reparar a perda de uma vida ou o acometimento por uma das doenças trazidas pelo NTEP. As indenizações são formas jurídicas de criar ‘compensações fictícias’, haja vista que, nesses casos, não se pode retornar ao status quo ante. Por isso que a indenização é sempre a última medida jurídica que se pretende. Por isso, ademais, que a multa diária em caso de descumprimento da r. sentença prolatada pelo magistrado de origem deve ser mantida.

 

                                   Em segundo lugar, a reclamada apresenta irresignação no sentido de que, caso a multa seja aplicada, haverá enriquecimento sem causa do recorrido. Trata-se, logicamente, de argumento falacioso cujo objetivo é apenas causar impacto. Ao menos é assim que deve entender, haja vista que é de conhecimento bastante mediano o fato de que as multas aplicadas em sede de ação civil pública não serão, jamais, revertidas ao Ministério Público do Trabalho, recorrido nesses autos.

 

                                   É esse o teor do art. 13, caput, da Lei de Ação Civil Pública, in verbis:

 

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.”

 

                                   Embora desnecessário adentrar a questão da destinação da multa, caso seja ela imposta, adoto posicionamento no sentido de que a destinação para o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT fere a finalidade prevista pelo aludido dispositivo legal. O FAT, a despeito de ser o único fundo existente na Justiça do Trabalho, em nada se relaciona com a reconstituição dos bens lesados e eventualmente tutelados em sede de ações coletivas.

                                  

                                   Mais interessante, e condizente com a finalidade da lei, é a conversão do valor arrecadado em obrigação de fazer, por exemplo, consubstanciada na compra de ambulâncias para os postos de saúde que atendem os trabalhadores da região abrangida pelos efeitos da coisa julgada. Nessa hipótese, porque diante de obrigação que se exaure no momento exato de seu cumprimento, não há de se falar em falta de condições materiais do Judiciário para acompanhar o cumprimento efetiva das destinações direcionadas para, por exemplo, entidades beneficentes (que ainda se revela mais consentâneo com a finalidade legal, se comparado com a destinação pura e simples para o FAT).

 

                                   Portanto, porque existe amparo legal, de um lado, e porque jamais haverá destinação da multa para o recorrido (o Ministério Público do Trabalho), de outro, nego provimento ao pleito formulado pela reclamada, mantendo a r. sentença nesse ponto específico.

 

                                   Em que pesem todos esses argumentos, o apelo merece acolhimento apenas em um tópico: o prazo para implementação da medida. De fato, o prazo de dez dias revela-se por demais exíguo. Diante disso, a obrigação de se abster de remunerar por produção os trabalhadores envolvidos no corte manual de cana de açucar deve ser implementada no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da intimação do trânsito em julgado.

 

 

                                   PREQUESTIONAMENTO

 

                                   Diante da fundamentação supra, tem-se por prequestionados todos os dispositivos legais e matérias pertinentes, restando observadas as diretrizes traçadas pela jurisprudência do STF (Súmula 365) e do TST (Súmulas 284 e 297, bem como as Ojs-SDI-1 nº 118 e 119).


                                  
Ressalto, por fim, que não se exige o pronunciamento do Julgador sobre todos os argumentos expendidos pelas partes, bastando os fundamentos que formaram sua convicção, conforme já decidido pelo STF (RE nº 184.347).

 

                                   DISPOSITIVO

                                              

                                   Por todo exposto, resolvo conhecer o recurso ordinário interposto pela Usina Santa Fé S.A., para, no mérito, dar-lhe parcial provimento apenas para ampliar o prazo de início do cumprimento da obrigação de não fazer para 180 (cento e oitenta) dias a contar da intimação do trânsito em julgado, mantida, no mais, a r. sentença atacada, inclusive o valor arbitrado à condenação, por seus próprios e jurídicos  fundamentos e por aqueles acrescentados acima.
 

HÉLIO GRASSELLI

Relator Designado

 

NB. A sentença é do Juiz da Vara do Trabalho de Matão, SP, Dr. RENATO DA FONSECA JANON, Processo 0001117-52.2011.5.15.0081.

 

 



[1]          GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo. Estudos e Pareceres. São Paulo: Dpj, 2009,  p. 249.
[2]          BARBAGELATA, Héctor-Hugo. O Particularismo do Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1996. p, 24.
[3]                    Cf. Melo, Guilherme Bassi de. Interesses transindividuais na esfera trabalhista. (no prelo). Editora Ltr. (aguardando publicação).
[4]          ROAR nº 814964, 2001, DJ de 20/08/.2004. Proc. nº TST-ROAR-814.964/2001.2. SBDI-2. Relator: Min. Renato De Lacerda Paiva. No caso, discutia-se a necessidade de citação de todos os empregados contratados sem concurso público.  A citação de todos os trabalhadores inviabilizaria o prosseguimento da ação coletiva, perpetuando a irregularidade combatida pelo MP.
[5]          Ação civil pública. Litisconsórcio necessário. Não cabimento. Devido às peculiaridades dos interesses tutelados pela ação civil pública, nela descabe a aplicação pura e simples do princípio dos limites subjetivos da coisa julgada. Ao contrário do processo civil tradicional onde a coisa julgada limita-se às partes do processo, na ação civil pública a sentença, salvo se a ação for julgada improcedente por deficiência de prova, fará coisa julgada erga omnes, ou seja, tanto a ação julgada procedente como a improcedente adquirem autoridade de coisa julgada perante todos os membros da coletividade.” (TRT da 10ª Região. RO-983/2000. Relator: Juiz Mário Macedo Fernandes Caron).
[6]          Cf. Procedimento n. 000004.2005.15.008/3 (número antigo 02 2153-5) PRT15.
[7]          SIMON Sandra Lia. Devido processo legal e a tutela dos interesses metaindividuais. Revista do Ministério Público do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p.36.
[8]          Cf. Acórdão do TJSP. 9ª Câmara. Agravo nº 3312-5-SP. Relator: Des. Sidnei Beneti. Julgado em: 10/04/1996. Ementa: Ação civil pública endereçada contra realizadores de loteamento irregular. Desnecessidade de citação dos ocupantes do loteamento e de adquirentes de lotes. “A citação numerosa e volátil, dada a mutação notória de pessoas interessadas em questões como a presente, apenas viria perenizar o litígio, levando, também, à perenização do loteamento apontado como irregular. Agravo provido para anular a determinação de citação dos ocupantes.”
[9]          BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. São Paulo: Malheiros, 2011. p.95-96.
[10]        Ação rescisória. Terceiro interessado em ação civil pública. Citação. ”A ação civil pública visa à salvaguarda dos interesses que envolvam tutela de direitos difusos, onde temos uma pulverização dos interesses dos lesados, por isso que a Lei 7.347, de 1985, estabelece regime litisconsorcial meramente facultativo, não exigindo, sob pena de nulidade do processo – aliás, não expressamente cominada -, a citação do terceiro interessado, cujo interesse é sempre individual.” (TRT. AR 00256/2000.Relator: Juiz Bertholdo Satyro. Acórdão publicado no DJ de 13/072001. No mesmo sentido, vide processos nº 0176440-13.1999.5.15.0010; TST-ROAR-005/2004-000-11-00.4 – SBDI 2; e ROAR - 5/2004-000-11-00.
[11]        Trecho retirado do artigo intitulado “Por que morrem os cortadores de cana?”, da autoria de Francisco Alves, Professor Adjunto da Universidade Federal de São Carlos. Disponível do sítio da Pastoral do Migrante de Guariba.
[12]                A Organização Mundial de Saúde define saúde como sendo um estado de completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência da doença ou da enfermidade.
[13]                        Ergonomia, Projeto e Produção, Ed. Edgard Blücher Ltda, 1990, pág. 284
[14]                        Iida, Itiro, op. cit., pág. 284.
[15]                Medicina Básica do Trabalho, Vol. II, Coord. Sebastião Ivone Vieira, Genesis, 1994, 1ª ed., p. 283.
[16]                Sell, Ingborg, op. cit., pág. 284.
[20]        http://www.portal.ufra.edu.br/attachments/1026_ERGONOMIA%20E%20SEGURAN%C3%87A%20DO%20TRABALHO.pdf
[21]           Parecer Técnico n. 01/2008. Campo Grande. 06/05/2008. Disponível em: HTTP://pesquisa.fundacentro.gov.br/linkpdf/40399.pdf.  Acesso em 03.10.2013.
[22]        É com um grande atraso que os direitos dos trabalhadores foram positivados no texto constitucional brasileiro, já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), prevê em seu artigo XXIII – 1 que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”
[23]       Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
            II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
            III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
            IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[24]        MONTANHANA, Beatriz. A constitucionalização dos direitos sociais e a afirmação da dignidade do trabalhador. In: FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Coord.). Direito do trabalho – direitos humanos. São Paulo: BH, 2006. p.92.
[25]        Apud MONTANHANA, Beatriz. A constitucionalização dos direitos sociais e a afirmação da dignidade do trabalhador. In: FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Coord.). op. cit. p.102.
[26]        COMPARATO, Fábio Konder. op cit. p. 50: para este autor, “a cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.”
[27]        Apud PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o trabalho. In: FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Coord.). op. cit. p.289.
[28]        Idem. op. cit., 2011. p.167.
[29]        SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000. p.382. Ainda sobre o tema confira ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Escala Educacional, 2006.p.9, obra na qual o autor entende que abandonar os homens à própria sorte é esquecer a razão de ser do Estado, bem como do  contrato social, que dá título ao livro.
[30]        MASI, Domenico de. O futuro do trabalho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. p.289-290.
[31]        Cf. Maria Aparecida Moraes Silva, pesquisadora da UNESP, para quem o excesso de trabalho pode caracterizar a escravidão. “Eles estão morrendo de overdose de trabalho”. Jornal Brasil de Fato, de 24 a 30 de junho de 2004.
[32]           Cf. ADI 1.946/DF; ADI 2.065-0/DF; ADI 3.104/DF; ADI 3.105-8/DF; ADI 3.128-7/DF; e o Mandado de Segurança nº 24.875-1/DF.
[33]           SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p.449.
[34]           Direitos dos trabalhadores; direito à saúde; direito à educação; entre outros.
[35]           CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998. p.340: assevera este autor que “o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado.”
[36]                 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p.205. Cf. também COMPARATO, Fábio Konder. op. cit. p.79.
[38]        Dissertação de Mestrado apresentada à PUC/SP, no ano de 2013, sob o título: Configuração do dano à moral difusa a partir da delimitação jurídica do patrimônio imaterial coletivo”, pp. 52-56.
[39]             ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004): 'ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.
               CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).'
[40]           Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
[41]           Veja quadro constante da f. 32 dos autos.
[42]           De acordo com a NR15, o índice IBTUG máximo deve ser de até 25º C.
[43]       O dumping social é caracterizado pela violação, de forma consciente e reiterada, dos direitos fundamentais dos trabalhadores, com o objetivo de conseguir vantagens comerciais e financeiras, aumentando a competitividade, provocando uma concorrência desleal no mercado, em razão do baixo custo da produção de bens ou serviços. Várias são as práticas que podem configurar o dumping social, como o pagamento inferior ao legal, o descumprimento da jornada de trabalho, a terceirização ilícita, a inobservância das normas de medicina e segurança do trabalho, entre outras.
 
[44]           Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Ed. Malheiros, 2008, pp.117-118.
[45]           Tutela inibitória: individual e coletiva. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 80.

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